Enquanto
alguns aplaudiam a manifestação de Arthur Lira na sessão de ontem
(27/10) da Câmara dos Deputados, reprovando o indiciamento de seis
deputados pela CPI barraqueira, eu pensava: “Aí está a Casa a fazer o
que melhor faz, ou seja, cuidar dos seus”.
A CPI, o STF,
o TSE, o Congresso podem reservar para si e seus membros a liberdade de
opinião. E podem inibir, silenciar e punir aqueles cujos ditos os
desagradem, contanto que sejam plebeus, populacho, massa ignara. Como
Mateus, Artur Lira cuida dos seus, e estes, cada um à sua vez, salvo
nobres exceções, cuidam de si mesmos.
Arthur Lira,
aliás, conduziu à Casa ao absurdo voto que sacramentou a prisão do
incômodo deputado Daniel Silveira. Se me havia surpreendido o
descontrole verbal do parlamentar, muito mais me escandalizou a
aquiescência da ampla maioria da Câmara à insólita decisão do pleno do
STF.
Excessos verbais podem ser sancionados pelas normas regimentais do
próprio parlamento, mas excessos processuais são insanáveis!
E é isso
que vejo acontecer à sombra dos inquéritos finis mundi abertos e
reabertos no Supremo.
Não sei se
foi o fantasma do deputado preso que apareceu diante de Arthur Lira e o
inspirou a promover a acalorada defesa da imunidade parlamentar. Sei é
que a presença de seis deputados federais no listão de Renan Calheiros
ouriçou os brios do presidente da Casa. Por que seis deputados e nenhum
senador, já que o senador incluído foi, depois, removido por pressão de
Rodrigo Pacheco? [Prezado Puggina, a probidade dos senadores é indiscutível, tanto que a CPI barraqueira esteve sob o comando de três senadores da República, cujos nomes dispensam apresentação: Aziz, Calheiros e Rodrigues. Se distinguiram tanto como 'donos' do Circo Parlamentar de Inquérito na condição de inquisidores mor.
Não esqueçamos que entre os senadores pitaqueiros também estavam um petista conhecido por 'drácula' e um senador pioneiro no uso de algemas, o Barbalho.]
***
Aqui, de onde
vejo tudo isso, não consigo esquecer a opinião irônica de um amigo para
quem liberdade é coisa ótima, o que incomoda é a sua prática. Ou o que,
na voz de tantos pensadores, diz ser a liberdade de opinião um direito à
discordância. Para que te seja possível dizer o que o Estado quer ouvir
não é preciso afirmar na Constituição que tens o direito de opinar.
Enquanto
escrevo estas linhas, ouço o voto do ministro Roberto Barroso encerrando
a decisão unânime do TSE no julgamento de ação movida contra a chapa
Bolsonaro-Mourão. O ministro usou a maior parte do tempo para combater o
mau uso das redes sociais, segundo ele uma exclusividade da
ultradireita que se apossou dos conservadores e as utiliza para um
discurso de ódio.
Ora,
ministro, e o que é dito pela esquerda ao presidente da República, não
apenas nas redes sociais, mas nos dos grandes veículos, o dia inteiro?
O
senhor vê, ali, críticas amáveis, polidas, despidas de animosidade?
Essa animosidade não transparece, tantas vezes, nas próprias
manifestações de membros de sua Corte?
Não há, nisso tudo, discurso de
ódio?
Arthur Lira
não foi convincente na defesa que fez da liberdade de opinião. O
ministro Roberto Barroso revelou uma visão unilateral da política que
temos e tangenciou uma ideia de censura. A mim, por fim, parece
impossível pedir-se às redes sociais uma dialética acadêmica onde os
sentimentos pessoais fiquem do lado de fora.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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