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segunda-feira, 10 de julho de 2023

A prisão tribal - Alex Pipkin, PhD

        Encontros com a fantasia humana e com o negacionismo dos fatos têm sido tão frequentes para mim, que realmente tenho desacreditado num futuro mais promissor para o nosso país.

Muitos jovens se encontram acometidos da “ideológica gonorréia juvenil”, embora mesmo os mais experientes não consigam se divorciar deste ilusionismo.

Meu curto vocabulário já não dispõe de mais adjetivos a fim de qualificar esse tenebroso momento nacional, de absurda doença psicossocial.
Negação, inversão, enganação e corrupção da verdade, são os protagonistas dessa tragédia.

Existe uma enormidade de síndromes e de efeitos “à la carte” para serem escolhidos por aqui, tais como a Síndrome de Estocolmo e o Efeito IKEA.

É chover no molhado afirmar que o ego é, muitas vezes, o nosso principal inimigo. A nossa parte consciente se desenvolve a partir da nossa interação com a realidade, porém, muitas vezes, os desejos individuais fazem com que a realidade seja transfigurada.

Todos desejam, e muito, terem  suas identidades sociais valorizadas. As redes sociais alavancaram as necessidades e as possibilidades. O Efeito IKEA anda cada vez mais forte e solto. As pessoas querem criar elas próprias, e ser reconhecidas pelas suas competências.

Há também o viés cognitivo do senso de propriedade sobre aquilo que é produzido individualmente e/ou por uma filiação tribal. Nesta direção, mesmo que o resultado final dessa produção seja deletério, os sujeitos a defenderão com unhas e dentes afiados.

Essa é a ordem do dia!

Desnecessário ser um PhD para compreender essa questão. Não se quer frustrar os desejos avassaladores de nossa personalidade, de nosso eu interior, desse modo, os indivíduos se suportam nessas “experiências de competência”, a fim de melhorar a visão que possuem de si mesmos. Além disso, não querem de maneira alguma chamuscar o senso de pertencimento tribal aos seus pares, seja por quais afinidades forem.

Adam Smith - sempre ele - já havia enaltecido o importante papel da reputação na vida social. Muitas vezes, quando uma pessoa afirma algo, ela procura ser coerente quanto aquilo que disse, assumindo um firme compromisso com determinada coisa. Assim, dificilmente a bigorna da realidade alcançará os olhos, as mentes e os corações daqueles que foram atraiçoados por desejos irrealizáveis e falácias.

Dentre os vários sonhos da turma ideológica vermelha, que capturou os movimentos identitários, de grupos raciais e de gênero, por exemplo, é evidente que o tratamento preferencial das minorias raciais não conduzirá a um bem social. Não há nada humanitário quando esses favorecimentos são decretados por agentes estatais, motivados por interesses político-ideológicos. Na verdade, ao cabo, isso atua como uma poderosa alavanca por mais discriminação.

Fico me questionando, até porque tenho a resposta de alguns amigos negros e gays - se esses grupos se sentem confortáveis com favores e padrões duplos, ou se genuinamente desejam apenas justiça e liberdade para criarem as oportunidades de acordo com seus próprios esforços, objetivos e planos de vida?

Acho que muitos querem mesmo escapar dessa ideológica tirania grupal. Penso que estamos em um estágio civilizacional de retrocesso. Não é o fim, é mesmo um triste estágio da nossa história civilizacional.
Por que há, presentemente, a orgia mental da negação, da inversão, da enganação e da corrupção da verdade? 
Por que soberbam egos avantajados e comportamentos tribais inflexíveis e refratários a concessões? 
Por que não há a busca de confiança e coesão social, que encaminharia ao verdadeiro bem comum?

Uma das respostas é trivial. Quanto aos jovens, a narrativa e ação devastadora é o motor - furado - da promoção da autodescoberta, não da construção de caráter. Eles não largam a tal opressão…

Já no que se refere aos adultos e aos velhos, muitos marxistas de carteirinha, esses não conseguem evoluir. Dedicaram suas vidas inteiras a ideologia do fracasso, comprometeram-se com o engodo, por isso não abdicam do sonho irrealizável, mesmo que saibam que o seu resultado - conforme o pragmatismo da realidade - seja devastador para todos.

