Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Renda Cidadã. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Renda Cidadã. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O SUS - Sistema Único de Saúde - Monica de Bolle

O Sistema Único de Saúde sobreviveu para lutar mais um dia neste governo de desmandos e descasos

O SUS, de fora, é visto com certa estupefação. Como um país de renda média como o Brasil conseguiu construir um sistema tão abrangente e que funciona para todos? O feito é incomum em países com características econômicas semelhantes às nossas. O feito não foi realizado nos Estados Unidos, onde, na pandemia, há muita gente desassistida, ou, quando assistida, quase falida. Aqui nos Estados Unidos a saúde é praticamente toda privada, e quem não tem plano de saúde, ainda que possa ser atendido nas emergências dos hospitais, depois recebe contas astronômicas a pagar. As falhas do sistema de saúde norte-americano, há muito debatidas, ficaram inteiramente visíveis agora, durante a crise da Covid-19. Embora os descasos brasileiro e norte-americano tenham sido semelhantes, no Brasil contivemos algumas mortes por causa do SUS. E a epidemia está longe de acabar.

Bolsonaro e Guedes tentaram passar um decreto, o infame 10.530 de 27 de outubro, que previa possíveis alterações consideráveis nas unidades básicas de saúde (UBS). O decreto mencionava estudos para avaliar a viabilidade de parcerias privadas nas UBS, ainda que não chegasse a falar em privatização. Contudo, esse é o governo do Estado mínimo. Difícil imaginar que alguma intenção privatizante não estivesse ali escondida. As UBS são a base articuladora do SUS; se privatizadas fossem, desapareceria o SUS. Não de supetão, mas penso que dá para ver o ponto.

O decreto Bolsonaro-Guedes não foi apreciado pelo Ministério da Saúde, tampouco pelo Conselho Nacional de Saúde, órgão do Ministério responsável pelas políticas de saúde pública. Não foi apreciado por órgãos fundamentais do Ministério da Saúde porque Bolsonaro-Guedes decidiram que não era relevante que opinassem sobre o documento e seu conteúdo. Evidentemente, algo que é da competência da área de saúde só pode mesmo ser apreciada, quando não elaborada, pelo Ministério da Economia. No governo de balão de ensaio de Bolsonaro-Guedes essa abordagem faz todo sentido — esse é o mesmo governo que já lançou o programa Renda Brasil, o programa Renda Cidadã e disse que o Brasil crescerá 46% de agora até 2031. Só para que os leitores não se confundam, não existe nem Renda Brasil, nem Renda Cidadã. Quanto ao crescimento de 46%, difícil opinar, já que dizer algo sobre isso necessariamente significa levar a sério o que é dito por Guedes.

O decreto não foi a lugar algum. Sob intensa pressão da sociedade, de várias entidades, dos conselhos das secretarias municipais de saúde — todas as UBS são geridas pelos municípios, que tampouco foram consultados —, o presidente o revogou. O SUS sobreviveu para lutar mais um dia nesse governo de desmandos e descasos. [o decreto pode até ter sido um balão de ensaio;

Mas teve uma utilidade honesta: serviu para destacar o SUS - a maior parte da imprensa passou a defender o SUS e na defesa apontar vantagens, o desempenho excelente, a dedicação dos que lá trabalham = mostrando que o SUS é insubstituível.]

Contudo, os desafios do SUS são de tal ordem que faltam adjetivos para descrevê-los. O Brasil caminha a passos largos para enfrentar uma segunda onda da pandemia, como já se vê mundo afora — aqui nos Estados Unidos estamos já na terceira onda. Para além disso, há a sobrecarga de pacientes com sequelas da Covid-19, sobre as quais escrevi esta semana em artigo para o Estadão. Por fim, há o enfrentamento do teto de gastos que, do jeito que está, não permitirá que qualquer centavo seja direcionado ao SUS em 2021.

O SUS. #DefendaoSUS.

Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins


quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Aposta de alto risco - Nas entrelinhas

Ninguém pode acusar Bolsonaro de incoerência. Como disse o chanceler Ernesto Araújo, com a atual política externa, o Brasil optou por ser “um pária” no cenário mundial

O presidente Jair Bolsonaro ontem, nas redes sociais, voltou a apostar todas as fichas na reeleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, além de denunciar suposta interferência externa na política norte-americana, sem dizer de quem. Ao mesmo tempo, o mundo aguarda em suspense o resultado do pleito, no qual o democrata Joe Biden é favorito nas pesquisas de opinião. Como escrevo antes da contagem dos votos, vou aguardar o resultado final da apuração; mesmo que, eventualmente, o presidente Trump autoproclame a sua vitória, na festa que organizou na Casa Branca para 400 convidados.

Aqui no Brasil, teríamos o resultado final da eleição, com precisão, no dia de votação, graças à urna eletrônica, à prova de fraudes, nossa melhor jabuticaba política, testada e aprovada. Nos Estados Unidos, com um sistema de votação anacrônico, que leva vários dias, inclusive com voto por correspondência, a apuração é mais complicada. Pode até gerar uma crise institucional, se Trump se declarar eleito e, depois, a contagem dos votos mostrar que o vitorioso é Baden. Como se sabe, o fato de o presidente ser eleito num colégio de delegados dos estados permite, inclusive, que o vitorioso não seja o mais votado nas urnas.

No dia da eleição, a maioria dos chefes de Estado manteve silêncio obsequioso sobre o pleito. Os líderes das democracias ocidentais, porém, torcem pelo democrata Biden, quando nada porque são confrontados pelo republicano Trump em todos os fóruns internacionais, até mesmo na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o pacto de defesa do Ocidente. Entretanto, ninguém pode acusar Bolsonaro de incoerência. Como disse o chanceler Ernesto Araujo, com a atual política externa, o Brasil optou por ser “um pária” no cenário mundial. Sem Trump, porém, essa linha de atuação se tornará insustentável, devido ao isolamento diplomático quase absoluto. Somente os governos de extrema direita, como o de Victor Orban, na Hungria, e os tiranos árabes mais sanguinários restarão como aliados, do Brasil nos fóruns internacionais, se Biden vencer o pleito.

A não ser que Bolsonaro se reposicione. O alinhamento automático com os Estados Unidos, de imediato, não muda o posicionamento do Brasil nas cadeias de comércio mundial, nas quais nosso principal parceiro é a China. A ideia de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, grande aposta de Araujo e do ministro da Economia, Paulo Guedes, não é exequível a curto prazo. Não era com Trump, muito menos com Biden. No segundo caso, para avançar nessa direção, o Brasil teria que mudar radicalmente sua política interna em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente, além do posicionamento nos fóruns internacionais em relação aos mesmos temas.

Momento difícil
Um momento de viragem na política norte-americana ilustra uma situação desse tipo: a eleição do presidente Jimmy Carter, [o maior fracasso dos Estados Unidos da América em termos de escolha de presidente;
felizmente, seu desastroso governo foi seguido pelo do Republicano Ronald Reagan, que resolveu crises deixadas pelo democrata. Biden, tem todos os ingredientes para ser pior que foi o plantador de amendoim.] que governou de 1977 a 1981. No seu governo, o Departamento de Estado deu uma guinada em relação às ditaduras da América do Sul, todas implantadas com forte apoio norte-americano. Carter pressionou muito o governo do general Ernesto Geisel, por causa das torturas e dos assassinatos de oposicionistas nos quartéis, o que ajudou a oposição a vencer as eleições de 1978 e resultou na anistia de 1979. Como naquela ocasião, a vitória de Biden pode ser um momento de viragem na política brasileira. Bolsonaro tem dificuldades para aceitar essa mudança, mas em torno dele esse assunto está em pauta, haja vista as declarações do vice-presidente Hamilton Mourão, que manteve distância regulamentar das eleições norte-americanas.

Um outro fator recomenda mais cautela de Bolsonaro quanto ao resultado do pleito: a nossa situação econômica. O Palácio do Planalto se prepara para uma segunda onda [sic] da pandemia de corona vírus da pior forma possível, ao fomenta dúvidas quanto a eficácia e a necessidade das vacinas contra o COVID-19, o que é péssimo. Também empurra as reformas com a barriga para não contrariar interesses corporativos e empresariais. A base parlamentar do governo retarda a aprovação do Orçamento da União para não ter que anunciar cortes de despesas antes das eleições. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sonha com a prorrogação da “economia de guerra” para 2021, com o propósito de agradar o presidente Bolsonaro e criar o Renda Cidadã. É uma aposta de jogador compulsivo, que perde todos os bens e a família, acreditando na sorte grande.

