Da política brasileira, em geral, pode se esperar tudo, e do Senado, em particular, não se deve esperar nada
Qual a surpresa? O relator da CPI, Renan Calheiros, é possivelmente o cidadão mais enrolado com o Código Penal Brasileiro que habita neste momento o Congresso Nacional — nove processos no lombo por corrupção estilo-livre, ou todos-os-estilos, fora 20 anos de frequência à seção policial mais pesada do noticiário político. O presidente é outra piada sinistra: vem do Amazonas, o Estado onde mais se roubou dinheiro público destinado ao combate da covid. (Num certo momento faltou oxigênio em Manaus, uma responsabilidade direta e elementar das autoridades locais; meteu-se a mão em tudo, por ali.)
O fato é que as duas figuras centrais da CPI, Renan e Omar, foram transformadas de abril para cá, por decisão da mídia, em dois dos mais notáveis patriotas que a República já produziu em seus 132 anos de existência. Como entender um negócio desses? Com outros personagens, quem sabe — mas com esses dois aí? Tudo bem: a imprensa brasileira sofre, já há anos, de uma síndrome que não tem cura — o ódio a Jair Bolsonaro, que é tratado como se fosse o ser humano mais calamitoso que já apareceu neste mundo desde o nascimento de Caim. É irracional, envolve questões de descompensação psíquica e, mais do que tudo, produz um subjornalismo de teor cada vez mais baixo — mas o que se vai fazer? A vida das paixões leva mesmo a esses territórios escuros, e o público já se acostumou à mídia que tem. O extraordinário, no caso, é o apagão geral da imprensa quanto aos dois gestores da CPI — uma espécie de “queda no sistema” que responde pela estabilidade básica da atividade mental das pessoas. Como é possível alguém ser jornalista profissional e, ao mesmo tempo, ser capaz de passar seis meses inteiros de CPI sem dizer, uma única vez, quem são — do ponto de vista penal — o seu relator e o seu presidente? Aí já é mais do que militância política; é desvario.
Tão surrealista quanto os crimes de cloroquina e de genocídio é o crime de falta de planejamento, uma das joias da coroa entre as denúncias
Se a mídia brasileira não conseguiu — ou não quis conseguir — dizer para os seus leitores, ouvintes e telespectadores quem são os homens a quem entregou as suas manchetes e o seu horário nobre durante os últimos 180 dias, é natural, também, que tenha fornecido uma certidão oficial de acusação séria, legal e técnica a cada um dos delírios produzidos pela CPI. Todo tipo de ilegalidade, ou de simples estupidez, cometido pelos acusadores foi aceito sem um mínimo de olhar crítico — ou a mera verificação dos fatos — por parte da mídia. Testemunhas foram humilhadas na frente dos jornalistas sem se ouvir um pio. Insultos grosseiros foram tratados como perguntas legítimas. Publicou-se com a maior seriedade do mundo que um dos crimes cometidos pelo presidente da República foi ter permitido ou incentivado a distribuição de “kits” com cloroquina — um tratamento absolutamente legal e publicamente reconhecido como válido pelo Conselho Federal de Medicina.
Como assim, “crime”, se milhares de médicos em todo o Brasil receitaram cloroquina para os seus pacientes, e se o CFM atestou que cabe aos profissionais aplicarem as terapias que julgarem mais acertadas, como em toda e qualquer doença? E o “crime de genocídio”, então, expressamente descrito na lei brasileira como o conjunto de ações praticado com a intenção deliberada de destruir “grupo nacional, étnico, racial ou religioso?”
Há seis meses a imprensa aceita as acusações formais feitas na CPI de que Bolsonaro cometeu genocídio — uma denúncia tão patética que acabou sendo retirada pelos próprios acusadores. (Retirada contra a vontade de Renan, o herói número 1 da mídia.) Tão surrealista quanto os crimes de cloroquina e de genocídio é o crime de falta de planejamento, uma das joias da coroa entre as denúncias. Como adotar um “plano nacional” se, por decisão formal do STF, nenhum ato ou projeto do governo federal poderia interferir nas decisões das “autoridades locais”? Esse o nível das acusações oficiais da CPI. Esse é o nível em que a imprensa se colocou.
O coroamento da história toda foram as expressões de pesar explícito que ocuparam o noticiário quando os acionistas majoritários da CPI, divididos por mesquinharias pessoais, interesses contrariados e ambições mal definidas, chegaram aos dias finais brigados uns com os outros. A imprensa derramou lágrimas, então, lamentando a “desunião” entre os inquisidores — no “momento decisivo”, comentou-se, eles deveriam fazer uma frente única contra Bolsonaro, em nome de “todos nós”. Nós quem? Não o público em geral, com certeza — mídia e público caminham há muito tempo em direções opostas.
Renan é Renan, Omar é Omar. Mas a imprensa brasileira deveria ser outra coisa.
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J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste
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