 Alex Pipkin - PhD

 


quarta-feira, 21 de junho de 2023

Alexandre quer limitar capitalismo: e quem vai limitar seu poder? - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo

Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.

O ministro Alexandre de Moraes disse não ser um comunista, mas alegou que não se pode deixar o capitalismo livre, pois sem impor limites na busca do lucro, as empresas jamais terão um limite próprio, voluntário.

Durante palestra no Fórum Internacional Justiça e Inovação, promovido pelo Supremo em parceria com o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Nacional de Justiça, o relator do inquérito das milícias digitais pregou que as redes sociais precisam de mais transparência critérios, além de 'respeitar os direitos fundamentais'.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral disse repetir, com frequência, a máxima de que as redes sociais 'não são terra de ninguém' por entender que houve 'manipulação de parcela da sociedade de entender que regulamentação e responsabilização dentro das redes é censura'. "Você pergunta: 'o que se faz lá, pode se fazer fora?' Não. Então porque lá seria censura?", indagou.

Na avaliação do ministro, as pessoas 'passaram a querer despejar traumas e o pior do ser humano nas redes, contra os outros, achando que tudo pode'. "Isso é muito grave, porque há uma manipulação dos algoritmos. Em tese, ela pode ser para o bem, mas também tem fins comerciais e vem sendo utilizada para atacar pilares básicos da democracia. Vem sendo usado para atacar liberdade de imprensa, as eleições, e o Judiciário".

Alexandre de Moraes ponderou que não se pode partir da 'presunção de que as bigtechs só querem o bem da humanidade'. "Dentro do sistema capitalista - e eu não sou comunista - o que se visa é o lucro, sem qualquer limitação. Se alguém não limitar não será autolimitado", afirmou, voltando a defender a regulamentação das redes sociais.

Alexandre não demonstra muito apreço pela liberdade de expressão. Na verdade, o que se diz nas praças públicas da era moderna também pode render processos por crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação
Tudo isso está previsto em nossas leis. 
O que o ministro supremo não gosta de outra coisa...

O que ele chama de "ataque" ao STF são, na verdade, críticas. 

E em vez de seguir o devido processo legal quando achar que houve crime contra a honra, o que ele faz é incluir gente sem foro privilegiado em um inquérito ilegal chamado de "fim de mundo" por um colega supremo, além de censurar jornalistas, congelar contas bancárias ou cancelar passaporte, tudo isso sem a aprovação do Ministério Público.

Alexandre afirma que as Big Techs não necessariamente desejam o bem da humanidade. 
Ainda bem que ele, ao contrário, só pensa no bem do povo, da democracia, do planeta! 
Esse tipo de arrogância é justamente o que leva ao autoritarismo de quem não compreende que o mercado não depende dessa boa vontade, como já sabia Adam Smith.
 
O grande insight de Adam Smith foi perceber que seria tolice esperar aquilo que se necessita dos outros através de sua benevolência apenas.  
Será mais bem sucedido aquele que despertar o interesse próprio do outro, mostrar que é por sua própria vantagem que ele deve oferecer aquilo que o outro demanda. 
“Não é da benevolência do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seu próprio interesse”, é a famosa mensagem de Smith que resume bem isso. 
Não esperamos seu esforço em nos atender pelos aspectos humanitários, mas sim pelo seu amor próprio, e não devemos falar com ele sobre nossas necessidades, mas sim sobre suas próprias vantagens.
 
O realismo em relação a esta tendência individualista dos homens já está presente na outra obra famosa de Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, que foi publicada em 1759. 
Nela, Smith supõe um terremoto que devasta a longínqua China, e imagina como um humanitário europeu, sem qualquer ligação com aquela parte do mundo, seria afetado ao receber a notícia dessa terrível calamidade. 
Antes de tudo, ele iria expressar intensamente sua tristeza pela desgraça de todos esses infelizes. Faria “reflexões melancólicas sobre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados”.
 
