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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Uma carta de amor ao Brasil - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Naquele 7 de Setembro, quando ouvia nosso hino ser tocado ou cantarolado em algum ponto da Paulista, era como se eu estivesse em uma viagem boa no tempo quando a melodia era ouvida nos pódios pelo mundo afora


Foto: Shutterstock

Eu sei que você ficou triste com este 7 de Setembro. Nós também.

Foram muitos anos te presenteando com as ruas pintadas de verde e amarelo. Nos últimos quatro anos, então… parecia uma Copa do Mundo por ano! Amor, muito amor por você. Sua bandeira estava por todos os lados! Carros, janelas, sacadas, carros e carrinhos de bebês, sua bandeira era estampada e tatuada em jovens, idosos, crianças e animais de estimação! Sempre uma festa com milhões de convidados por todo o Brasil. Seu hino podia ser ouvido em caminhões ou em rodinhas de bar onde as pessoas celebravam o orgulho de te amar de novo!

Neste 7 de Setembro foi diferente, eu sei. Havia um presidente amigo de ditadores desfilando em carro aberto com uma primeira-dama vestida de vermelho. As ruas estavam vazias, e eu posso imaginar que você esteja pensando que não te amamos mais. Por favor, não se precipite em qualquer conclusão. As ruas estavam vazias exatamente porque havia um presidente amigo de ditadores desfilando com uma primeira-dama vestida de vermelho. As avenidas estavam fantasmagóricas exatamente porque te amamos demais. Os últimos meses foram de enorme provação para todos nós, você sabe. Desafios que nunca imaginamos encontrar. Já há algum tempo, tiranos covardes vêm tentando desvirtuar suas instituições, ignorar suas leis e a vontade do povo, censurar nossas dúvidas e amordaçar nossas ideias. E, você sabe como ninguém, resistimos como pudemos durante quatro anos.

Eu sei que a ausência do povo e o silêncio das ruas te incomodou. Foi muito difícil para nós também. Ainda estamos nos recuperando de imensas injustiças cometidas contra a sua gente. 
Inocentes estão presos, famílias estão quebradas, jornalistas e cidadãos estão sendo perseguidos e silenciados; e um perigoso regime totalitário só visto em páginas de livros de história anda assolando a sua democrática estrutura. Você é grande, às vezes consegue absorver o impacto e seguir, mas nós estamos assustados. Mesmo assim, não pense que nossa conclusão é de que perdemos tempo com tantas manifestações pacíficas para você em quatro anos. Não! Se te disserem isso, não acredite! 
Por você faríamos tudo de novo. Sigo tendo orgulho de você, de quem sou e de onde vim. O meu coração é seu, afinal, foram mais de duas décadas juntos e entrelaçados por tantos céus e estradas, não é mesmo? Você sabe que sempre foi difícil segurar as lágrimas quando tocava o seu hino em algum lugar do globo e eu, orgulhosa, colocava a mão no peito para mostrar o meu mais profundo amor e respeito por você. 

Por favor, não se chateie que nesta data as lágrimas não sejam de alegria. Não fique triste comigo, ainda sinto um orgulho imenso de você. Sua gente, mesmo tendo o espírito esmagado por tantas injustiças, segue lutando bravamente contra quem te usa sem escrúpulos e abusa de suas qualidades e belezas por projetos nefastos de poder. 

Ah… foram tantos anos sorrindo com você. E como demos muitas risadas juntos… Quando olho para as páginas da nossa relação, mesmo quando as lágrimas vinham, por alguma derrota ou decepção, suas cores sempre se destacavam e você me fazia sentir grande, potente! Apesar de todos os anos percorrendo o mundo com você nos ombros e nos uniformes, debaixo de sol e chuva, suas cores nunca deixaram de estar vibrantes. Todos sabiam de onde eu vinha porque suas cores me envolviam e brilhavam! 

Neste 7 de Setembro, essas cores e nossos corações estão desbotados. Perdoe-me a angústia nestas linhas. Peço, de coração aberto, que tente entender minha tristeza e por que não encontrei motivos para celebrações na semana do aniversário de sua Independência. 

(...)

Posso te confessar uma coisa? Naquele dia, não consegui evitar que um longo filme de mais de duas décadas com você e como atleta profissional passasse pela cabeça. Todas aquelas viagens pelo mundo com a sua bandeira talhada em nossos uniformes. Naquele 7 de Setembro, quando ouvia nosso hino ser tocado ou cantarolado em algum ponto da Paulista, era como se eu estivesse em uma viagem boa no tempo quando a melodia era ouvida nos pódios pelo mundo afora. As lembranças do passado se misturavam com as cenas da realidade diante dos meus olhos, e isso me trazia algumas lágrimas aos olhos que, algumas vezes, confesso, tentei esconder. Uma bobagem. O amor faz isso com a gente mesmo. Aquela sensação que senti tantas vezes em mundiais e olimpíadas estava de volta! 

Eu estava em uma grande — na verdade, em uma gigantesca — delegação olímpica pelo Brasil! A maior e mais bonita de todas elas! Era uma multidão feliz! E não havia lixo jogado nas ruas, não havia baderna, não havia vandalismo, não havia brigas e discussões. Havia um grande senso de civilidade e responsabilidade de te fazer feliz. Havia uma paixão profunda por você exarada no rosto das pessoas! As pessoas tinham o mesmo semblante de quando tirávamos da mala nossos uniformes novos com a bandeira do Brasil bordada na manga, como as que os soldados usam em seus uniformes nas guerras. 

(...)

Quem vive na prostituição intelectual resiste à verdade, à verdadeira luz. Neste triste 7 de Setembro, os olhos estão magoados, sim, mas entenda: agora conhecemos você como você merece ser conhecido e amado, e como você, de fato, é. Milhões de brasileiros saíram da caverna e descobriram que as sombras na parede não eram reais, que fomos manipulados e empurrados por tempo demais para que não chegássemos à superfície para apreciar o sol. 

Como escreveu Drummond, um de seus poetas mais fascinantes, também lá das minhas Gerais:

“Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.”

Meu amado Brasil, apesar da tristeza, não vamos mais voltar para a escuridão. 

Leia também “As caixas de dona Ruth”

CLIQUE AQUI, MATÉRIA COMPLETA

 

Ana Paula Henkel, colunista  

 

 


 

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