Sérgio Alves de Oliveira
Penso que os malfeitos políticos e governamentais atribuídos com razão pelo atual governo e seus apoiadores contra a esquerda, que se apossou do poder político do Brasil de 1985 até 2018, não significa receber “carta branca” para cometer outros malfeitos livres de censura.
Mas de modo geral a grande mídia “tupiniquim” radicalizou. Quem criticar o atual governo, tem que elogiar o PT e seus comparsas; e, se elogiar o governo, é a esquerda que deverá levar “pau”. Sempre vai haver uma brecha para criticar, pela mídia, desde que elogie o adversário”. Nei Matogrosso “canta” situação parecida: “Se correr o bicho pega,se ficar o bicho come”.
Resumindo o problema: sábado e domingo, dias 9 e 10 de janeiro corrente, no forte calor do verão no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, no Balneário de Capão da Canoa, observei distante alguns quilômetros da costa um barco pesqueiro aparentemente de grande porte “trabalhando”, possivelmente em pesca de “arrastão”,o que causou surpresa a todos, não só porque há muito tempo não se via esse tipo de pesca no local, mas também porque havia uma lei estadual (Lei 15.223/18-RS), aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa Estadual,proibindo a pesca de arrasto em todo o litoral do Estado, incluindo a faixa marítima costeira de 12 milhas náuticas. Essa lei foi aprovada após ampla discussão com pescadores,pesquisadores e a sociedade civil gaúcha, direta ou indiretamente interessada.
Surpreso, fui investigar o que estava havendo. Aí tomei ciência da grande “maracutaia” praticada nos altos escalões do poder em Brasília, envolvendo direito de pesca “predatória”. Para isso me socorri principalmente de matéria publicada na Revista “Consultor Jurídico”-Conjur,edição de 09.01,21,que narra com detalhes toda a “bandalheira” havida. E julguei que essas preciosas informações não deveriam ficar adstritas aos operadores do direito, principais usuários dessa revista.Deveria ser “ampliada”.
O fato: o “tal” Partido Liberal ingressou no STF com uma ação direta de inconstitucionalidade - ADIN, contra a citada lei estadual do RS, cujo pedido de “liminar” foi negado pelo então Ministro Celso de Mello, que entendeu terem os estados competência para legislar concorrentemente com a União sobre questões do meio ambiente. Num inusitado “pedido de reconsideração” da negativa dessa liminar, o Ministro substituto de Celso de Mello, o recém empossado Ministro Nunes Marques, nomeado por Bolsonaro,deu um “canetaço”, deferindo a liminar,quando isso não poderia, porquanto já seria da competência do juízo colegiado.
Cumpre observar que tal “rede de arrasto” percorre o fundo do mar e tem malhas muito pequenas, capturando não só a pesca desejada, porém tudo que está pela frente,geralmente descartada já sem vida. Calcula-se que para cada um quilo de camarão pescado, 9 quilos de outros peixes são devolvidos sem vida ao mar. E o que vai “sobrar”, então, para os pequenos pescadores,os “artesanais”, na pesca mais costeira?
O absurdo argumento do Ministro Nunes Marques para conceder essa liminar foi o de que que havia uma antiga “portaria” (Nº 26/83), da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, cujo artigo 2º proíbe a pesca com redes de arrasto a menos de 3 milhas náuticas da costa. Portanto, além dessa “fronteira” ( de 3 milhas náuticas), até o limite de 12 milhas náuticas (12 MN), esse tipo de pesca predatória seria permitida livremente.
“Sua Excelência”, o “sinistro” Ministro, recém nomeado por Bolsonaro, simplesmente “mijou” na lei estadual do RS e na competência concorrente do Estado para legislar sobre meio ambiente. E com um detalhe: para o Ministro, uma simples “portaria” federal, que não passa de um ato administrativo ordinatório ,muito “ordinário”, de “5ª grandeza”, vale muito mais que uma lei estadual, aprovada após longa discussão com a sociedade gaúcha. Que autonomia dos estados é essa, Senhor Ministro? Em que “federação” Vossa Excelência vive?
Segundo o Ministro,”por esse ângulo,a lei estadual do Rio Grande do Sul acabou por gerar impactos em outro Estado da federação (= Santa Catarina),ao extrapolar seus limites territoriais de competência legislativa”. Mas o que é isso Ministro? A lei estadual do RS não se referiu nem “invadiu” o mar territorial de Santa Catarina !!!
Mas o pior de tudo é que numa das suas “lives” das 5ª feiras,o Presidente Bolsonaro comemorou a decisão do “seu” Ministro Nunes Marques: “Parabéns ao nosso Ministro Kassio Nunes por essa feliz liminar.Um abraço a todos,vamos pescar aí, pessoal,”(fonte: revista Piauí).
“Coincidentemente”, a liminar de Nunes Marques favorece pessoalmente o Secretário de Agricultura e Pesca, do Ministério da Agricultura, Jorge Seif Jr, cuja família é dona de uma grande frota de embarcações de pesca industrial em Itajaí/SC. Deve ter sido dessa frota o barco pesqueiro de arrasto que enxerguei no último fim de semana no mar territorial em Capão da Canoa, provavelmente “além” das 3 milhas náuticas.
Moral da história: ”o primeiro requisito moral que se deve ter para denunciar malfeitos de outros é não proceder igual”
Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo
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