Com [indicação] novo ministro, Bolsonaro prova do ódio [sic] bolsonarista
Indicação de juiz ligado ao Centrão desencadeia fúrias nas redes sociais. O principal fato político em curso é a tentativa do presidente Jair Bolsonaro em conter o ódio dos seus próprios seguidores nas redes sociais. Desde quinta, 1º, quando foi divulgada a indicação do desembargador piauiense Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente tem sido atacado sem piedade por antigos apoiadores que consideram o indicado um preposto do Centrão e sem compromissos cristãos. Bolsonaro e os filhos Eduardo e Carlos já gravaram vídeos, postaram tuítes e deram entrevistas para tentar reverter a avalanche de ofensas e críticas. Até agora, sem sucesso.Os ataques dos bolsonaristas ao seu líder se intensificaram no domingo, 4, depois que foi divulgado um vídeo de 20 segundos com o abraço efusivo de Bolsonaro e o ministro do STF Dias Toffoli. Ex-advogado do Partido dos Trabalhadores, ex-assessor de José Dirceu, ex-Advogado Geral da União na gestão Lula. Toffoli é um dos símbolo de tudo o que os bolsonaristas rejeitam. O abraço no antigo inimigo foi tomado como uma traição.
“O PT, toda esquerda, o Centrão, os corruptos e todos os que são contra a Lava-Jato agradecem a nomeação de Bolsonaro para o STF”, escreveu o pastor Silas Malafaia, um dos principais cabos eleitorais de Bolsonaro em 2018. “Eu queria um abraço como o Toffoli teve. Não reconheço Bolsonaro, o homem que eu decidi entregar meu destino e vida para proteger um legado conservador”, escreveu a militante de extrema direita, Sara Giromini, investigada por terrorismo contra o STF quando o presidente estava rompido com a Corte.
O tom dos ataques nas redes é de um desapontamento agressivo. O movimento Vem Pra Rua, que apoiou Bolsonaro nas eleições em 2018, impulsionou um vídeo que lamenta a escolha de Kassio Nunes Marques e o acusa de tomar decisões que lembram os governos do PT. “Agora é oficial: o mito virou mico. #BolsonaroPetista”. O empresário Winston Ling, um dos primeiros a apoiar Bolsonaro e que o apresentou a Paulo Guedes, escreveu: “Hora de desembarcar. Acabou. Um erro desta envergadura não se faz por acaso”. Até os produtores de alho começaram a atacar a indicação de Nunes Marques por sentenças no passado liberando importação do bulbo da China em detrimento dos agricultores locais.
Acatar um nome do Centrão ajuda a solidificar a relação de Bolsonaro com a principal base parlamentar do Congresso, mas tem o preço de desagradar os eleitores que (a) ainda acreditam que Bolsonaro tem uma agenda anticorrupção; e (b) esperavam que o indicado fosse um evangélico, como Bolsonaro ainda promete fazer. “Os eleitores de Bolsonaro queriam o impeachment dos Ministros Gilmar e Toffoli e, de repente, o Presidente define o nome do próximo Ministro em jantar com Gilmar e Toffoli! Para piorar, a indicação veio de seu ex-advogado, recentemente denunciado, com forte apoio de seu filho, atolado até o pescoço em investigações. Eu não sou do tipo que tapa o sol com a peneira. O lado bom disso é que ainda temos 2 anos para encontrar uma alternativa! #BolsonaroPetista”, escreveu a deputado estadual Janaína Paschoal, que por pouco não foi a candidata à vice de Bolsonaro.
