Angélica Banhara
No Brasil são aproximadamente 1,5 milhão de pessoas com a doença
O Alzheimer é a forma mais comum de demência e não tem cura. A cada 3 segundos um novo caso é diagnosticado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 55 milhões de pessoas no planeta vivam com algum tipo de demência. Dessas, perto de 50 milhões têm Alzheimer. No Brasil são aproximadamente 1,5 milhão de pessoas com a doença.
A OMS alerta para a tendência de aumento progressivo, com o envelhecimento da população. Segundo estimativas da Alzheimer’s Disease International, no Reino Unido, os números globais podem chegar a 74,7 milhões em 2030 e 131,5 milhões em 2050.“O Alzheimer é uma doença neuro-degenerativa progressiva, com aumento do número de casos após os 65 anos. Ele causa uma perda também progressiva das células neuronais a partir do acúmulo das proteínas tau e beta-amiloide no cérebro, que levam à atrofia”, explica Alessandra Rascovski, endocrinologista e idealizadora do Cérebro em Ação, projeto socioeducativo para a prevenção do Alzheimer.
Segundo Alessandra, “o Alzheimer é considerado uma doença de estilo de vida. Apesar de não ter cura, já se sabe que ele tem uma fase pré-clínica enorme. Começamos a ‘construir’ esse cérebro doente cerca de 30 antes do diagnóstico.”
A médica afirma que, em um primeiro momento, a proteína beta-amiloide começa a acumular no cérebro. Depois surgem disfunções nas sinapses dos neurônios e lesões pelo acúmulo da proteína tau: há diminuição do volume do cérebro com alteração estrutural. Em torno de 7 a 10 anos antes do diagnóstico de demência começam os sintomas de Alzheimer, como alteração de memória e de comportamento.
O estudo finlandês Finnish Geriatric Intervention Study to Prevent Cognitive Impairment and Disability, realizado em 2015 e chamado de Estudo FINGER, foi a primeira referência para prevenção da demência. “Ele avaliou pacientes de 60 a 77 anos com diagnóstico de declínio cognitivo. Foram observadas todas as doenças crônicas (como diabetes, hipertensão, colesterol alto, obesidade), depressão, consumo de álcool, sedentarismo etc. Esses pacientes foram submetidos a uma diretriz com atividade física regular, dieta do tipo Mediterrânea e 10 minutos por dia de meditação. No final de dois anos, houve uma melhora ou não evolução para demência em uma boa parte dos casos. Ou seja: existe como realmente construir um cérebro mais saudável.”
O estudo analisou todos os fatores envolvidos no desenvolvimento do Alzheimer e apontou sete principais fatores de risco para a doença, todos passíveis de prevenção: sedentarismo, tabagismo, diabetes, obesidade, hipertensão, depressão e baixa escolaridade.
A hipótese de que cerca de 40% dos casos de demência podem ser evitados ou retardados foi corroborada por descobertas da The Lancet Commission on Dementia Prevention, Intervention and Care, também divulgadas na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer (AAIC).
De acordo com as recomendações do relatório da US National Institute on Aging (NIA) e da comissão de especialistas da The Lancet, a intervenção no estilo de vida do FINGER será adaptada e testada em vários outros países.
A partir de estudos desenvolvidos pelos pesquisadores da comissão The Lancet, em 2017 foram acrescentados o isolamento social e a perda de audição na meia-idade à lista de fatores relevantes para a demência. Em 2020 a comissão acrescentou mais três pontos: o consumo excessivo de álcool, a poluição e os traumatismos cranianos à lista dos riscos.
Esse movimento resultou na formação da rede World Wide FINGERS em 2017, uma iniciativa de pesquisa para prevenir ou retardar o início do declínio cognitivo. A proposta é gerar evidências sólidas sobre a eficácia das intervenções combinadas em diferentes contextos e populações.
“Sabemos que temos que promover neuroplasticidade, ou seja, criar novos circuitos de neurônios a partir do que a gente faz. Então, partir daquilo que desencadeia ou acelera o processo de neurodegeneração e demência chegamos às atitudes protetoras do cérebro, que podem ser adotadas no dia a dia”, diz Alessadra.
A seguir, ela fala sobre os 12 fatores de risco para Alzheimer e demência — e o que podemos fazer para prevenir ou atrasar a demência em 40%.
1 - Sedentarismo
As diretrizes recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam de 150 a 300 minutos de atividade física aeróbica moderada por semana. Dá pouco mais de 20 minutos por dia, ou 30 minutos de caminhada esperta cinco dias por semana.
Para reforçar a importância de incluir a atividade física na rotina, um estudo publicado na revista científica Jama (Journal of the American Medical Association), uma das mais conceituadas do planeta, mostrou que participantes que deram pelo menos 7000 passos/dia, comparados com aqueles que andaram menos, tiveram um risco de mortalidade entre 50% e 70% menor.
