O Estado de S.Paulo
O governo vai mal, mas a campanha de Bolsonaro à reeleição vai muito bem, obrigada
O governo vai mal, mas a campanha do presidente Jair Bolsonaro à
reeleição vai de vento em popa, repetindo os acertos de 2018, mas
adaptando o candidato, os aliados, o discurso e as armas às
circunstâncias de 2022. O pragmatismo, para evitar o impeachment e
garantir maioria parlamentar, mira não só o presente e a
governabilidade, mas também o futuro e a sucessão.
Depois de usar o “Jairzinho Paz e Amor” e o retiro da covid-19 para
pontes com Judiciário e Legislativo e desanuviar o ambiente político,
Bolsonaro volta à rotina diferente. Menos ataques, mais diálogo. Em vez
de dividir, somar. No varejo e no atacado: além de apoiadores no
Alvorada, viagens pelo País. Segundo o Estadão, Bolsonaro até liberou o
funcionamento de 440 rádios comunitárias em março e abril, recorde na
década. Para tocar música é que não é...
O “Paz e Amor” passou no primeiro teste: apesar de tudo, de todos e dele
mesmo, Bolsonaro segurou seu patamar nas pesquisas, em torno de 30%, e
até recuperou uns pontinhos. Mas, na estratégia para 2022, é preciso, a
cada desastre, um culpado: governadores, prefeitos e Supremo pelos agora
quase 90 mil mortos, [cara colunista: por favor, aponte culpados que não sejam os governadores e prefeitos - com provas - e mostre que os desmandos estaduais e municipais não tiveram o aval, público e indiscutível, do Supremo Tribunal Federal.] o vice Hamilton Mourão pelo desmatamento da
Amazônia, Ricardo Salles pelo desmanche do ambiente...
Na mesma toada, transformar derrotas em vitórias. O governo foi contra o
Fundeb, apresentou um monstrengo de uma última hora e só se rendeu
porque perderia feio. Confirmado o fiasco, cria-se a narrativa: o
governo venceu! Um governo da ajuda emergencial de R$ 600 não ficaria
contra um fundo para o ensino de milhões de crianças pobres, não é? Os
30% bolsonaristas acreditam piamente. E os beneficiários agregam pontos a
esses 30%.
Ato seguinte: reforçar os laços com o Centrão, mas sem perder os
bolsonaristas raiz, que não têm muita serventia no Congresso, mas ajudam
a manter a ilusão de que Bolsonaro era e continua sendo aquele da
família, da religião, contra a velha política e a corrupção. Foi por
isso, equilibrar Centrão e bolsonaristas, que Bolsonaro derrubou a
deputada Bia Kicis (PSL) da vice-liderança do governo na Câmara, mas
depois foi tirar foto sorridente com ela e suspendeu a troca do Major
Vitor Hugo, bolsonarista, por Ricardo Barros, do Centrão, na liderança
do governo.
Ao mesmo tempo, o presidente usa a Advocacia-Geral da União (AGU) – que
não tem nada a ver com isso – para manter no ar as redes bolsonaristas
de fake news. Em vez de ajudar, elas passaram a atrapalhar o presidente
Bolsonaro, mas ainda serão muito úteis para o candidato Bolsonaro. Como
em 2018. Se equilibra bolsonaristas com Centrão no Congresso e convence os
protestos golpistas de deixarem de ser golpistas, o presidente cuida
também do outro lado: dos críticos. Assim como a AGU, também o
Ministério da Justiça está à disposição para seus interesses políticos.
Como informa o repórter Rubens Valente, funcionários e estruturas de
governo estão produzindo dossiês contra “antifascistas”, ou
antibolsonaristas. Inclusive, acreditem, o humanista Paulo Sérgio
Pinheiro. [Vale lembrar que é dever do presidente da República ao tomar conhecimento de ilegalidades sendo praticadas contra cidadãos, impedindo que direitos constitucionais sejam exercidos, adotar as medidas necessárias, sendo natural que a AGU seja acionada.]
É preciso saber como Bolsonaro vai retaliar os 152 bispos, bispos
eméritos e arcebispos da Igreja Católica que assinam um manifesto contra o que chamam de “mensagens de ódio e preconceito” e aqueles outros
“esquerdistas” que criticam seu governo: presidentes de países
democráticos da Europa e da América Latina, fundos internacionais de
investimento, bancos, grandes empresas, pessoal da Saúde.
Eles não estão ajudando, nada, nada, a reeleição, mas Carlos Bolsonaro, o
02, sabe muito bem como dar um jeito nisso e está se mudando de malas,
bagagens e expertise eleitoral para Brasília. O “gabinete do ódio”
assume nova roupagem: é o comitê de campanha, a mil por hora.
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo
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