Desde quinta-feira à noite, Bolsonaro tenta consertar o mal-estar. Ele já garantiu que Nunes Marques “é contra o aborto, a favor do porte de armas e defende a família (ou seja, considera o casamento apenas entre homem e mulher). Resumindo, ele está 100% alinhado comigo, por isso a ferrenha campanha para desconstruí-lo”, escreveu. O presidente voltou a prometer que seu próximo indicado será “terrivelmente evangélico” e tentou ser razoável com os que o acusam de conversar com ex-petistas. É irônico assistir o presidente sendo a voz plausível em um diálogo com seus militantes: Sobre a relação de Nunes com os governos petistas, Bolsonaro tentou justificar: “Você sabe quantos ministros e secretários meus já trabalharam nos governos do PT? Você acha que eu deveria demitir o Tarcísio?”, em referência ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que foi diretor do DNIT no governo Dilma Rousseff.
Sobre a visita a Toffoli, escreveu: “Preciso governar. Converso com todos em Brasília”. · Sobre o fato de o indicado não ter impedido uma licitação para compra de lagostas e vinhos franceses para as recepções no STF, o presidente disse “não tem nada demais comer lagosta. Nada demais. Qual o problema comer lagosta?” [comer lagosta adquirida com recursos do comensal, nada contra; dificil de engolir, sem trocadilho, é ver marajás comer lagostas pagas com dinheiro público.]
A chamada “farra da lagosta” é apenas parte dos problemas encontrados pelos bolsonaristas contra Nunes Marques. “Ele não é favorável à prisão em segunda instância, não é contrário ao aborto, é simpático ao chavismo e sua esposa já foi funcionária de senadores do PT, motivos pelos quais sua indicação frustrou a ala mais radical do bolsonarismo e indignou os apoiadores da operação Lava Jato”, escreveu na Folha de S. Paulo Catarina Rochamonte, do Instituto Liberal.
Em socorro do pai, Eduardo Bolsonaro postou no twitter: “confiem no presidente”, sob um texto no qual se dizia que se dependesse dos militantes “Janaína Paschoal seria vice, Sergio Moro ministro do STF e Deltan Dallagnol procurador geral”. A resposta veio daquele que é chamado de guru pelo próprio Eduardo, o youtuber Olavo de Carvalho. No Twitter, Carvalho escreveu: “Se um governante pede que o povo confie nele sem saber as razões e intenções dos seus atos, o que ele está pedindo é confiança cega, que nem Deus pede. Que ele faça isso uma ou duas vezes, já é um risco temível, que o faça dezenas de vezes é desafiar a sorte, é suicídio. Presidente: Gostamos de você e entendemos as suas dificuldades, mas, por favor, pare de chamar de estratégia o que é mera acomodação forçada a poderes superiores. Em Deus devemos confiar mesmo quando Ele parece nos abandonar, mas NENHUM homem tem o direito de pedir que confiem nele a esse ponto”
Nesta segunda-feira completam 5 dias com Bolsonaro apanhando dos próprios militantes. Nem no episódio da prisão de Fabrício Queiroz, em julho, isso aconteceu. Na nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria Geral houve muitos protestos, mas eles foram em parte reduzidos pela expectativa de parte da militância de que o então ministro Sergio Moro seria indicado ministro do STF. Hoje Moro é considerado um inimigo.
Bolsonaro repetiu várias vezes que a decisão sobre Nunes Marques é final, mas o caminho até a nomeação é longo. A indicação só começa a transitar no Senado no dia 14 de outubro, depois da aposentadoria do ministro Celso de Mello. A votação é secreta e a aprovação precisa de 41 votos, maioria absoluta dos parlamentares. Os senadores serão pressionados pelas hordas bolsonaristas a recusar o nome. Com a eleição municipal, o quórum será baixo e são escassas as chances de o nome de ser nomeado antes do final de novembro. Serão semanas de chuvas de canivete sobre Bolsonaro e seu indicado para ministro do STF.
[Presidente Bolsonaro! ainda que o Senado aprove o nome o senhor tem a opção de não nomear - o aprovado só se torna ministro do Supremo após a posse.
O senhor sabe que tem um nome que será aprovado pelo Senado e por todos os bolsonaristas, incluindo os de primeira hora].
Thomas Traumann, jornalista - Blog da Revista VEJA
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