O Festival de Besteiras que Assolam o País (FEBEAPÁ) está agitadíssimo no corrente mês. Se Stanislaw Ponte Preta fosse vivo, perceberia que as besteiras prosperaram de tal modo, com incentivo internacional, que seria necessário organizar uma edição mensal do FEBEAPÁ. Um FEBEAPÁ anual teria tamanho de dicionário; além disso, as besteiras são tão fugazes que nos sentiríamos velhos com Alzheimer em dezembro ao ler sobre as polêmicas de janeiro.
Este mês nem bem começou e nós ficamos cá imaginando como não se sentirão os burocratas dos Correios da Noruega ao receberem uma cartinha da Câmara Municipal de Ribeirão Preto contendo uma moção de repúdio ao comercial com o Papai Noel gay. Um vereador do Novo declarou que “Eles poderiam ter utilizado Odin, Thor, qualquer outro mito da religião nórdica. O Papai Noel não é mais uma representação cristã, ele é uma representação universal. Na cabeça das crianças, ele representa o lúdico. [...] O Papai Noel é uma das poucas lendas universais que prega a meritocracia. Se você respeitar as pessoas, receberá um mimo no final do ano.” Papai Noel, cristianismo, meritocracia, ok.
A sabatina de André Mendonça e o laicismo que exclui a fé da esfera pública
O comercial com o Papai Noel norueguês dando um caliente beijo num homem de meia idade foi feito a pretexto do (ou em comemoração do – você escolhe) aniversário de cinquenta anos da descriminalização da homossexualidade na Noruega. Pois é: há cinquenta anos, homossexualidade era crime na avançadíssima, socialista, progressista, nórdica, ariana, rica, esclarecida, linda e loura Noruega. Já entre nós, nunca foi crime. A homossexualidade só foi crime perante a Inquisição, que não era lá muito atuante no Brasil. No direito laico, porém, nunca houve problema com isso. Nenhum gay brasileiro precisou do Estado fazendo propaganda com personagem infantil para viver a sua vida.
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Daí podemos imaginar como os chiques, os cultos, os letrados da época não lastimavam o fato deste paisinho sem futuro, vira-lata, fedido, bagunçado, permitir tamanha sem-vergonhice entre os homens. E é o mesmo tipo de gente que acha o máximo a erotização de personagem infantil promovida por aquele bando de malucos que não tem o que fazer.
Mas deixa eles lá. Usemo-los só como pretexto para mostrar pela enésima vez que o Brasil não tem que se ressentir de ser um vira-latinha tropical. Nossa cultura e nossos valores são muito melhores do que imaginamos.
Desocupado reincidente
Além de enviar sua moção de repúdio para a Noruega, a Câmara de Ribeirão Preto enviou outra para o G1, que reproduziu o vídeo ao noticiar o fato.
O jornalista do G1 que, em meio à sua caçada de lacrações
internacionais, encontrou o Papai Noel norueguês, deve ter adorado. Uma
moção de repúdio da Câmara de Ribeirão Preto deve ser vista pelo nobre
guerreiro da justiça social como uma cicatriz de ferimento de guerra. O
lacrador recebe uma notinha de repúdio e vira mártir do bolsonarismo. Já
o bolsonarista passa quase um ano preso por crime de opinião, sem
julgamento, mesmo com foro privilegiado. E o jornalista médio não vê
nisso uma opressão.
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Que a Câmara de Ribeirão Preto esperneie, claro, já que está no direito dela. Mas isso só deve ser eficaz para uma única coisa: jogar os holofotes sobre o vereador e aumentar suas chances de ganhar uma eleição para cargo legislativo. O lacrador fica feliz com sua bolha, ostentando a evidência de sua perseguição, e o político fica feliz com sua bolha da direita lelé, ostentando o seu “trabalho”. E a sociedade não ganha nada com isso. Nenhum homofóbico vai passar a simpatizar com gays por causa do Papai Noel da Noruega (muito pelo contrário), e nenhum progressista vai pensar em segurar a onda por causa da moção de repúdio de Ribeirão Preto (muito pelo contrário).
O vereador de Ribeirão Preto não teve essa brilhante ideia sozinho. Ele está seguindo o incansável secretário-tuiteiro André Porciuncula, que crê ser atribuição da Secretaria da Cultura tomar conta dos correios da Noruega e, pior ainda, dizer o que os jornais brasileiros podem publicar. Cuidar do Bicentenário da Independência, que é bom, nada.
Matemática feministaA lendária sabatina de André Mendonça não só desencantou, como entrou fundo nos anais do FEBEAPÁ. Tivemos a nobre deputada Eliziane Gama, do Cidadania (ex-PPS, ex-PCB), desenvolvendo sua peculiar matemática. Eu ia dizer que deve ser a matemática do gênero feminino, mas pensei melhor, porque a matemática já é do gênero feminino. Se os homens quiserem criar uma versão para chamar de sua, precisarão criar uma disciplina – ou melhor, um disciplino – chamado matemático. E a oprimida comunidade de pessoas não-binárias criará uma (ume?) discipline chamade matemátique. De todo modo, a nobre deputada, que queria aporrinhar o pobre do evangélico que vai virar ministro, tascou uma estatística incompreensível para sensibilizar aquele homem branco cis hétero. Disse que a cada mulher morta, pelo menos duas são negras.
A gente não pode criticar, porque aí é machismo.
Filósofos clássicos botariam a matemática no âmbito divino. Mas, considerando que o Ser Supremo está muito fora de moda e que é feio ser religioso (sobretudo evangélico), convém deixar o Supremo Tribunal Federal a decisão das verdades matemáticas.
Torçamos para que o PSOL, a REDE, o Cidadania, o PSB e o PT entrem com uma ADIN no Supremo pedindo para que os ministros resolvam essa grave omissão do Parlamento concernente às verdades matemáticas. Oxalá terminaremos este dezembro com uma nova matemática, uma matemática constitucional e feminista.
Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
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