Mas quando toda essa bela filosofia tivesse acabado, “continuaria seus negócios ou seu prazer, teria seu repouso ou sua diversão, com o mesmo relaxamento e tranquilidade que teria se tal acidente não tivesse ocorrido”. Em contrapartida, o mais frívolo desastre que se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real
Uma simples dor de dente poderia lhe incomodar de verdade mais que a ruína de centenas de milhares de pessoas distantes. 
Não adianta sonhar com um homem diferente, mas irreal.

A premissa de que o estado, formado por seres humanos igualmente imperfeitos - ou até piores, pela ambição desmedida muitas vezes - vai cuidar do indivíduo, proteger a democracia e evitar abusos não passa de uma perigosa falácia. "Quanto mais o estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando", disse Fernando Pessoa.

O ministro Alexandre de Moraes afirma que o capitalismo não vai se autolimitar. Logo, precisa de limites externos. 
E estes, claro, virão do guardião da democracia, da Constituição, apesar de muitas vezes rasgá-la para atingir seus "nobres" objetivos
Diante de tamanha megalomania, cabe perguntar, com toda a humildade e respeito: e quem vai impor limites ao poder alexandrino, que também pode não desejar sempre o bem da humanidade?


Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 25 de março de 2020

Reflexões sobre a epidemia - Nas entrelinhas

Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica”

Quando as ideias liberais clássicas de Adam Smith pareciam consagradas no Ocidente, em meio à corrida mundial para reinventar o Estado, a epidemia de coronavírus virou tudo de pernas para o ar. O revisionismo reformista de Lord John Maynard Keynes parece renascer das cinzas, com sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Para conter a epidemia, o mundo está mergulhando numa recessão geral, fruto da globalização tanto quanto a propagação do novo coronavírus, que começou na China, tomou de assalto a Europa, se instala nos Estados Unidos e se expande na periferia, na qual países como a Índia e o Brasil se preparam para a uma tragédia anunciada.

Para o keynesianismo, os níveis de consumo, de investimentos público e privados e aplicações dos cidadãos são determinantes da política econômica. Quando eles se retraem, a crise vem a galope. A velha fórmula de Keynes para enfrentar essa situação está sendo exumada por ninguém menos do que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que pretende injetar mais de US$ 1 trilhão na economia norte-americana para aliviar o sufoco gerado pela paralisação da economia. A Casa Branca foi o centro da resistência à política de distanciamento social preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas capitulou, diante da tomada de Nova York pela epidemia. Da cidade mais rica do mundo, a epidemia se espalha por todos os estados da União.

Como na Grande Depressão de 1929, só o Estado pode conter o atual desequilíbrio da economia. Aquela crise teve outras causas: foi consequência da grande expansão de crédito por meio de oferta monetária (emissão de dinheiro e títulos), que precisou ser freada. O governo parou, começou a enxugar o mercado e a operar uma política de restrição de empréstimos. Temendo a desvalorização da moeda, muitas pessoas e empresas retiraram suas reservas dos bancos, dando início a um processo de recessão.

A solução para esse problema seria controlar a recessão, permitindo a liberdade de preços e salários, até que o mercado se adequasse à nova situação. No entanto, ao contrário disso, o governo passou a exercer arrochado controle sobre os preços e os salários, além de promover aumento de impostos. Isso agravou a recessão e, em cinco dias, a Bolsa quebrou, levando à falência empresas e bancos e, ao desemprego, 12 milhões de pessoas nos Estados Unidos, uma recessão que se alastrou por todo o mundo.

A fórmula de Keynes era os governos aplicarem grandes remessas de capital na realização de investimentos que aquecessem a economia de modo geral, além de linhas de crédito a baixo custo para garantir a realização de investimentos do setor privado e a elevação dos níveis de emprego. Mas isso era uma ofensa ao “livre mercado”. Coube ao presidente Franklin Delano Roosevelt, um homem paraplégico por causa da poliomielite, enfrentar a recessão.

