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domingo, 10 de setembro de 2023

Bomba fiscal no horizonte - Carlo Cauti

Revista Oeste

O estrondo será sentido com o aumento de impostos, o contingenciamento de gastos, uma possível desvalorização do real, o aumento da dívida pública e uma eventual alta nos juros

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Fortis Design/Shutterstock
 
 “O futuro a Deus pertence.” Foi com essas palavras que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, apresentou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, enviado em 31 de agosto, último dia útil previsto por lei, ao Congresso Nacional. 
O futuro das contas públicas brasileiras pode até pertencer ao Todo-poderoso, mas a bomba fiscal que o governo está armando para o próximo ano cairá diretamente no bolso do contribuinte brasileiro
E ela vai explodir via aumento de impostos, contingenciamento de gastos, efeitos macroeconômicos negativos, uma possível desvalorização do real, aumento da dívida pública e eventual alta nos juros.

Para desenhar o orçamento do ano que vem, o Executivo começou pelos gastos, prevendo que vai precisar de R$ 2,188 trilhões para cumprir as promessas eleitorais. Um número gigantesco por si só, equivalente a cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro

Mas o que preocupa ainda mais é o aumento de gastos embutidos nesse montante: R$ 129 bilhões.

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O ministro Haddad admitiu que será muito difícil obter essa aprovação. “Não estamos negando a dificuldade”, disse Haddad. “Estamos reafirmando o compromisso da área econômica em obter o melhor resultado possível, levando em consideração a opinião do Congresso Nacional”.


O governo pode até contar com a boa vontade do Legislativo. Ou pagar outros bilhões de reais via emendas parlamentares para garantir o voto de deputados e senadores — desde o começo do ano, já gastou cerca de R$ 20 bilhões nessa modalidade. Mesmo assim, existe a possibilidade de que os congressistas se recusem a aumentar de forma tão brutal os impostos. No país com a maior carga tributária entre os emergentes, e com serviços públicos de Terceiro Mundo, as bases eleitorais dificilmente compreenderiam. O custo político seria desproporcional.
Gastar é preciso, poupar não é preciso

O que está totalmente ausente na proposta orçamentária para 2024 é qualquer corte de gastos. Um orçamento que parece se adaptar perfeitamente à máxima da ex-presidente Dilma Rousseff quando questionada sobre sustentabilidade das contas públicas: “gasto público é vida”.

“Será muito difícil que o Congresso aprove o aumento da carga tributária para financiar gastos”
, observa Velloso. “Quaisquer que eles sejam, investimentos ou aumentos salariais. O pessoal do governo tem uma visão muito simplória, quase primitiva. Eles se deram um objetivo e, para alcançá-lo, querem aumentar a receita. Em cortar gastos ninguém fala. Mas vão acabar tendo que cortar custos, sim. O orçamento não comporta mais gastos. A arrecadação está diminuindo”.

Segundo o economista, o governo vai escolher o caminho mais fácil: cortar investimentos. Que já estão próximos do zero.

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Mesmo assim, os especialistas em contas públicas e analistas do mercado financeiro estão muito céticos sobre esses recursos. Em relatório, a equipe de economistas da XP Investimentos salientou que prevê uma “alta incerteza” na possibilidade de obter uma arrecadação dessa proporção.

“A proposta final aprovada pelo Congresso prevê uma série de descontos de multas e juros, além da possibilidade de pagamento parcelado em 12 vezes, por meio de compensação de prejuízo fiscal de CSLL sem limite ou precatórios”, escreveram os economistas da corretora em relatório.

O BTG Pactual foi mais preciso. O economista Fábio Serrano calculou que a mudança no Carf pode arrecadar cerca de R$ 11 bilhões por ano. Cerca de 20% de quanto foi previsto pelo governo.

O voto de qualidade no Carf não é a única medida que vai acabar frustrando as expectativas arrecadatórias do governo. As outras mudanças terão muito provavelmente uma arrecadação muito menor do que o esperado pelo governo.

