Revista Oeste
O estrondo será sentido com o aumento de impostos, o contingenciamento de gastos, uma possível desvalorização do real, o aumento da dívida pública e uma eventual alta nos juros
Ilustração: Montagem Revista Oeste/Fortis Design/Shutterstock
“O futuro a Deus
pertence.” Foi com essas palavras que a ministra do Planejamento, Simone
Tebet, apresentou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024,
enviado em 31 de agosto, último dia útil previsto por lei, ao Congresso
Nacional.
O futuro das contas públicas brasileiras pode até pertencer ao
Todo-poderoso, mas a bomba fiscal que o governo está armando para o
próximo ano cairá diretamente no bolso do contribuinte brasileiro.
E ela
vai explodir via aumento de impostos, contingenciamento de gastos,
efeitos macroeconômicos negativos, uma possível desvalorização do real,
aumento da dívida pública e eventual alta nos juros.
Para desenhar o orçamento do ano que vem, o Executivo começou pelos gastos, prevendo que vai precisar de R$ 2,188 trilhões para cumprir as promessas eleitorais. Um número gigantesco por si só, equivalente a cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Mas o que preocupa ainda mais
é o aumento de gastos embutidos nesse montante: R$ 129
bilhões.
(...)
O ministro Haddad admitiu que
será muito difícil obter essa aprovação. “Não estamos negando a
dificuldade”, disse Haddad. “Estamos reafirmando o compromisso da área
econômica em obter o melhor resultado possível, levando em consideração a
opinião do Congresso Nacional”.
O
governo pode até contar com a boa vontade do Legislativo. Ou pagar
outros bilhões de reais via emendas parlamentares para garantir o voto
de deputados e senadores — desde o começo do ano, já gastou cerca de R$
20 bilhões nessa modalidade. Mesmo assim, existe a possibilidade de que
os congressistas se recusem a aumentar de forma tão brutal os impostos.
No país com a maior carga tributária entre os emergentes, e com serviços
públicos de Terceiro Mundo, as bases eleitorais dificilmente
compreenderiam. O custo político seria desproporcional.
Gastar é preciso, poupar não é preciso
O
que está totalmente ausente na proposta orçamentária para 2024 é
qualquer corte de gastos. Um orçamento que parece se adaptar
perfeitamente à máxima da ex-presidente Dilma Rousseff quando
questionada sobre sustentabilidade das contas públicas: “gasto público é
vida”.
“Será muito difícil que o Congresso aprove o aumento da
carga tributária para financiar gastos”, observa Velloso. “Quaisquer que
eles sejam, investimentos ou aumentos salariais. O pessoal do governo
tem uma visão muito simplória, quase primitiva. Eles se deram um
objetivo e, para alcançá-lo, querem aumentar a receita. Em cortar gastos
ninguém fala. Mas vão acabar tendo que cortar custos, sim. O orçamento
não comporta mais gastos. A arrecadação está diminuindo”.
Segundo
o economista, o governo vai escolher o caminho mais fácil: cortar
investimentos. Que já estão próximos do zero.
(...)
Mesmo
assim, os especialistas em contas públicas e analistas do mercado
financeiro estão muito céticos sobre esses recursos. Em relatório, a
equipe de economistas da XP Investimentos salientou que prevê uma “alta
incerteza” na possibilidade de obter uma arrecadação dessa proporção.
“A
proposta final aprovada pelo Congresso prevê uma série de descontos de
multas e juros, além da possibilidade de pagamento parcelado em 12
vezes, por meio de compensação de prejuízo fiscal de CSLL sem limite ou
precatórios”, escreveram os economistas da corretora em relatório.
O
BTG Pactual foi mais preciso. O economista Fábio Serrano calculou que a
mudança no Carf pode arrecadar cerca de R$ 11 bilhões por ano. Cerca de
20% de quanto foi previsto pelo governo.
O voto de qualidade no
Carf não é a única medida que vai acabar frustrando as expectativas
arrecadatórias do governo. As outras mudanças terão muito provavelmente
uma arrecadação muito menor do que o esperado pelo governo.
“A
tributação de fundos exclusivos, por sua vez, deve ter a alíquota
aplicada ao estoque reduzida de 10% para 6%, enquanto a extinção do JCP
deve sofrer forte resistência política”, salientou a XP em relatório. Na
conta final, o governo vai conseguir arrecadar apenas R$ 85 bilhões.
Cerca de metade dos R$ 168 bilhões necessários para fechar as contas
zeradas.Ilustração: Shutterstock
Fabricando números
Mas
a parte menos crível de toda a peça orçamentária do ano que vem são os
R$ 43,3 bilhões que foram identificados como “transações tributárias”.
“Ninguém
sabe de onde vai vir esse dinheiro”, diz Gabriel Leal de Barros,
economista da Ryo Asset. “O governo não detalhou. Simplesmente colocou
no PLOA. Basicamente, tiraram da cartola e chamaram de ‘novo
relacionamento da Receita Federal com os contribuintes’.
Entendo isso
como se fossem dois Refis.
Um com a Receita e outro com a
Procuradoria-Geral da Fazenda.
O problema é que já temos um Refis
rolando: o ‘Litígio Zero’, que o governo acabou prorrogando porque
arrecadou muito menos do que previa. Entraram só R$ 3 bilhões dos R$ 20
bilhões orçados. Um prelúdio de 2024.”
Por último, existe um
problema legal na ação do governo. Muitas das receitas adicionais provêm
de medidas provisórias (MPs) assinadas pelo presidente Lula. Isso é
inconstitucional, pois o art. 150 da Constituição Federal impõe o
respeito do princípio da legalidade na criação de novos tributos, que só
podem ser introduzidos via proposta de lei (PL). Existem algumas
exceções, como o Imposto Extraordinário Guerra, o Imposto Importação, o
Imposto Exportação, o IOF e o IPI. Nenhuma delas cabe no caso do PLOA ou
dos impostos sobre offshores ou fundos exclusivos.
A Câmara já
reagiu a esses abusos. Deixando caducar, por exemplo, a MP que criou um
novo imposto sobre a exportação de petróleo. Tanto que o próprio Haddad
declarou que “o Congresso tem poder excessivo”, provocando a ira do
presidente da Câmara, Arthur Lira. “A situação do orçamento do ano que vem é resumível em uma frase: ‘Se correr o bicho pega, se parar o bicho come'”
Se
o Legislativo não colabora, o governo aposta na ajuda no Supremo
Tribunal Federal (STF).
Haddad também declarou abertamente que os outros
Poderes precisam participar do orçamento. Decisões do STF começaram a
beneficiar os cofres públicos, como a suspensão da redução de alíquota
de PIS/Cofins sobre receitas financeiras das empresas que usam a
tributação do lucro real ou a exclusão de benefícios fiscais do ICMS da
base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da
Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Decisões tomadas mesmo
violando princípios gerais do Direito, como o da coisa julgada. A tão
decantada “harmonia entre os Poderes”.
(...)
Por último, o governo inseriu no PLOA uma previsão do
PIB para o ano que vem demasiadamente elevada”, observa Velloso. “Isso
também para aumentar artificialmente as receitas previstas. Mais uma
narrativa que vai dar errado. Esse PIB para 2024 é chute.”
O cenário
internacional está muito mais adverso do que no passado. Especialmente
os Estados Unidos, que vão entrar em recessão em breve. Isso vai gerar
efeitos graves no Brasil, pois o mundo vai fugir do risco e dos
emergentes. Além disso, a China está enfrentando uma crise estrutural,
com o estouro da bolha imobiliária. E a União Europeia enfrenta a
estagflação.
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