Guilherme Fiuza
Dispostos a tudo para salvar a democracia, os heróis da resistência já mostraram que é preciso cortar o mal pela raiz. Nem que para isso seja necessário rasgar a Constituição
Fascistas do mundo inteiro estão furiosos com o presidente brasileiro.
Ele deu uma entrevista de cinco horas para um canal independente,
falando abertamente sobre todos os assuntos, com uma audiência
instantânea de meio milhão de pessoas. Assim não há fascismo que
aguente.
Mas a resistência democrática no Brasil continua firme. Composta de banqueiros sensíveis, ladrões honestos, egoístas solidários, carreiristas conscientes, juízes partidários, lobistas empáticos, liberaloides iluminados e subcelebridades revolucionárias, a frente de resistência contra o fascismo deixa claro em seu manifesto (o documento mais importante desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem): o perigo permanece.
“Isso desmoraliza o fascismo”, teria dito uma alta fonte da conspiração ditatorial. Alguém tentou amenizar, dizendo que o tal ex-presidente até dava uma entrevista ou outra, se fosse para jornalista amestrado. Isso não dissolveu, no entanto, o mal-estar no comando internacional fascista. Uma outra fonte logo assinalou que a entrevista de cinco horas do atual presidente não foi um fato isolado: ele era reincidente, já tendo cometido uma série de deslizes do tipo.
Alguém tentou amenizar, dizendo que o tal ex-presidente até dava uma entrevista ou outra, se fosse para jornalista amestrado
O que mais chocou os desavisados foi a revelação de que o presidente brasileiro instituiu uma rotina de cafés da manhã com toda a imprensa. “Isso é um escândalo!”, bradou uma alta fonte nazifascista, defendendo a imediata eliminação do traidor. Surgiu a ponderação de que o ritual tinha sido interrompido, e a alta fonte furiosa quis saber se o presidente do Brasil tinha então finalmente fechado os veículos de comunicação.
Com a informação de que o café da manhã foi suspenso porque as palavras do presidente ganhavam sentidos exóticos nas manchetes, mas que toda a imprensa do país continuou funcionando normalmente, sem qualquer interferência, o clima ficou ainda pior. E tinha mais.
Caiu como uma bomba a descoberta de que, durante três anos e meio, o governante brasileiro tinha sofrido ataques públicos em série — incluindo ameaças à sua vida — e não tinha censurado ninguém. “Onde esse homem está com a cabeça?!”, bradou irado o primeiro-secretário da Internacional Fascista. Alguém respondeu: “Ele está com a cabeça servindo de bola para encenações da sua decapitação”. “E os delinquentes já estão presos?”, quis saber o dirigente fascista. O interlocutor respondeu baixinho que ninguém tinha sido preso, nem punido.
A indignação da cúpula totalitária já estava batendo no teto, quando surgiu a informação de que, como se não bastasse, o chefe de Estado brasileiro tinha negociado suas medidas e reformas com o Parlamento — sem uma única imposição autoritária. Aí o caldo entornou. “Esse cara vai desmoralizar o fascismo!”, explodiu uma alta fonte da Onda de Ódio. “Temos que substituí-lo já. Existe algum político no Brasil disposto a controlar a mídia, subjugar o Parlamento usando o Judiciário e sujeitar o mercado às rédeas do Estado?” “Tem o líder da oposição democrática”, respondeu encabulado um assessor. “Ok. Então vamos com ele.”
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