Coluna publicada em O Globo - Economia 8 de outubro de 2020
Entre as diversas ideias de jerico propostas para financiar o programa Renda Cidadã, apareceu mais uma nesta semana: a de eliminar a dedução de 20% aplicável aos contribuintes do IR que declaram pelo formulário simples. Nesse caso, o contribuinte abre mão de descontar os gastos com saúde e educação, que são, digamos, os mais vantajosos para os que podem pagar escola, médicos e hospitais no particular.
Inversamente, quem escolhe a declaração simplificada está nas faixas mais baixas de renda, usa o SUS e coloca as crianças em escolas públicas. Ou seja, cortar o desconto de 20% na declaração simples é favorecer os mais ricos e tomar dinheiro dos mais pobres. É evidente que tem de ser o contrário. Acompanhem estes números: neste ano, ficou isento de pagar IR quem ganhou abaixo de R$ 28.559 em 2019. O presidente Bolsonaro prometeu várias vezes aumentar a faixa de isenção, primeiro para R$ 4.700 e depois para R$ 3.000. Deixou para lá. A faixa não foi sequer corrigida pela inflação. [nessa 'omissão' o presidente Bolsonaro está inocente = corrigir tabela de IR, aumentando a faixa de isenção, em um ano de pandemia seria um complicador a mais. Quem deve ir para o troncos são os três antecessores do presidente, que se omitiram vergonhosamente].
Agora, comparem: o teto salarial do funcionalismo é de R$ 39,2 mil por mês – dez mil acima da faixa de isenção de IR para ganhos anuais. Tem mais: o teto do funcionalismo simplesmente não é respeitado. A combinação dos auxílios moradia, educação, transporte e alimentação – que variam de setor para setor e entre Estados – mais tempo de serviço, participação em conselhos de estatais, venda de férias e acumulação com aposentadorias, milhares de funcionários recebem muito mais que o teto. Dizem que o teto é só o salário. O resto é direito adquirido e/ou vantagem pessoal, fura-teto, portanto.
Assim, o contracheque pode passar de R$ 200 mil mensais. Vencimentos entre 50 e 60 mil são até comuns em determinadas categorias, especialmente no Judiciário. [destaque-se: nos contracheques dos MEMBROS do Poder Judiciário, dos MEMBROS do Ministério Público e nos MEMBROS do Poder Legislativo.]
Sem contar alguns absurdos que nem custam tanto, mas são de espantar: funcionários em trabalho remoto recebendo auxílio …. transporte. Não é simples calcular o custo desses benefícios pelo país todo, mas o corte de parte dos auxílios para funcionários que, digamos, ganhem acima de R$ 5 mil mensais e mais imposição rigorosa do teto de R$ 39,2 mil chegariam fácil ao valor anual do atual Renda Família (R$ 30 bilhões). [quem quiser ter uma ideia das dificuldades, melhor dizendo, impossibilidades de fazer respeitar o teto de R$ 39,2 mil, clique aqui.] Para os do topo, seria um “sacrifício” razoável de se pedir. No Brasil, quem ganha R$ 30 mil/mês está no grupo do 1% mais rico. Segundo um estudo do Instituto Millenium, o salário médio dos funcionários do Legislativo federal com curso superior está justamente em torno desses 30 mil. Reparem, é salário médio.
Grosso modo, a despesa do governo federal prevista para o ano que vem é de R$ 1,5 trilhão. Parece muito, é muito, mas mal dividida. Cerca de 80% disso, ou R$ 1,2 tri vão para aposentadorias, pensões e salários. Dos R$ 330 bi que sobram, R$ 200 bi vão para outras despesas obrigatórias, especialmente com saúde e educação. Sobram R$ 100 bi para o Congresso e o governo distribuírem para despesas de custeio e investimento. [qual a sugestão? - tendo em conta que saúde e educação precisam de mais recursos ou, na pior das hipóteses, deixar como está; despesas inúteis ou postergáveis (tipo Fundos Eleitoral e Partidário ou acabar com esse gasto com eleições a cada dois anos = realizando uma só a cada quatro anos) - não aceitam mexer.
Se adiar por um ano uma das despesas citadas e a outra por dois anos, teremos pelo menos 1/3 dos R$ 30 bilhões do Renda Cidadã.
Eliminar os salários obrigando os funcionários públicos a trabalharem de graça é impossível; eliminar as despesas com aposentadorias e pensões - eliminando os beneficiários = é crime.]
Nessa conta, é impossível arranjar o dinheiro para engordar o Bolsa Família. Só restam dois caminhos, aumento de imposto (a tal CPMF digital) ou o corte de gastos na folha dos funcionários de nível mais alto. [A CPMF não passa - caso passe o presidente Bolsonaro estará encerrando sua carreira política - e cortar gastos na filha dos funcionários mais altos é mexer com MEMBROS, vai complicar, não vai dar certo e o apurado - caso consigam - será insuficiente].
Sim, porque há uma enorme desigualdade dentro do setor público. Há professores do ensino fundamental, com curso superior, ganhando R$ 3,3 mil mensais, pouco mais da metade da média de R$ 6 mil dos servidores federais com nível médio. Olhando os números, dá para saber onde cortar, com justiça.
Reparem: a tese não tinha nada a ver com sua função de ministro da Defesa e sua atuação política. Mas ele teve que renunciar. É uma questão moral óbvia. A pessoa, qualquer pessoa, não pode copiar teses, nem inventar currículos.
[presidente Bolsonaro, uma indicação errada, desde que anulada, cai no pacote do 'errar é humano, permanecer no erro é diabólico'.
Só que manter a indicação é permanecer no erro - cabe ao senhor escolher].
Simples assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário