Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o Brasil, desde a Constituição
de 1988, vive o mais longo período de estabilidade política de sua
história republicana.
Como
assim? Estabilidade política é mercadoria inexistente nas prateleiras
dos últimos 131 anos de nossa história!
A crise tem sido companheira
cotidiana de gerações de brasileiros. Acompanha-nos no trabalho e não
nos dá folga no lazer. Participa do nosso almoço, do nosso jantar, deita
conosco e nos perturba o sono. Um bom compêndio de História da
República será, forçosamente, uma descrição de nossas instabilidades e a
visão do passado como roteiro para um futuro incerto.
Escrevi, outro dia, que as crises se sucedem numa cadência à qual nos
adaptamos. Equilibrismo treinado em terremoto.
Talvez seja isso que leva
o referido ministro a considerar estável um período durante o qual
ocorreram dois impeachments presidenciais. Período como o atual, em que política, nos poderes de Estado e na mídia militante, é a arte de gerar crises e desestabilizar o governo.
Não
deixa de ser interessante observar o modo obstinado como, na democracia
estável do ministro Alexandre, os poderes mostram os dentes contra quem
os critica. A moda, agora, é prender a divergência lançando mão de
releituras fofas da Lei de Segurança Nacional.
A LSN se tornou fofa a
ponto de lembrar aquelas almofadas a que as crianças pequenas se agarram
durante a noite. A Ordem Política e Social não era tão referida desde
os tempos do DOPS. [por favor: sejamos cautelosos;
gostar do AI-5 não é crime, mas os que acalentam esse gosto correm risco de serem presos por, digamos, infração à Lei de Segurança Nacional - já esta, seus eventuais críticos podem ser punidos, sob o sólido argumento de que criticar uma lei que protege a segurança nacional, tem que ser crime contra a SEGURANÇA NACIONAL.]
Claro, tudo é feito em nome da solene defesa das instituições
democráticas. Trata-se, não obstante, de uma colagem a cuspe do
substantivo instituições com o adjetivo democráticas.
Essa colagem autoriza uma atuação não democrática, impositiva e
contraditória à vontade expressa nas urnas. Tudo sob a alegação vazia de
estarem ameaçadas por um presidente supostamente perigoso, autoritário,
pronto para dar um bote, mesmo que não se vislumbre quando, como, nem
com quem.
Instituições inerentes à democracia, sim. Aderentes a ela, não!
Afirmam-no, mas não o demonstram. São contestados pelos fatos. Os
denominados atos antidemocráticos encontram exemplos fartos nas próprias
instituições!
O Supremo ultrapassa a linha amarela quando invade
competências dos outros poderes, quando constitucionaliza seu querer e
seu não querer, e quando rejeita com o fígado algo tão essencial à
democracia quanto o resultado das urnas de 2018.
Transpõem a linha
amarela os congressistas sem voto no plenário que recorrem à sorority ideológica
do outro lado da praça para obter da caneta de qualquer um o que não
conseguiram no plenário de todos. Em tempos vistos pelo ministro
Alexandre como de estabilidade institucional, parlamentares pensam leis
de autoproteção, que os amarrem às próprias cadeiras para não serem
presos!
Mas
essas, leitor amigo, são as crises de hoje. O dólar sobe, o freio da
economia entra no automático, o vírus não respeita os profetas de
ocasião. O modelo institucional que produz tais realidades de nosso
cotidiano, porém, resiste a tudo e a todos. O ministro Alexandre
denomina “estabilidade democrática” a cristalização dessa maçaroca
política que já leva 131 anos dando errado. E segue contando.
Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org
Percival Puggina (76), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto,
empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais
(Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e
Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE.
Integrante do grupo Pensar+.
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