“O exercício físico que parece ser o mais benéfico para a saúde do cérebro é o aeróbico e intervalado de alta intensidade (HIIT, High Intensity Interval Training), que provoca a oscilação da frequência cardíaca. É importante, no entanto, que as pessoas desenvolvam outras habilidades, como flexibilidade, equilíbrio e força muscular. Uma vida cotidiana ativa já é muito interessante”, diz Alessandra.
Ela afirma que, com as últimas descobertas da ciência, em 2020 o músculo foi “promovido” a órgão endócrino, ou seja, foi descoberto que o músculo é um órgão que produz hormônios e substâncias que agem tanto no próprio órgão como à distância.
“Uma contração muscular produz, além de todos os benefícios ligados ao exercício em si, uma substância chamada irisina, que faz a conexão provável entre a atividade física e a função cerebral. O exercício também aumenta o fator neurotrófico cerebral (produz neuroplasticidade), o que também acontece quando aprendemos coisas novas ou quando mudamos processos, como escovar os dentes com a mão esquerda.”
O aumento do fluxo cerebral promovido pelo exercício diminui o acúmulo de beta-amiloide no cérebro, reduzindo o risco e a progressão do Alzheimer. A atividade física também ajuda a modular o cortisol, o hormônio produzido durante o estresse crônico. O cortisol diminui a resistência insulínica e aumenta o risco de diabetes, obesidade e de inflamação crônica do organismo.
“A atividade física aeróbica é eficaz até para a mudança do volume do cérebro. Estudos mostraram que exercícios aeróbicos provocam reversão da diminuição do hipocampo, área do cérebro relacionada com a memória”, diz.
2 - Tabagismo
“Existe uma associação do fumo com a progressão do Alzheimer e piora de demência, talvez até por causas vasculares. E não é só o cigarro convencional, mas tabaco, naguile e cigarro eletrônico também.”
Por outro lado, depois de 10 anos sem fumar a pessoa é considerada não fumante para doenças pulmonares. “Como ainda não existem estudos sobre a ação no cérebro de parar de fumar, usamos essa referência.”
3 - Diabetes
Metade das pessoas que têm a doença não sabem. Para elucidar o efeito do açúcar no cérebro a médica cita um estudo relevante, publicado com o título "The Starving Brain" (o cérebro faminto), que usa o termo diabetes tipo 3 para se referir ao Alzheimer. Ele foi feito com pacientes com diabetes e que consumiam muito açúcar.
“Dentro do neurônio normal deveria ter açúcar, que é o combustível da célula. O que se viu em imagens de ressonância é que o cérebro do paciente com Alzheimer tem muito pouco açúcar porque a resistência insulínica impede que ele entre no neurônio. O resultado é perda neural. O consumo excessivo de açúcar está associado ao estresse oxidativo cerebral.”
4 - Obesidade
“Existe uma conexão alimentação-cérebro. A dieta tem impacto sobre memória, humor, envelhecimento e doença”. Várias metanálises de dieta e nutrição sugerem a Dieta Mediterrânea como a mais saudável para o cérebro. Ela prioriza o consumo de alimentos frescos: legumes, verduras, frutas, gorduras boas (como azeite e oleaginosas) e peixes, com restrição ao consumo de carnes e alimentos de origem animal, ricos em gorduras saturadas.
“Os nutrientes que merecem destaque para o cérebro são vitamina D, antioxidantes, ácido fólico, colina, ômega 3 e magnésio. No estudo FINGER foi demonstrado que dois a quatro cafezinhos por dia melhoram o desenvolvimento e o desempenho da cognição.”
Também devemos considerar a importância da microbiota intestinal (o conjunto de bactérias) saudável, e o que comemos impacta na microbiota.
“Um agravante para o envelhecimento é a microbiota da boca: dificuldade de escovação, cáries, perda dentária e doenças da gengiva mudam muito as bactérias da boca. E elas têm um grande impacto no desenvolvimento do Alzheimer.”
5 - Hipertensão arterial
Como no caso do diabetes, muita gente tem hipertensão e não sabe. Fatores de risco nem sempre provocam sintomas e às vezes a doença vai se instalando devagar.
“O consumo diário de sal recomendado é de até 5 gramas por dia. No Brasil o último levantamento mostra o consumo de 12 gramas por dia. E muitas vezes achamos que não estamos consumindo sal e a açúcar, mas eles estão presentes em excesso nos produtos industrializados. Então, o primeiro passo é diminuir o consumo de sal e de açúcar.”
6 - Depressão
“Ela é considerada um fator isolado de predisposição para o Alzheimer, com papel importante mesmo que o paciente não tenha nenhum dos outros fatores”, diz a médica. Ela reforça que depressão é doença: ficar triste a maior parte do tempo, não ter vontade de fazer as coisas que fazia antes, perder o interesse por hobbies e não querer socializar não é normal. É preciso pedir ajuda profissional.
“A depressão não tratada por si só causa inflamação e neurodegeneração. Estudos mostraram que a cada 10 anos de depressão sem tratamento, 20% do cérebro degenera. Outro estudo interessante avaliou pessoas que não quiseram tomar medicação.Trataram de outro jeito ou não fizeram nada. Entre esses, houve 30% de inflamação no córtex pré-frontal esquerdo, a área do cérebro responsável pela emoção positiva e pelo raciocínio lógico.”
Alessandra chama atenção para o fato que, nesse século 21, as mulheres vão viver cerca de 30% da vida na menopausa. E sem reposição hormonal pode haver um impacto grande na memória. “A reposição deve ser feita com acompanhamento médico, considerando prós e contras. A neuroproteção do estrógeno acontece principalmente quando se inicia a reposição, em torno de três a cinco anos que a menopausa se instalou.”
O estudo FINGER destacou a importância da meditação para o cérebro. Existem vários estudos científicos que comprovam que a meditação aumenta a capacidade de atenção, ativa regiões corticais profundas que promovem relaxamento, melhoram o declínio cognitivo e o humor.
“Um estudo bem importante associou um tipo específico de meditação, chamada Kirtan kriya, ao controle do estresse e prevenção de Alzheimer. Com 12 minutos por dia, a meditação mudou morfologicamente a estrutura do cérebro no lobo frontal e regulou genes inflamatórios. Meditar ainda aumenta a longevidade.”
Segundo a médica, a enzima telomerase, que funciona como protetora dos telômeros (extremidades do cromossomo do DNA, que vão encurtando com o passar dos anos e são considerados biomarcadores de envelhecimento) aumentou em 43% com essa meditação.
7 - Isolamento social
“O isolamento tem um papel absurdo para a progressão do Alzheimer. A interação social e o convívio com os outros não só são recomendáveis, mas fundamentais. Existe um estímulo de diferentes regiões corticais quando a gente aprende com os pares. E é importante que esse convívio tenha periodicidade para manter esse estímulo, criando agenda mensal ou semanal de encontros com amigos e familiares.”
8 - Comprometimento auditivo
“Não escutar direito acaba gerando o isolamento do idoso. Por outro lado, o uso de aparelho auditivo pode até reverter o declínio cognitivo”. O cuidado deve começar agora: evite usar fones de ouvido o tempo inteiro e fique atento ao volume. É importante de tempos em tempos fazer uma audiometria.
9 - Baixa escolaridade na infância
“As primeiras vivências da infância moldam a estrutura cerebral. A finalidade da escola é também promover reserva cognitiva, uma conexão neuronal mais firme e duradoura. É o aprendizado sucessivo, que se repete várias vezes, que estrutura o cérebro.”
E mais: quanto maior o número de anos estudados, maior reserva cognitiva. Ou seja, estudar (em qualquer idade) é um fator protetor para o declínio cognitivo.
10 - Consumo excessivo de álcool
“Existe muita controvérsia sobre se existe de fato um limite seguro para o consumo de álcool. Costumamos sugerir como limite máximo até sete doses por semana para mulheres e até 14 doses para homens.”
11 - Poluição
Acrescentado recentemente, esse item chama atenção para a poluição gerada pelos carros, pela indústria e pela fumaça que atinge o fumante passivo. Evite correr ou fazer esportes em locais de muito trânsito e busque, sempre que possível, momentos de contato com a natureza.
12 - Traumatismos cranianos
Não se trata apenas do trauma causado por um acidente grave que acaba no pronto-socorro. Pancadas na cabeça podem causar dano: em esportes (como futebol e boxe) e no trânsito (use capacete ao andar de bike).
“O Alzheimer não tem cura e, por enquanto, não tem tratamento. Mas podemos prevenir a doença a partir dos nossos hábitos e das nossas escolhas no dia a dia. Essa responsabilidade é de cada um: pessoal e intransferível”, conclui Alessandra.
Se você mora em São Paulo, participe do evento Cérebro Em Ação, neste domingo, 13 de novembro, no Parque do Ibirapuera (Serralheria).
O Cérebro em Ação (@projetocerebroemacao #chegadealzheimer) é um projeto social e educativo para espalhar conhecimento e motivar as pessoas a fazer boas escolhas no dia a dia, adotando hábitos mais saudáveis para proteger o cérebro.
Espiritualidade e Bem-estar - O Globo - MATÉRIA PUBLICADA = UTILIDADE PÚBLICA