A investigação da PF e da CPMI descortina o nível de contaminação das Forças Armadas e o risco que o Brasil correu no governo anterior
Os militares estão em aparente silêncio. Dentro dos quartéis, a conversa é intensa. O general Tomás Ribeiro Paiva, comandante do Exército, segundo as apurações que eu fiz, tem até agora se mantido firme na convicção de que quem cometeu os crimes que responda por eles. “Tomás impede qualquer reação”, me disse uma autoridade. Muitos oficiais estavam, até recentemente, reclamando muito do “método da investigação”, dizendo que as Forças Armadas estavam sendo muito expostas. Na realidade, elas foram expostas pelos líderes que se envolveram no complô contra a democracia.
Um general que protestava pelo peso que recaiu sobre o tenente-coronel Mauro Cid ouviu de uma autoridade civil que fizesse as contas de quantos anos de prisão o ex-ajudante de ordens pode ter que enfrentar. “Formação de quadrilha, peculato, evasão de divisas, lavagem de dinheiro. Isso dá pelo menos 15 anos”, disse o interlocutor do general. O tenente-coronel preso trocou de advogado e ensaiou uma defesa sob o argumento de que seu cliente cumprira ordens. Pelo artigo 22 do Código Penal, há “excludente de culpabilidade” a quem age por “coação irresistível ou obediência hierárquica”. Uma fonte que acompanha o caso me disse: “essa é única linha de defesa dele”. O advogado Cezar Bitencourt disse que ele confessaria e depois se desdisse, num comportamento estranho.
Uma autoridade, que há duas semanas descartava a possibilidade de prisão de Jair Bolsonaro, depois do depoimento do hacker Walter Delgatti Neto na CPMI dos atos golpistas, disse que agora a considera “plausível”. Se houver qualquer sinal de que ele usa a sua influência para interferir nas muitas investigações em andamento, Bolsonaro irá para a cadeia.
O problema brasileiro, contudo, é mais grave. Como fazer para descontaminar os militares e as forças de segurança do país, das ideias golpistas? A se confirmar o que disse Delgatti sobre as suas cinco idas ao Ministério da Defesa, a situação fica muito mais grave. O grupo das Forças Armadas que participava da Comissão de Transparência do TSE foi um fator de perturbação das eleições, sempre querendo desacreditar as urnas eletrônicas. Mas o que o hacker relatou foi uma tentativa de sabotar a urna. O crime sobe muito de patamar.
Os diálogos entre os coronéis e majores da Polícia Militar do Distrito Federal, presos na sexta-feira, são estarrecedores, mesmo para quem nunca duvidou que eles participaram da conspiração. Tudo é dito descaradamente, como no diálogo do major Flávio de Alencar com o coronel Marcelo Casimiro. “Se eu estiver amanhã no comando da… manifestação, como estarei, não vou permitir a atuação da Força Nacional na nossa Esplanada, viu? Não vou autorizar.” E, apesar desse aviso prévio de sublevação e impedimento da atuação das forças do Estado, foi mantido no comando pelo coronel Casimiro.
Bolsonaro trabalhou durante todo o seu mandato contra a ordem constitucional. Ele alimentou uma explosão como a que houve em 8 de janeiro. Foi a cada festividade militar ou policial, difundiu a ideia de que os fardados eram superiores, espalhou mentira sobre as urnas, atacou pessoas que representavam os poderes constituídos, estimulou a desordem, cooptou para o seu propósito subversivo quadros de comando e da alta hierarquia das Forças Armadas, da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal. Essa contaminação só agora começa a ser dimensionada. Os próximos dias e semanas continuarão intensos no Brasil. Para a democracia se proteger, é preciso conhecer todos os fatos e punir todos os culpados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário