Ao anunciar a regra fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
afirmou que iria propor novas medidas para acabar com “jabutis
tributários” e ampliar a arrecadação em R$ 150 bilhões – o novo
arcabouço depende do aumento das receitas do governo para ter sucesso.”Nós
vamos ter de aumentar a carga tributária e a pergunta que fica para,
talvez, o ministro responder é quem ele vai escolher para subir a carga.
Essa equação só fecha com aumento brutal de carga tributária”, disse
Pastore.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual é a avaliação do sr. em relação ao arcabouço fiscal apresentado pela equipe econômica?
O
propósito do arcabouço é chegar a um superávit primário que permita
reduzir a relação dívida/PIB. A única forma, com esse arcabouço, de
alcançar resultados primários que reduzam essa relação é ter um enorme
aumento de carga tributária. Estou pegando uma simulação feita pelo
Marcos Lisboa e pelo Marcos Mendes (publicada no Brazil Journal) que
aponta um aumento da ordem de 5,2 pontos de porcentagem do PIB. Isso não
é factível.
Esse arcabouço tem uma aritmética impecável, na qual o
ministro Haddad conseguiu provar que, se a despesa crescer menos do que a
receita, ele gera superávits primários, mas tem uma economia falha, que
não garante o resultado.
Essa queda na relação dívida/PIB não será alcançada?
O
objetivo do governo é aumentar gasto. Eu acho que esse objetivo ele
atinge. Agora, não atinge o objetivo de reduzir a relação dívida/PIB.
Na leitura do senhor, esse arcabouço, então, não permite uma queda dos juros?
Em primeiro lugar,
o simples fato de existir o arcabouço não leva a redução da taxa de juros.
Ainda que o arcabouço fosse bom,
o Banco Central não poderia fazer
nenhum gesto. Ele teria de esperar que a inflação caísse para conseguir
reduzir os juros. Não espero por parte do BC nenhum sinal nessa direção.
Eu só não entendo como é que o mercado financeiro teve uma reação
positiva em relação a esse arcabouço. Isso eu não entendo. É uma coisa
que nós vamos ver nas próximas semanas.
Vai haver uma decepção do mercado mais para frente?
Eu
não sou psicólogo, não consigo interpretar como as pessoas têm a
percepção dos eventos econômicos. Agora, eu digo o seguinte: para quem
olha para aritmética, pode ter uma reação positiva, mas, para quem olha
para a economia, a reação tem de ser extremamente negativa.
Por quê?
O
ministro Haddad foi enfático em dizer que, se estão pensando em aumento
de carga tributária, subindo as alíquotas dos impostos que já existem,
não haverá aumento. Em segundo lugar, disse que iria buscar os jabutis.
Um desses jabutis são os chamados fundos exclusivos.
Não tenho nenhum
problema com taxar fundos exclusivos.
Agora, precisaria de uma
arrecadação de 5% ao ano a mais nos anos seguinte. Aí teria de ir para
as renúncias tributárias. Nós vamos ter de aumentar a carga tributária e
a pergunta que fica para, talvez, o ministro responder é quem ele vai
escolher para subir a carga.
Há um custo político grande de se mexer em renúncia tributária.
É
complicado, mas tem de ser feito. Se ele quer levar esse arcabouço, vai
ter de aumentar a carga, vai ter de dizer onde ele vai querer aumentar a
carga. Eu estou dizendo que é melhor, em vez de subir um imposto que é
regressivo na sua incidência, como é o imposto sobre o consumo, é melhor
ir na renúncia tributária.
E o espaço é pequeno para aumentar a carga?
Se
o governo aprovar esse arcabouço, ele obtém uma licença para aumentar
gastos. Se ele não aumentar a carga tributária, o superávit primário não
vai ser gerado.
Se o superávit primário não for gerado, vamos para dois
cenários: ou sobe a inflação que aumenta a receita e faz cair a despesa
em termos reais ou vira uma desaceleração adicional do crescimento
econômico, porque o Banco Central, mantendo a sua independência,
continua com uma política restritiva.[ao que se sabe qualquer aumento da inflação - quaisquer que sejam as justificativas que criem para fundamentar o aumento - vai ter consequências negativas e nenhum governo (especialmente um governo com a produtividade do atual = que em 92 dias produziu apenas um reajuste de R$ 18,00 no salário mínimo e inaugurou uma placa identificando a sede do Ministério da cultura)consegue resistir ao desastre causado por aquelas consequências.]
Qual cenário o sr. acha mais provável?
Qualquer
cenário é possível. Se o governo conseguir aparelhar o Banco Central e
gerar uma maioria de diretoria para executar a política monetária que
eles querem que o BC execute, a inflação vai fácil para cima.
E qual é a projeção do sr. para a taxa de juros?
Eu não vejo queda neste ano. Eu vou ver queda lá na frente, em 2024.
E como fica a economia sem perspectiva de queda?
O
PIB da agricultura vai crescer uma enormidade.
A nossa agricultura é
eficiente, somos um exportador de produtos agrícolas, os preços
internacionais estão muito bons, e São Pedro nos ajudou.
O clima foi
perfeito. No Focus (pesquisa semanal do BC com projeções de analistas de
mercado), tem a previsão de crescimento abaixo de 1%. Isso quer dizer o
seguinte: serviços e comércio varejista sofrem muito mais do que a
agricultura. É possível que a gente chegue na segunda metade do ano com
taxas ligeiramente negativa de variação do PIB.
Qual será a força do governo numa conjuntura de economia fraca em que medidas difíceis precisam ser aprovados no Congresso?
Existe
um conflito no campo da política econômica, entre a política fiscal e
monetária. Esse conflito vai para um campo político, o governo contra o
Banco Central. Qual é a repercussão que isso tem no plano político? E
uma questão de a gente ver, mas eu acho que essa briga política vai
prosseguir, escalar e crescer.
A alta de juros não piora a situação do crédito?
Não
tem crise de crédito no País. Isso é conversa. Não tem crise de crédito
no mundo. Não há crise bancária no mundo. Os Estados Unidos viveram uma
corrida bancária. Corrida bancária se resolve garantindo depósitos, e
inflação se combate com taxa de juros. Isso está sendo feito nos EUA e
na Europa.
E, no caso brasileiro, não teve nem corrida bancária. Houve
um lamentável episódio de uma fraude gigantesca feita pela Americanas.
Isso, no fundo, provocou um aumento de spread bancários na dúvida se
esse cenário existe em outras empresas, que eu acho que não existe. Não
vejo um aperto de crédito maior do que aquele que decorre de uma
política monetária restritiva como essa que nós estamos assistindo.
Diante desse contexto internacional, qual deve ser o próximo passo do Fed?
O
Fed anunciou que deve ter mais uma subida de 0,25. A economia americana
está aquecida. Ou ele para com esse 0,25 ou promove mais uma alta de
0,25. Agora, nós vamos assistir a economia americana, ao longo do tempo,
desacelerando o crescimento.
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