Governador de Nova York desde 1928, disputou e ganhou a Presidência dos Estados Unidos em 1932, prometendo um novo e ousado plano de ação para resgatar a nação dos efeitos da grande depressão. Convenceu os americanos de que não havia mais nada a temer. Empossado em março de 1933, em apenas 100 dias, Roosevelt conseguiu aprovar no Congresso seu plano baseado nas ideias keynesianas. O New Deal (Nova Ordem) garantiu US$ 3,3 bilhões para investir na criação de empregos e na recuperação industrial. Nascia o Estado de bem-estar social.

Errático
Roosevelt propôs programas inovadores, que geraram milhões de empregos, e criou a Lei de Seguridade Social, um plano de aposentadoria com abrangência nacional, a grande herança de seu governo. Reeleito três vezes (1936, 1940 e 1944), morreu pouco antes do fim da II Guerra Mundial, na qual foi um dos Três Grandes, ao lado de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico, e Youssef Stálin, o líder da antiga União Soviética, que comandaram as forças aliadas contra o nazifascismo.


Aqui no Brasil, diante da epidemia de coronavírus, a política econômica ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou em colapso. Tornou-se insustentável diante da redução da atividade econômica. Na verdade, seus resultados já eram pífios antes da epidemia. Economistas como Armínio Fraga, Monica de Bolle e André Lara Rezende já vinham questionando o ministro. O mercado já está com saudades do ex-ministro Henrique Meirelles, hoje secretário da Fazenda de São Paulo.

É esse debate que está por trás do embate entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores em relação às medidas de quarentena adotadas nos estados e municípios. Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica. O remédio é deixar morrer. Ontem, foi à tevê, em cadeia nacional, para atacar a imprensa, os governadores e os prefeitos e criticar as medidas de distanciamento social adotadas para conter a epidemia, que continua chamando de gripezinha. Quando parecia ter entrado em entendimento com os demais governantes, recrudesceu. Temos um presidente errático em relação à crise que o país enfrenta. [os governadores nada somam no combate à crise.
Melhor dizendo, somam sim = as quantias que a União tem que repassar aos Estados, para domesticar os governadores - em sua maioria, se procurando com atenção se encontra uma ou outra exceção.]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


sexta-feira, 12 de julho de 2019

A reforma da Previdência e o mito do “almoço grátis”

A ciência econômica é conhecida como “a ciência da escassez”, ou ainda como “a ciência triste”

De fato, há 250 anos, desde a publicação do clássico A riqueza das nações, de Adam Smith, a ciência econômica se propõe um objetivo que é, no mínimo, desafiador: busca equacionar as necessidades ilimitadas dos seres humanos com a escassez dos recursos disponíveis na natureza e na sociedade. Eu ouso dizer que a maior parte da dificuldade em se compreender a necessidade de reformas econômicas fundamentais para a retomada do desenvolvimento econômico do nosso país – como, por exemplo, a reforma previdenciária – é a dificuldade em perceber algo que deveria ser evidente: os recursos disponíveis são insuficientes para atender as necessidades humanas, que são virtualmente ilimitadas, e que, dado este contexto, devemos fazer escolhas, a maioria delas difíceis, porque requerem sacrifícios, ou seja, porque ao fim e ao cabo alguém terá de pagar a conta, mesmo que não perceba. E o fato é que ninguém quer pagar a conta, embora alguém tenha de pagá-la.

