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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Aonde Guedes quer chegar? - Nas entrelinhas

A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade.

Ontem foi um dia de mais confusão na área econômica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, rechaçou a proposta de utilização dos recursos destinados aos precatórios para viabilizar o programa Renda Cidadã, muito criticada pelos especialistas, como se nada tivesse a ver com ela. A medida foi anunciada pelo relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), depois de ter sido aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro e, pasmem, o próprio Guedes. O ministro da Economia também estava com Bolsonaro e os líderes do governo no Congresso quando a proposta foi anunciada. “Um projeto dessa magnitude jamais seria apresentado se não tivesse o conhecimento e a aprovação do presidente da nação e o carimbo de OK do ministro da Economia”, disse Bittar, segundo o qual Guedes havia dado uma demonstração cabal de que concorda com a proposta, durante a sua reunião com Bolsonaro. 

[Aonde Guedes quer chegar? não se sabe.

É  notório que ele quer encerrar a carreira política do presidente JAIR BOLSONARO em 1º de janeiro de 2023. Antes, a maior parte das encrencas em que o governo se envolvia era atribuída a um trio de ex-ministros: Mandetta, Moro e Weintraub = os trapalhões, havia o Velez mas foi esquecido.

Agora, todas são provocadas por declarações e outras ações provocativas do ministro Paulo Guedes - por enquanto, com apenas um ex-, de ex-posto Ipiranga.

O deputado Maia, por ser político, já tem a credibilidade comprometida. Vive dando pitaco - mesmo tendo deixado de lado, provisoriamente, o que entendemos serem pretensões de derrubar o presidente da República - nos mais diversos assuntos e o ministro da Economia pega a corda (vez ou outra o presidente também se envolve em discussões) e fornece munição para o deputado que preside a Câmara.

A função principal do presidente da Câmara dos Deputados  é pautar as votações daquela Casa. Seria sensato se Guedes e o próprio presidente ignorassem os comentários fora de hora do parlamentar,  e aguardassem ações concretas no tocante à pauta da Casa que o deputado ainda preside].

Na manhã de ontem, porém, Guedes disse que o gasto com precatório estava sendo examinado com foco no controle de despesas e que não era “uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível” para financiar a nova política de transferência de renda do governo. Ou seja, detonou a proposta de Bittar. Na terça-feira, apesar das críticas, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, também havia anunciado que o Palácio do Planalto não recuaria da proposta.

A grande interrogação é se a postura de Guedes teve aval do presidente Jair Bolsonaro, que gosta desse faz que vai mas não vai, ou o ministro da Economia se encheu de brios e resolveu marcar posição mais responsável sobre a questão fiscal. A primeira hipótese é mais provável, porém, outra declaração polêmica de Guedes levanta suspeitas de que pode ser a segunda. O ministro da Economia acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de ter feito um acordo com a esquerda para não aprovar as privatizações.

“Não há razão para interditar as privatizações. Há boatos de que haveria acordo entre o presidente da Câmara e a esquerda para não pautar as privatizações. Precisamos retomar as privatizações, temos que seguir com as reformas e temos que pautar toda essa transformação que queremos fazer. A retomada do crescimento vem pela aceleração de investimentos em cabotagem, infraestrutura, logística, setor elétrico, das privatizações, Eletrobrás, Correios… Estamos esperando”, disparou Guedes, que aproveitou a divulgação de dados do Caged sobre geração de empregos para provocar o presidente da Câmara, com quem vive às turras. Em resposta, Maia disse que Guedes “está desequilibrado” e sugeriu ao ministro que assistisse ao filme A Queda, que narra os últimos dias de Adolf Hitler e do Terceiro Reich.

Jogada de risco
É surreal o que está acontecendo, às vésperas da discussão no Congresso de uma proposta que é considerada a principal bandeira social do presidente Jair Bolsonaro para sua campanha de reeleição. Além disso, o governo precisa aprovar uma série de medidas para enfrentar a recessão e também mitigar outros efeitos da pandemia, a maioria na área do ministro da Economia. A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade. O governo precisa aprovar um Orçamento de 2021 exequível, para evitar a degringolada da economia.

Não faz sentido o ataque de Guedes a Maia. O presidente da Câmara é um político liberal, nunca foi de esquerda. Para ele, porém, dialogar com a esquerda é tão importante quanto ter o apoio do Centrão para o bom funcionamento da Casa, isso possibilita acordos que garantem as votações e o avanço do trabalho legislativo. Maia foi o grande artífice da reforma da Previdência. Dispõe-se a ter mesmo papel nas reformas tributária e administrativa, mas há divergências de fundo entre o presidente da Câmara e Guedes, principalmente sobre o novo imposto sobre operações financeiras, que Maia não aceita. Com o bate-boca de ontem, um dos dois terá de recuar para o processo andar.

Entretanto, pode-se imaginar que Guedes aguarda o fim do mandato de Maia e aposta num presidente da Câmara alinhado com Bolsonaro: Arthur Lyra (PP-AL), por exemplo, o líder do Centrão mais alinhado com o governo. Mas essa é uma jogada de alto risco, porque o governo perde tempo, e nada garante que o sucessor de Maia será um pau mandado do presidente da República. A outra possibilidade, já aventamos aqui: Guedes está se movimentando como quem pretende marcar posição e sair do cargo em grande estilo. O desgaste do ministro da Economia só aumenta junto aos agentes econômicos, seu prestígio com os políticos nunca esteve tão por baixo. Ambos farejaram o cheiro de animal ferido na floresta. Guedes, o superministro, era o Posto Ipiranga de Bolsonaro. Não é mais.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


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