O governo não tem prioridades, se movimenta de forma errática. A dívida publica brasileira, que já se aproxima de 100% do PIB, está sendo rolada a prazo de dois anos, com juros acima de 4,5%, o que é muito perigoso. Se a estratégia do governo for prorrogar a “economia de guerra”” por mais seis meses, a inflação vai disparar e a dívida pública crescerá mais ainda, vertiginosamente. Ontem, houve uma reunião dos governadores com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para discutir uma estratégia de vacinação contra a Covid-19, maneira de evitar uma segunda onda da pandemia no Brasil e a prorrogação da economia de guerra”. Quem deveria estar liderando isso é o Ministério da Saúde. [a segunda onda deve ser de um tipo especial, já que nos países que não alcançaram a imunidade de rebanho - não é o caso do Brasil - se nota um intervalo de no máximo uns seis meses para chegar. Para que uma vacina seja eficaz no Brasil evitando a segunda onda - considerando um prazo máximo de seis meses, para começar no Brasil - é necessário que tenhamos pelo menos 50% da população vacinada até janeiro/fevereiro-2020. O calendário do deputado Maia não bate com o da hipotética segunda onda.

Até os petistas sabem que todo esse auê de planejar a vacina que ainda não existe é só a tentativa de evitar que se comprove ser a teoria da 'imunização de rebanho' sempre defendida pelo presidente Bolsonaro que está evitando, com as bênçãos de  DEUS, a continuidade do contágio e mortandade.]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Aonde Guedes quer chegar? - Nas entrelinhas

A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade.

Ontem foi um dia de mais confusão na área econômica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, rechaçou a proposta de utilização dos recursos destinados aos precatórios para viabilizar o programa Renda Cidadã, muito criticada pelos especialistas, como se nada tivesse a ver com ela. A medida foi anunciada pelo relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), depois de ter sido aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro e, pasmem, o próprio Guedes. O ministro da Economia também estava com Bolsonaro e os líderes do governo no Congresso quando a proposta foi anunciada. “Um projeto dessa magnitude jamais seria apresentado se não tivesse o conhecimento e a aprovação do presidente da nação e o carimbo de OK do ministro da Economia”, disse Bittar, segundo o qual Guedes havia dado uma demonstração cabal de que concorda com a proposta, durante a sua reunião com Bolsonaro. 

[Aonde Guedes quer chegar? não se sabe.

É  notório que ele quer encerrar a carreira política do presidente JAIR BOLSONARO em 1º de janeiro de 2023. Antes, a maior parte das encrencas em que o governo se envolvia era atribuída a um trio de ex-ministros: Mandetta, Moro e Weintraub = os trapalhões, havia o Velez mas foi esquecido.

Agora, todas são provocadas por declarações e outras ações provocativas do ministro Paulo Guedes - por enquanto, com apenas um ex-, de ex-posto Ipiranga.

O deputado Maia, por ser político, já tem a credibilidade comprometida. Vive dando pitaco - mesmo tendo deixado de lado, provisoriamente, o que entendemos serem pretensões de derrubar o presidente da República - nos mais diversos assuntos e o ministro da Economia pega a corda (vez ou outra o presidente também se envolve em discussões) e fornece munição para o deputado que preside a Câmara.

A função principal do presidente da Câmara dos Deputados  é pautar as votações daquela Casa. Seria sensato se Guedes e o próprio presidente ignorassem os comentários fora de hora do parlamentar,  e aguardassem ações concretas no tocante à pauta da Casa que o deputado ainda preside].

Na manhã de ontem, porém, Guedes disse que o gasto com precatório estava sendo examinado com foco no controle de despesas e que não era “uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível” para financiar a nova política de transferência de renda do governo. Ou seja, detonou a proposta de Bittar. Na terça-feira, apesar das críticas, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, também havia anunciado que o Palácio do Planalto não recuaria da proposta.

A grande interrogação é se a postura de Guedes teve aval do presidente Jair Bolsonaro, que gosta desse faz que vai mas não vai, ou o ministro da Economia se encheu de brios e resolveu marcar posição mais responsável sobre a questão fiscal. A primeira hipótese é mais provável, porém, outra declaração polêmica de Guedes levanta suspeitas de que pode ser a segunda. O ministro da Economia acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de ter feito um acordo com a esquerda para não aprovar as privatizações.

“Não há razão para interditar as privatizações. Há boatos de que haveria acordo entre o presidente da Câmara e a esquerda para não pautar as privatizações. Precisamos retomar as privatizações, temos que seguir com as reformas e temos que pautar toda essa transformação que queremos fazer. A retomada do crescimento vem pela aceleração de investimentos em cabotagem, infraestrutura, logística, setor elétrico, das privatizações, Eletrobrás, Correios… Estamos esperando”, disparou Guedes, que aproveitou a divulgação de dados do Caged sobre geração de empregos para provocar o presidente da Câmara, com quem vive às turras. Em resposta, Maia disse que Guedes “está desequilibrado” e sugeriu ao ministro que assistisse ao filme A Queda, que narra os últimos dias de Adolf Hitler e do Terceiro Reich.

Jogada de risco
É surreal o que está acontecendo, às vésperas da discussão no Congresso de uma proposta que é considerada a principal bandeira social do presidente Jair Bolsonaro para sua campanha de reeleição. Além disso, o governo precisa aprovar uma série de medidas para enfrentar a recessão e também mitigar outros efeitos da pandemia, a maioria na área do ministro da Economia. A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade. O governo precisa aprovar um Orçamento de 2021 exequível, para evitar a degringolada da economia.

Não faz sentido o ataque de Guedes a Maia. O presidente da Câmara é um político liberal, nunca foi de esquerda. Para ele, porém, dialogar com a esquerda é tão importante quanto ter o apoio do Centrão para o bom funcionamento da Casa, isso possibilita acordos que garantem as votações e o avanço do trabalho legislativo. Maia foi o grande artífice da reforma da Previdência. Dispõe-se a ter mesmo papel nas reformas tributária e administrativa, mas há divergências de fundo entre o presidente da Câmara e Guedes, principalmente sobre o novo imposto sobre operações financeiras, que Maia não aceita. Com o bate-boca de ontem, um dos dois terá de recuar para o processo andar.

Entretanto, pode-se imaginar que Guedes aguarda o fim do mandato de Maia e aposta num presidente da Câmara alinhado com Bolsonaro: Arthur Lyra (PP-AL), por exemplo, o líder do Centrão mais alinhado com o governo. Mas essa é uma jogada de alto risco, porque o governo perde tempo, e nada garante que o sucessor de Maia será um pau mandado do presidente da República. A outra possibilidade, já aventamos aqui: Guedes está se movimentando como quem pretende marcar posição e sair do cargo em grande estilo. O desgaste do ministro da Economia só aumenta junto aos agentes econômicos, seu prestígio com os políticos nunca esteve tão por baixo. Ambos farejaram o cheiro de animal ferido na floresta. Guedes, o superministro, era o Posto Ipiranga de Bolsonaro. Não é mais.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


Falta confiança - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 1 de outubro de 2020

Até tem coisas interessantes acontecendo. Ontem, por exemplo, concluiu-se o leilão de saneamento do governo de Alagoas, o primeiro no marco de uma nova legislação. Por expressivos R$ 2 bilhões, a empresa BRK (Brookfield e FI-FGTS) levou um contrato de 35 anos para operar serviços de água e esgoto de Maceió e mais 13 cidades da região metropolitana. Trata-se de um avanço importante, feito com base em legislação cujo objetivo é dar segurança jurídica ao investimento privado no setor. É o único caminho, já que o setor público não tem os recursos necessários para o tamanho do investimento.

A BRK vai pagar R$ 2 bilhões pela outorga – caixa para o governo – e se comprometeu a investir outros R$ 2,6 bilhões. Saiu caro – a segunda colocada no leilão ofereceu R$ 500 milhões a menos – mas executivos da vencedora garantiram que fizeram a conta certa. O teste principal agora é ver se o processo rola normalmente ou se haverá judicialização. A ver.