“A tributação de fundos exclusivos, por sua vez, deve ter a alíquota aplicada ao estoque reduzida de 10% para 6%, enquanto a extinção do JCP deve sofrer forte resistência política”, salientou a XP em relatório. Na conta final, o governo vai conseguir arrecadar apenas R$ 85 bilhões. Cerca de metade dos R$ 168 bilhões necessários para fechar as contas zeradas.Ilustração: Shutterstock

Fabricando números
Mas a parte menos crível de toda a peça orçamentária do ano que vem são os R$ 43,3 bilhões que foram identificados como “transações tributárias”.

“Ninguém sabe de onde vai vir esse dinheiro”, diz Gabriel Leal de Barros, economista da Ryo Asset. “O governo não detalhou. Simplesmente colocou no PLOA. Basicamente, tiraram da cartola e chamaram de ‘novo relacionamento da Receita Federal com os contribuintes’. 
Entendo isso como se fossem dois Refis.  
Um com a Receita e outro com a Procuradoria-Geral da Fazenda. 
O problema é que já temos um Refis rolando: o ‘Litígio Zero’, que o governo acabou prorrogando porque arrecadou muito menos do que previa. Entraram só R$ 3 bilhões dos R$ 20 bilhões orçados. Um prelúdio de 2024.”

Por último, existe um problema legal na ação do governo. Muitas das receitas adicionais provêm de medidas provisórias (MPs) assinadas pelo presidente Lula. Isso é inconstitucional, pois o art. 150 da Constituição Federal impõe o respeito do princípio da legalidade na criação de novos tributos, que só podem ser introduzidos via proposta de lei (PL). Existem algumas exceções, como o Imposto Extraordinário Guerra, o Imposto Importação, o Imposto Exportação, o IOF e o IPI. Nenhuma delas cabe no caso do PLOA ou dos impostos sobre offshores ou fundos exclusivos.

A Câmara já reagiu a esses abusos.
Deixando caducar, por exemplo, a MP que criou um novo imposto sobre a exportação de petróleo. Tanto que o próprio Haddad declarou que “o Congresso tem poder excessivo”, provocando a ira do presidente da Câmara, Arthur Lira. “A situação do orçamento do ano que vem é resumível em uma frase: ‘Se correr o bicho pega, se parar o bicho come'”

Se o Legislativo não colabora, o governo aposta na ajuda no Supremo Tribunal Federal (STF). 
Haddad também declarou abertamente que os outros Poderes precisam participar do orçamento. Decisões do STF começaram a beneficiar os cofres públicos, como a suspensão da redução de alíquota de PIS/Cofins sobre receitas financeiras das empresas que usam a tributação do lucro real ou a exclusão de benefícios fiscais do ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Decisões tomadas mesmo violando princípios gerais do Direito, como o da coisa julgada. A tão decantada “harmonia entre os Poderes”.

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Por último, o governo inseriu no PLOA uma previsão do PIB para o ano que vem demasiadamente elevada”, observa Velloso. “Isso também para aumentar artificialmente as receitas previstas. Mais uma narrativa que vai dar errado. Esse PIB para 2024 é chute.”  
O cenário internacional está muito mais adverso do que no passado. Especialmente os Estados Unidos, que vão entrar em recessão em breve. Isso vai gerar efeitos graves no Brasil, pois o mundo vai fugir do risco e dos emergentes. Além disso, a China está enfrentando uma crise estrutural, com o estouro da bolha imobiliária. E a União Europeia enfrenta a estagflação.

“O orçamento de 2024, assim como o arcabouço fiscal recém-aprovado no Congresso, já não para de pé em uma situação de forte crescimento”, diz Velloso. “E muito menos em uma de turbulência. O Brasil vai enfrentar dificuldades nos próximos meses. Apertem os cintos”.

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