Folha de S. Paulo
Foi exatamente contra a ideia do 'Estado editor' que surgiu o conceito moderno de liberdade de expressão
Foi interessante assistir ao ministro Dias Toffoli, nesta semana, em um
debate promovido pelo site Poder 360, expondo com clareza seus pontos de
vista sobre temas de censura e liberdade de expressão hoje em pauta no
país.
O ministro foi taxativo: “A Constituição veda de modo absoluto a censura
prévia”. E concluiu: “Aquilo que ainda não foi tornado público pode vir
a público e a pessoa vai arcar com suas consequências [...] pode emitir
sua ideia, seja ela qual for. Até de defender o nazismo, até de
defender o fechamento do Supremo”. [Difícil acreditar que o autor das frases destacadas, frases corretíssimas, é o mesmo que autorizou o 'inquérito do fim do mundo' - que tem violado tudo que as fases expressam.
Incrível que seja também o autor de todas abaixo, itálico vermelho]
Dito isto, era óbvia a pergunta pendurada no ar: e os cidadãos banidos
das redes sociais, no inquérito das fake news? Isto é, impedidos
previamente de dizer as coisas que poderiam lhes trazer “consequências”.
O que dizer? O ministro sugeriu uma distinção: uma coisa seria proibir a “expressão”
de um indivíduo; outra seria proibi-lo do uso de “veículos” para se
expressar. Nesta lógica, os bloqueados não teriam perdido sua liberdade.
Apenas não poderiam fazê-lo no Facebook ou no Instagram. Poderiam
publicar panfletos, imaginei, mas ninguém aventou a hipótese.
Ato seguinte, o ministro sugeriu uma analogia entre os bloqueios e as
prisões preventivas. Privação do direito de ir e vir seria muito mais
grave do que perda da liberdade intelectual ou de expressão. Por que
então deveria chocar mais as pessoas “meia dúzia de redes sociais
paradas do que 200 mil pessoas presas provisoriamente?” De minha parte, só vejo uma resposta a esta questão: choca por que é
algo que não está na lei, muito menos na Constituição. Não importa que
se trate de prisão ou banimento do Twitter. Choca é o desrespeito a um
princípio, que é um bem para uma sociedade democrática.
O ministro foi além. Depois de se referir ao fato de que toda empresa de
comunicação tem seu editor, explicou que “nós, enquanto Judiciário,
enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação
inteira, de um povo inteiro”. Eugênio Bucci estava no debate e, com sua gentileza habitual, lembrou
que sociedades não funcionam como empresas de comunicação. Estas
pertencem ao mundo privado e podem demitir o funcionário a partir de
juízos de valor.
Caberia, porém, a uma instituição de Estado fazer o
mesmo?
Isto é, “eleger valores que definem a circulação de conteúdos”?
Eis aí a questão central: - sociedades abertas precisam de um “editor”? - Sociedades que se definem precisamente pela diversidade de visões de
mundo e por um desacordo fundamental sobre o erro e o acerto, o falso e o
verdadeiro? A resposta a esta pergunta está no próprio nascimento da ideia moderna
de liberdade de expressão. Foi para defender o fim do direito à censura
prévia de livros que o poeta inglês John Milton, no coração da revolução
inglesa, escreveu sua “Areopagítica”.
Em 1644 eram os livros. Hoje são redes e blogs. A questão fundamental é a
mesma. Deveríamos presumir, perguntava Milton, que aqueles que censuram
“dispõem da graça da infalibilidade, acima de todos nessa terra”? Era
exatamente contra a ideia do Estado editor que John Milton se batia. Estas questões pareciam estar resolvidas há muito tempo. De uma hora
para outra, a coisa mudou. Vamos nos tornando um país em que a defesa da
liberdade de expressão vai surgindo como um exercício perigosamente
retórico e seletivo. E estranhamente capaz de assustar as pessoas.
País em que se aceita acriticamente o retorno da “absolutamente vedada”
censura prévia. A lógica do “você não fala mais nada, seja bom, seja
mau, seja verdade, seja mentira”, como bem lembrou o professor e amigo
Marco Sabino. Os crimes cometidos na internet devem ser punidos, na forma da lei, e é
saudável que se discuta mecanismos de proteção das instituições frente
às novas tecnologias. O Congresso, neste exato momento, se dedica a esse
debate. Nada disso, porém, admite a tutela do Estado sobre a opinião. Ainda
lembro do orgulho que todos sentimos quando a ministra Cármen Lúcia
lembrou canções de sua infância para dizer que o “cala a boca já
morreu”. Sugiro não ressuscitá-lo. [lembramos que a ministra citada simplesmente cassou de um presidente da República o direito constitucional de nomear um ministro de Estado - decisão que, posteriormente, foi revista pela plenário da Corte Suprema.
Quando a uma eventual 'ressuscitação' do 'cala a boca' - é algo aceitável quanto envolver assuntos de interesse da SEGURANÇA NACIONAL.
Expressar o desejo de que ministros do STF sejam presos, não ofende à Segurança Nacional - ato punível apenas pela forma ofensiva com que os alvos do desejo foram tratados.]
Quando a uma eventual 'ressuscitação' do 'cala a boca' - é algo aceitável quanto envolver assuntos de interesse da SEGURANÇA NACIONAL.
Expressar o desejo de que ministros do STF sejam presos, não ofende à Segurança Nacional - ato punível apenas pela forma ofensiva com que os alvos do desejo foram tratados.]
Fernando Schüler, professor e curador - Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário