O Globo
Participação de militares no Executivo é questão não resolvida
O fato de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ter defendido a
necessidade de ser aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição para
organizar a participação de militares no Poder Executivo, em entrevista à
revista Época, demonstra que essa ainda é uma questão não resolvida no
nosso presidencialismo, pois foi exacerbada no governo Bolsonaro, que
mais que dobrou a participação de militares, da ativa e da reserva, em
funções gratificadas na máquina pública. “Quem quiser vir no futuro para o governo, vai precisar, sem dúvida
nenhuma, caminhar automaticamente para a reserva", afirmou. A questão é
tão delicada que Rodrigo Maia considera mais prudente, como muitos
militares exercem função de ministro, esperar “para não parecer que é
contra o ministro A ou ministro B, ou assessor A ou assessor B”.
[se o deputado Maia em sua obsessão para atrapalhar o governo do presidente Bolsonaro, quer impor limites, via PEC, à competência do presidente da República nomear ministros de Estado, seus auxiliares direto, se confirma que o importante é atrapalhar o governo de um Presidente eleito com quase 60.000.000 de votos.
Atrapalhar o governo se tornou meta prioritária de um grupo que não aceita o capitão no governo e treme de medo (pavor , soa melhor) com o que consideram uma possibilidade - apesar de ser uma certeza - de Jair Bolsonaro concluir o atual mandato e ser reeleito em 2022.
Para alcançarem seus objetivos, vale tudo = uma PEC desnecessária aqui, uma intromissão indevida na competência constitucional do Presidente da República, uma interpretação diversa de uma norma constitucional presente desde 1988.
Agora Maia a frente do grupo quer diferenciar militares, especialmente os que pertencem à reserva, de civis.
Em linguagem popular, um militar na reserva equivale a um civil aposentado.
Um servidor civil aposentado, um magistrado aposentado, pode ser nomeados ministro, desde que o Chefe do Poder Executivo o nomeie e os requisitos constitucionais atendidos.
Um militar, na reserva, querem limitar - o Brasil das cotas absurdas, em sua maioria inconstitucionais, quer impor cotas para militares exercerem cargos no Poder Executivo.
Toffoli nomeou o general Azevedo e não consideraram absurdo;
quando o general passou a integrar o governo Bolsonaro, muitos ficaram contra.]
Para o presidente da Câmara, “não é bom para as Forças Armadas, não é
bom para o Brasil” que essa situação persista. Poderíamos aproveitar a
oportunidade e incluir nessa PEC dos militares também a necessidade de
um parlamentar abrir mão de seu mandato se quiser fazer parte de outro
Poder, no caso o Executivo. Da mesma forma que se exige de um membro do
Poder Judiciário, como aconteceu com o então juiz Sérgio Moro, que teve
que abandonar a carreira para ser ministro da Justiça de Bolsonaro.
Como já escrevi aqui, um congressista faz parte de um poder, o
Legislativo, que não tem chefe. Um deputado, um senador, não é
subordinado a nenhum chefe. Não pode ser demitido por chefe nenhum.
Muito menos pode ser subordinado ao simples chefe de outro poder, o
Executivo. A independência de poderes legítima impediria que um deputado
ou senador americano seja ministro. Se quiser ser ministro, tem de
renunciar ao seu mandato de legislador e virar auxiliar do presidente.
Nos EUA, em exemplo recente, a senadora Hillary Clinton teve de
renunciar ao seu mandato para ser Secretária de Estado de Barack Obama.
Norberto Bobbio, um dos maiores filósofos políticos do século XX,
escreveu a “Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições
dos Clássicos”, onde dá a sua definição sobre política. Para ele, falar
em política leva ao conceito de poder, que é a capacidade de se obter os
meios para fazer prevalecer suas ideias em uma sociedade. Os poderes
políticos são legitimados, dependendo das circunstâncias, pela tradição,
pelo despotismo ou pelo consenso, uma característica da democracia.
Na Grécia Antiga, Aristóteles, em “A Política”, tratava dela como
inerente à atividade humana, pelo interesse pelas coisas das cidades
(pólis). “Fazer política” não é, portanto, apenas uma prática partidária
e eleitoral, mas refere-se às atividades do Estado, e como a sociedade
se relaciona com ele.
Os militares não podem desejar serem vistos como suportes especiais de
um presidente da República, nem devem exercer uma atividade civil como
se fosse uma missão dada por seu Comandante em Chefe. O ministro
interino da Saúde, General da ativa Eduardo Pazuello, já disse que
cumpre ordens: “missão dada é missão cumprida”, repetiu certa vez o
mantra militar que exalta a hierarquia e a obediência.
Na vida civil, esse critério não pode prevalecer, pois a relação
política pressupõe a dialética. Soube-se recentemente que o General
Pazuello não acatou os alertas do comitê de emergência da própria pasta
sobre a necessidade de um distanciamento social firme para evitar mais
mortes, e sobre o perigo da produção de cloroquina em massa, sob o risco
de ficar com estoque parado – o que está acontecendo no momento –
simplesmente porque Bolsonaro ordenou a fabricação, ou não concordava
com a diretriz.
O corporativismo é tão grande que o presidente mandou o Exército
fabricar milhões de comprimidos de cloroquina, e o comandante do
Exército, general Edson Pujol, outro dia exaltou o medicamento e o papel
do Laboratório do Exército, que produziu uma quantidade excessiva dele.
Este é mais um problema grave, porque na Saúde a obediência tem que ser
à ciência e às pesquisas.
Mas é impossível termos um médico no ministério porque, se for uma
pessoa séria, não vai ficar no cargo. Só serve quem pensa como o
presidente e chega-se a essa situação de ele conversar sem máscara com
garis e mostrar uma embalagem de cloroquina para as emas do Alvorada.
Merval Pereira, colunista - O Globo
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