Projetos em tramitação na Câmara promovem reorganizações estruturais e, na visão de analistas, enfraquecem mecanismos de controle
Especialistas em segurança pública ouvidos pelo GLOBO criticaram os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que reorganizam a estrutura das polícias estaduais, em especial a Polícia Militar. Para eles, a proposta é corporativista e perigosa, porque, ao dar muita autonomia, diminui o controle sobre as corporações. O projeto limita, por exemplo, os poderes do governador para nomear e demitir o comandante da PM. Para os estudiosos do tema, os projetos atendem tanto aos interesses corporativistas policiais, como aos do governo do presidente Jair Bolsonaro. — Vejo com muita preocupação. Na democracia, as polícias têm que passar pelo controle da política, no bom sentido do termo. Não podem ser autônomas, gerir a si próprias. Têm que estar de alguma maneira monitoradas pelos governadores. Isso é bom para a democracia — afirmou Luís Flávio Sapori, coordenador do Centro de Estudos de Segurança Pública da PUC-Minas.
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— É um projeto perigoso. Autonomia demais de uma força policial armada é sempre ruim. Valorizar as polícias, pensar carreiras, evitar politização, isso sim é saudável, mas não dando autonomia sem nenhum controle e supervisão — avaliou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Foto: Fabiano Rocha - Agência O Globo
Lima destacou a necessidade de uma lei orgânica para a polícia, já que a legislação atual é da época da ditadura. Mas isso não pode ser usado para emplacar retrocessos nem para promover uma “blindagem institucional” da polícia. Ele ressaltou que, no passado, após a Revolução Constitucionalista, que opôs São Paulo ao restante do país, foi promovido um enfraquecimento das polícias estaduais frente às Forças Armadas, tendo como princípio a indivisibilidade do território nacional. O projeto, em sua avaliação, vai na linha oposta.
No projeto que trata da Polícia Militar, quem diz o que pode e que não pode é o conselho da própria polícia. Ou seja, as polícias ficam mais poderosas que as próprias Forças Armadas na determinação de suas ações e estratégias. É bastante preocupante, porque acho que pouca gente notou, os governadores não colocaram no radar que eles vão virar meros gestores de pagamento — disse Lima, destacando que as Forças Armadas precisam prestar contas ao Congresso.
Sapori apontou mais alguns problemas, como o foco numa estrutura militar nos moldes das Forças Armadas, em vez de se centrar no policiamento, e a integração das polícias ao governo federal. Um dos artigos do texto do relator do projeto, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), prevê a criação do Conselho Nacional de Comandantes Gerais de Polícia Militar (CNCGPM) e do Conselho Nacional de Comandantes Gerais de Bombeiros Militares (CNCGBM), com assento e representação no Ministério da Defesa e no Ministério da Justiça. — Na medida em que autonomiza, você dá vazão a interesses corporativos e, mais do que isso, está fortalecendo uma autoridade federal sobre as polícias, porque passam a constituir estrutura do Ministério da Defesa, através dos seus conselhos. E me parece que isso atende muito aos interesses do governo Bolsonaro, porque aumenta a possibilidade alinhamento político e ideológico das Polícias Militares — afirmou Sapori.
'Ganha-ganha'Lima destacou que o projeto traz ganhos mútuos para policiais e para Bolsonaro, tendo sido negociado nos bastidores por integrantes do governo.— É um "ganha-ganha", tanto da parte dos policiais, porque conseguiriam aprovar uma blindagem institucional, que garantiria privilégios bastante significativos, e por outro lado, no governo Bolsonaro, ele conseguiria consolidar um certo controle de corações e mentes. Com isso ele consolidaria uma série de esforços de cooptação dos policiais para sua base eleitoral — disse Lima.
Brasil - O Globo
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