É do economista Milton Friedman a famosa frase “não existe almoço grátis”. 
 Alguém sempre está pagando. Mesmo que você não pague o seu almoço, alguém o está fazendo. Muitas pessoas, por exemplo, se queixam dos elevados preços das tarifas dos transportes públicos. De fato, elas são realmente altas. Grande parte deste valor se deve à grande quantidade de gratuidades, isenções e “meias passagens”, pois as empresas majoram o valor das passagens inteiras para preservar o seu equilíbrio económico-social. O mesmo fenômeno se dá nas famosas “meias entradas do cinema”. A existência das meias entradas para uma grande fatia do público leva à majoração do preço da passagem inteira, novamente para preservar o equilíbrio econômico-financeiro das empresas. Não estou aqui dando um juízo de valor. Há argumentos a favor e contra as gratuidades e as “meias” entradas e passagens; o que eu quero dizer é que, sempre que se concede determinado direito a uma fatia da população, isso necessariamente implicará em um dever a uma outra parte. A criação de um direito (por exemplo, o direito ao passe livre estudantil) automaticamente cria uma obrigação (a majoração do preço da passagem e dos subsídios estatais – e por tabela, dos impostos – para financiar este direito).

É a dificuldade em compreender este simples fenômeno econômico (a escassez da riqueza) que bloqueia, na maior parte da população, o entendimento da necessidade e da urgência de uma reforma previdenciária. Temos uma dívida pública crescente que nem sequer amortizamos há seis anos, ou seja, desde 2013. O máximo que fazemos com a dívida é a chamada "rolagem": o governo paga a dívida velha emitindo uma dívida nova. É como se uma pessoa física tomasse um novo empréstimo para pagar o empréstimo que está vencendo hoje. Evidentemente, esta operação implica em um crescimento da dívida, pelo fenômeno dos juros compostos, e tem um limite: a disposição do credor em refinanciar o pagamento da dívida com novos empréstimos. Pois bem: esta é a situação do Brasil no exato momento, pois a última vez que amortizamos a nossa dívida foi em 2013, e desde então só a rolamos. Por que isso acontece? Porque o governo brasileiro, desde 2014, é incapaz de economizar de forma a gerar superávits primários para amortizar a dívida pública; pelo contrário, o governo vem tendo seguidos déficits primários, ou seja, o governo, desde 2014, vem recorrendo ao mercado financeiro para conseguir financiar a totalidade das despesas.

Se não aceitarmos agora, como sociedade, os custos necessários para reformar a nossa Previdência Social, uma catástrofe econômica se-nos avizinhará

Vejamos o quanto é dramática a situação fiscal do Brasil: arrecadamos mais de R$ 1,3 trilhão em impostos, e este ano ainda precisamos pedir ao Congresso autorização para emissão de crédito suplementar no valor de R$ 248,9 bilhões para pagar aposentadorias, benefícios de prestação continuada e Bolsa Família. É dramático que o governo federal, além de não conseguir amortizar a sua dívida, recorra ao mercado financeiro para pagar gastos correntes como o Bolsa Família. Poucos entendem o de fato que foi este pedido. Vi muitas pessoas achando que o governo foi pedir ao Congresso um “crédito” de R$ 248,9 bilhões. De onde sairia este dinheiro? Dos impostos já veio R$ 1,3 trilhão. Seriam novos impostos? Se sim, isto não seria um “crédito”. Não, o governo não foi pedir crédito nenhum ao Congresso, até porque o Congresso não tem esse recurso, pela simples razão de o governo não produzir riqueza. O governo foi pedir ao Congresso, conforme manda a Constituição, autorização para ir ao mercado financeiro captar esse valor pela da emissão de novas dívidas.

Por que chegamos nesta situação catastrófica? Por uma razão simples: porque a nossa demografia mudou radicalmente e a nossa Previdência Social foi concebida de forma que os trabalhadores ativos sustentem os inativos (os aposentados). Este modelo foi concebido num momento no qual a taxa de natalidade era muito maior do que a atual, e a longevidade, muito menor; logo, a proporção de trabalhadores ativos para inativos era, portanto, muito maior do que é atualmente.

O dinheiro da Previdência não nasce por geração espontânea: vem da contribuição dos trabalhadores ativos, dos impostos, e eventualmente (como atualmente) da emissão de dívidas por parte do governo. O problema é que, com a forte queda da taxa de natalidade e o aumento significativo da longevidade, a Previdência Social do Brasil tem se tornado cada vez mais deficitária e, o que é pior, o déficit previdenciário avança em proporção geométrica. Atualmente, os gastos com Previdência já somam 58% do orçamento federal. Se nada for feito, em breve este número chegará a 100%. Será impossível financiar a educação, a saúde, a segurança pública, investir, e muito menos pagar a dívida pública.