Mas as, digamos, grandes questões nacionais estão emperradas. A proposta para a Rede Cidadã é ridícula. O governo pretende dar o calote em dívidas – registradas nos precatórios – para financiar um Bolsa Família ampliado. Reparem, o precatório já é resultado de algum calote. O governo deixou de pagar adequadamente alguém – um pensionista do INSS, por exemplo, ou o dono de um imóvel desapropriado. O cidadão tungado reclamou primeiro nas instâncias administrativas e depois na Justiça. Ganhou e a sentença determina que o governo pague determinada quantia. A Justiça expede uma carta precatória e o governo fica oficialmente declarado devedor. O dinheiro para isso tem que entrar no orçamento.

São anos e anos nesse processo. E quando chega ao final, não raro beneficiando herdeiros do primeiro demandante, surge uma proposta do governo e sua base parlamentar dizendo que vão pagar só uma parte. Ou seja, dar o calote na outra parte. Para o ano que vem, o projeto de orçamento reservava R$ 55 bilhões para precatórios. Se o governo pegar R$ 20 bilhões para o Renda Cidadã, esse valor não desaparece, mas passa para o ano seguinte, quando entram novos precatórios. Obviamente, a dívida aumenta eternamente.

Também não faz o menor sentido tirar dinheiro do Fundeb (que financia ensino fundamental e médio). Dizem os defensores da proposta: as prefeituras já estão gastando o dinheiro dos precatórios; a verba do Fundeb fura teto. E daí? 
Um crime, uma infração, um erro, isso dá direito a que outros repitam a mesma conduta equivocada?

E assim vai: o ministro Guedes diz que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que é privatista, fez um acordo com as esquerdas para barrar as privatizações. Maia diz que Guedes está “desequilibrado” isso mesmo – e reclama que o ministro interditou a tramitação da reforma tributária. Ocorre que o ministro quer porque quer a CPMF – imposto que dá muito dinheiro e para cuja arrecadação a Receita Federal não faz nada. A cada pagamento, o banco tira dinheiro da nossa conta e deposita na do governo.

Mas não há votos para aprovar a CPMF no Congresso, além das restrições da sociedade e dos meios econômicos. Resultado: paralisa a reforma tributária, para a qual há boas propostas já tramitando no Congresso, com razoável grau de viabilidade. Também está enrolada a desoneração da folha de pagamentos de empresas. O Congresso prorrogou a desoneração para 17 setores até o final de 2021. O presidente Bolsonaro, a pedido do Ministério da Economia, vetou, mas dizendo que se fosse parlamentar votaria pela derrubada do veto. [o presidente ao vetar, fez o que seu ministro considera melhor - do ponto de vista do Executivo.
Só que considerou conveniente registrar sua posição quando parlamentar - transferiu o ônus final para o Congresso = chega do presidente ficar com o ônus e o Congresso desfrutar o bônus.]
Guedes propõe uma desoneração mais ampla, para todas as empresas, o que seria bom, mas financiada pela CPMF, que é ruim.

Tudo considerado, há algumas coisas boas acontecendo – como o leilão de saneamento, a concessão de terminais portuários, vendas da Petrobras, a criação de vagas formais de trabalho. Mas como as grandes questões não andam – reformas tributária e administrativa, grandes privatizações, desoneração, Renda Cidadã – a economia não decola, por falta de segurança e confiança.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista




terça-feira, 29 de setembro de 2020

Calote e desvio de finalidade - Nas entrelinhas

Bolsonaro e Guedes negociaram a proposta de Renda Cidadã com líderes do governo no Congresso, mas ainda não existe maioria no Senado nem na Câmara para sua  aprovação

A proposta de Renda Cidadã, anunciada ontem pelo governo, não teve boa aceitação no Congresso, nem no mercado financeiro. O projeto foi embarcado na chamada PEC Emergencial pelo seu relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), com o propósito de obter de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões a mais que os recursos destinados ao Bolsa Família, que será extinto pelo presidente Jair Bolsonaro porque é a cara do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A intenção do governo é conceder um auxilio de até R$ 300 para cada beneficiado, ampliando a base do programa para um número maior de pessoas, mas esses recursos não estão disponíveis no Orçamento da União de 2021.

[sendo óbvio: o dilema é cruel, e precisa ser resolvido.

Sendo um estadista, o nosso presidente tem preocupação com os mais desfavorecidos e que sofreram, devido a pandemia, um agravamento das privações que os martirizam.

