Tomou-me tempo, escrever este artigo. Quando o dei por pronto, encarei,
olho no olho, cada adjetivo.
Passei a peneira nos superlativos e
diminutivos.
Não satisfeito, me debrucei sobre os advérbios (às vezes,
eles encerram verdades que ferem vaidades).
Por fim, chequei os fatos e
as interpretações dos fatos, etapa após a qual fiquei tentado a voltar
atrás e repor os adjetivos suprimidos...
Resisti. Ei-lo aqui, pronto
para os leitores, a quem digo concordar em quase tudo com os advogados e
em quase nada com os ministros que aprovaram aquelas desmesuradas
penas.
Faço tal
afirmação apesar de não ter formação jurídica, por ser perfeitamente
capaz, assistindo cena de vida real ao longo de dois dias, por horas a
fio, como fiz durante o julgamento, de identificar objetivos,
estratégias e sentimentos que os protagonistas expressaram.
Assim
também, sei que o parágrafo inicial deste artigo, logo aí acima, fala de
autocensura.
Ela é consequência da censura e das interdições, bem como
de excessos que não estiveram ausentes do “espetáculo judiciário” dos
dias 13 e 14.
***
Após a IIª
Grande Guerra, o Tribunal de Nuremberg iniciou seus julgamentos em
novembro de 1945 e os encerrou em outubro de 1946, apreciando 185 casos,
tendo absolvido os réus em 35 deles.
Na URSS, em especial nos anos de
1936 a 1938, foram promovidos inúmeros julgamentos públicos da elite
política.
Os réus também eram classificados em pacotes: o dos “mentores”
(a elite original do comunismo soviético), dos “infiltrados” na
burocracia do regime e dos “propagadores” de ideias antirrevolucionárias
no meio da população.
Stalin espetacularizava esses julgamentos como
forma de impor a ética revolucionária à sociedade soviética. O STF, por
sua vez, tem mil e tantos processos para julgar, tendo condenado até
agora os três primeiros réus.
É bastante
evidente que estes julgamentos iniciais cumprem uma finalidade
semelhante à dos grandes julgamentos da história política. São eles:
1º)
consolidar uma compreensão política da atualidade nacional segundo a
perspectiva majoritária da corte;
2º) exibir seus argumentos e difundir
os adjetivos que a Corte aplica à conduta dos réus;
3º) explicar que os
presos estão sendo julgados ali por conexão, nos mesmos inquéritos, com
réus que têm foro privilegiado;
4º) explicar a visão da folgada maioria
da Corte sobre o que ela chama de “amplo cenário” e “crimes
multitudinários”, redundando no arrolamento dos réus nos mesmos crimes,
independentemente do que cada um estivesse a fazer no local dos fatos.
No entanto, o
tal “cenário completo” reiteradamente mencionado, mas muito
especialmente enfatizado pelos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar
Mendes, é uma – apenas uma e convenientemente escolhida – das visões
políticas que se pode ter dos acontecimentos.
Existem outros cenários,
todos mais amplos, nos quais o próprio Tribunal é parte ativa.
Aliás,
ativista, tendo contribuído para a formação de um ambiente psicossocial
muito negativo, muito tóxico, no país.
Estou falando de bem mais de uma
centena de decisões contra o governo anterior envolvendo, inclusive,
teses sem acolhida no parlamento e deferidas pelo STF a pedido de
legendas sem representatividade alguma.
Nada demarca tais intervenções
melhor do que o veto à nomeação de pessoa indicada por Bolsonaro para a
Direção-Geral da PF. [intervenção que não sendo objeto de resistência do governo Bolsonaro, deu inicio ao processo de desmanche daquele Governo.]
Somem-se, ainda, as ações junto às redes sociais e
seus usuários, as manifestações políticas dos ministros e o tom em que
muitas foram proferidas, as invasões de competência, os inquéritos sem
fim e por aí vai, como exemplo de cenário mais amplo.
***
Assim como
percebo tudo isso, também percebi, desde sempre, a impropriedade e a
inexequibilidade da intervenção militar, bem como a estupidez do ato
convocatório para concentração em Brasília. Indignou-me instantaneamente
a destruição que se seguiu.
Como pode alguém ser assim tão burro,
fazendo imenso mal a si mesmo e grande bem a seu adversário em poucas
horas?
Num outro viés, intrigam-me ainda hoje o abandono da praça pelas
forças do Estado, as imagens que vejo, as imagens que vazam, as imagens
que somem e a conduta dos parlamentares da base do governo na CPMI.
Não é difícil
compreender que alguns advogados tenham transposto certos limites que
desconheço porque pouco sei do linguajar forense, mas há a esse respeito
considerações indispensáveis:
1ª) nenhuma agência de publicidade
convidaria o ministro relator para lançar uma campanha contra discurso
de “ódio”;
2ª) os advogados já sabiam o que iria advir para seus
clientes porque as questões levantadas pelo Dr. Sebastião foram negadas
quase unanimemente pelo plenário;
3ª) os réus eram culpados em amplo
espectro por tudo que coubesse no tal “cenário” escolhido, mesmo que
tivessem ficado sentados num banco;
4ª) o trem dos prisioneiros já
partira rumo a seu destino;
5ª) não é difícil entender que os dois
últimos defensores expressassem a emoção que tantos estavam a sentir
naquele momento;
6ª) a emoção não era suprimível do espetáculo;
7ª) de
algum lugar precisavam emergir sentimentos humanos;
8ª) era a homenagem
às vítimas de um excesso monumental, cujas penas a si aplicadas não eram
absorvidas no crime maior e superavam a máxima prevista no Código Penal
para crime de estupro;
9ª) é impiedoso reprovar a emoção alheia,
especialmente a emoção de uma alma feminina.
Os momentos
de irresignação, comoção e lágrimas foram os traços visíveis de
humanidade no espetáculo judiciário dos dias 13 e 14.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.
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