Leia também: Previdência, corporativismo e desinformação (editorial de 16 de fevereiro de 2019)

Ou seja, não reformar a Previdência Social será o caminho para o caos, bastante exemplificado pela situação da Argentina e, de forma muito mais grave, pela situação da Venezuela. A Argentina tem hoje uma inflação de 57% ao ano. Isto significa que em apenas 12 meses a moeda argentina perdeu 57% do seu poder de compra. No caso da Venezuela, onde a inflação em 12 meses está em cerca de 1.500.000%, o poder de compra da moeda literalmente foi reduzido a zero e boa parte da economia já se encontra, na prática, dolarizada. Isto é o que pode acontecer no Brasil se o governo não reformar a Previdência: uma explosão hiperinflacionária. Sem poder pagar a dívida, dará o calote em seus credores, o que fará com que estes simplesmente parem de financiar o governo. A alternativa é o aumento de impostos, mas a nossa carga tributária já é altíssima e aumentá-la pode deprimir ainda mais a nossa economia, o que fará a arrecadação do governo cair em vez de subir.

Como o governo detém a senhoriagem, ou seja, o poder de emitir moeda, poderia passar a emitir moeda para financiar as suas despesas, como fazem Argentina e Venezuela hoje. Mas a moeda não existe no vácuo: a moeda é a representação da riqueza e dos bens produzidos na sociedade. Se o governo começa a emitir moeda para financiar seus gastos crescentes sem o lastro necessário (ou seja, sem aumento na produção de riqueza), isto vai gerar um desequilíbrio entre os meios de pagamento disponíveis na sociedade e os respectivos bens e serviços, que permanecem praticamente os mesmos frente ao crescente volume de moeda disponível. Como a moeda é essencialmente uma relação, um aumento de disponibilidade monetária sem uma concomitante criação de riqueza (ou seja, uma expansão do PIB) vai gerar uma desvalorização da moeda, uma diminuição do poder de compra. Isto é o que acontece na Argentina, onde o governo financia os chamados “déficits gêmeos”, com a emissão de moeda, e de forma espetacularmente dramática na Venezuela, onde o Banco Central do país cria dinheiro literalmente do nada para financiar os seus gastos sociais. O resultado dessa loucura financeira é uma desvalorização brutal do poder de compra da moeda, que perdeu 99,99% do seu valor, e o empobrecimento geral da nação, com a redução de 94% da população à pobreza, com cenários distópicos e apocalípticos, como pessoas comendo lixo, bebendo esgoto, matando cães e gatos de rua (e até mesmo pombos) para comer. Isto naquele que outrora foi o país mais rico da América Latina.

Como vimos, não existem soluções fáceis. Daí a “tristeza” da ciência econômica. As necessidades são ilimitadas, mas os recursos são escassos e finitos, e justamente por isso urge fazer escolhas, a maioria das quais exige sacrifícios. Atalhos populistas como os da Venezuela, mais cedo ou mais tarde, sempre levam ao fracasso com custos sociais altíssimos. Porque de fato não existe almoço grátis. Alguém sempre acaba pagando, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Se não aceitarmos agora, como sociedade, os custos necessários para reformar a nossa Previdência Social, uma catástrofe econômica se-nos avizinhará, e os custos sociais a serem pagos serão infinitamente maiores do que os exigidos pela atual proposta da reforma. A Venezuela está aí, bem diante dos nossos olhos, para que possamos ver, e nos precaver enquanto é tempo. Quando alguém vê as barbas do vizinho ardendo, a sabedoria popular recomenda pôr as suas de molho.

Publicado na Gazeta do Povo - Dimitri Martins, mestre em Administração e especialista em Gestão Pública, é analista de Políticas Sociais no Ministério da Economia.