Alguma coisa precisa ser feita. Recriar a CPMF, um imposto amaldiçoado desde seu nascimento, execrado pela população, detonado pelo Confresa em 2007, será prejuízo para os brasileiros em geral - especialmente para a parcela mais pobre da população;

Encontrar uma saída legal para quebrar o 'teto de gastos' não é a solução.

Deixar que milhões e milhões que já padecem as agruras da necessidade, tenham sua situação agravada?

Com a palavras os políticos. Já que não são considerados de grande valia - motivos não faltam para tanto - provem que são capazes de alguma coisa de útil para os seus patrões = o POVO - o voto de um desassistido tem o mesmo valor de um parlamentar, de um magistrado, etc.

Indiscutível que a 'grande aposta' do Guedes, significará o fim da carreira política do presidente Bolsonaro.]

Os parlamentares são a favor da transferência de renda para as parcelas mais carentes da população, mas não quanto à origem dos recursos, que muitos interpretam como uma maneira de burlar o teto de gastos (o aumento das despesas do governo não pode ultrapassar a taxa de inflação) e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse dinheiro sairia dos recursos destinados aos precatórios, que são as dívidas judiciais do governo já transitadas em julgado, uma espécie de calote temporário, e de uma parcela do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que levaria uma mordida de 5%, a pretexto de que o dinheiro seria vinculado à obrigação de as crianças das famílias beneficiadas frequentarem a escola.

Segundo Bittar, o valor do benefício ainda não foi fixado, devendo ficar entre R$ 200 e R$ 300 (o Bolsa Família chega até R$ 205 para cinco beneficiados). Especialistas em contas públicas avaliam que a proposta adia indefinidamente o pagamento de dívidas da União, além de mascarar a ultrapassagem do teto de gastos ao destinar recursos do Fundeb para o Renda Cidadã, o que muitos interpretam como um desvio de finalidade. A reação do mercado foi péssima: a Bovespa desabou e o Banco Central (BC) teve de vender dólares para evitar que subisse muito.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes negociaram a proposta com Bittar e os líderes do governo no Congresso, mas ainda não existe massa crítica no Senado nem na Câmara para aprovação do novo programa. A construção dessa maioria não será fácil, mas não é impossível, porque muitos parlamentares, nas duas Casas, defendem uma  política de transferência de renda para as pessoas que ficaram desempregadas ou sem seus pequenos negócios durante a pandemia. Entretanto, aprovar um calote nos precatórios e tirar recursos do Fundeb é outra história. Os lobbies dos advogados e da Educação são muito ativos e fortes. A inclusão da proposta na PEC Emergencial dificulta muito a aprovação, porque exige quórum elevado, mas, em contrapartida, reduz as possibilidades de judicialização do Renda Cidadã.

Novo imposto
A grande questão é que o governo está sendo pressionado pela recessão a adotar medidas que compensem o desemprego, que deverá chegar a 18% da População Economicamente Ativa (PEA). A prorrogação do auxílio emergencial, até dezembro, no valor de R$ 300, mitigou a recessão e o desemprego, mas é preciso pôr alguma coisa no lugar a partir de janeiro.

A grande aposta de Guedes para viabilizar o programa continua sendo a reforma tributária, na qual pretende criar um imposto digital, que está sendo chamado de nova CPMF, a pretexto de compensar a desoneração da folha de pagamentos. Ocorre que o Congresso não é nada simpático à criação de um novo imposto às vésperas das eleições municipais. Bittar anunciou também a criação de gatilhos para manter o teto de gastos e a redução em até 25% dos salários dos servidores. As duas propostas também terão dificuldades para aprovação, mas o Palácio do Planalto está mais confiante na capacidade de articulação de seus líderes no Congresso e na força do chamado Centrão.

Rachadinha
O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou, ontem, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seu ex-assessor parlamentar na Assembleia Legislativa fluminense, Fabrício Queiroz, por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, no esquema de rachadinha no seu gabinete na Alerj. Com isso, a vida do filho mais velho do presidente da República ficará mais complicada. [ainda que a denúncia seja aceita - a aceitação depende apenas do entendimento do juiz, não representa ainda uma sentença - continuam faltando provas (ilações e vontade de que indícios se tornem provas - sua excelência o fato - conforme dizia famoso político.] O maior desconforto de Bolsonaro, porém, é com o envolvimento no caso da primeira-dama, Michelle, em razão de um depósito em sua conta bancária efetuado por Queiroz.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense