A denúncia dos Procuradores da
Operação Lava Jato sobre
indícios de que a corrupção não foi estancada na Petrobras, mesmo depois de
todas as prisões realizadas e de todas as investigações que estão sendo feitas, é a mais grave que poderia surgir a
esta altura dos acontecimentos, e justificaria a demissão sumária de toda a diretoria atual da estatal, a começar pela
presidente Graça Foster.
Não importa o argumento do Ministro das
Minas e Energia Eduardo Braga de que não há nenhuma acusação contra a atual
presidente da Petrobras ou diretores, pois a
responsabilidade dos dirigentes da Petrobras é muito clara, e se eles
são incapazes de controlar os desvios já denunciados e comprovados, não podem
continuar onde estão.
Outra coisa é a bobagem dita pelo
advogado de Nestor Cerveró, que quis comparar a situação de seu cliente com
a do presidente Graça Foster, que também transferiu seus bens para familiares.
A prisão preventiva é uma medida
cautelar necessária para conter o arroubo do Cerveró em se livrar dos bens.
Mas Graça Foster não está sequer sendo
investigada, portanto, não há nenhum impedimento legal para que ela aliene
os seus bens, o que não impede o Ministério Público, havendo
indícios de improbidade administrativa, de pedir ao Judiciário a anulação das
alienações, notadamente as doações.
O termo “estancado” usado pelos Procuradores
parece ser uma resposta direta à presidente Dilma que em setembro do ano
passado, depois de definir como “estarrecedor”
esquema criminoso da Petrobrás, saiu-se com essa: “Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, eu posso garantir que
todas, vamos dizer assim, as sangrias que eventualmente pudessem existir estão
estancadas”. Foi a primeira vez em que ela admitiu que poderia ter havido “sangrias” na Petrobras. E arrematou a declaração com uma confissão
surpreendente para quem, há 12 anos atua na área, tendo sido presidente do
Conselho de Administração da Petrobras: “Eu não tinha a menor idéia de que isso ocorria dentro da
empresa”.
Em artigo em um site especializado em Direito, o Migalhas, Haroldo Malheiros Duclerc
Verçosa, professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, analisa
a responsabilidade do controlador de uma empresa estatal como a Petrobras, de
economia mista. Ele cita o artigo 117 da
Lei das Sociedades Anônimas, que define que ele responde pelos danos
causados por atos praticados com abuso de poder, dos
quais o dispositivo no seu parágrafo 1º dá alguns exemplos, entre tantas
situações que podem ocorrer:
a) orientar a companhia para fim
estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a
favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou
no acervo da companhia, ou da economia nacional. Ele enquadra nesse item o porto em Cuba e a
compra da refinaria de Pasadena.
e) induzir, ou tentar induzir,
administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus
deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da
companhia, sua ratificação pela assembleia-geral. Os dirigentes das empresas e
os membros de seu Conselho de Administração têm também
o dever de diligência, ressalta o professor, pelo qual o administrador
da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e
diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos
seus próprios negócios.
A própria palavra diligência, diz ele, mostra que o papel do administrador é
ativo e não passivo. “Ele não pode ficar
sentado atrás da sua mesa esperando tomar conhecimento do que acontece na
sociedade que gere e exercer a sua função na medida em que cheguem papéis para
a sua assinatura. Principalmente no que diz respeito ao conselheiro de
administração essa diligência envolve estar sempre atento e não somente isto,
ele deve sair atrás de informações e não apenas aguardar que elas cheguem. Para
tanto ele tem todos os poderes necessários”.
Para deixar clara a responsabilidade dos dirigentes e conselheiros de uma
empresa de economia mista, Haroldo
Malheiros Duclerc Verçosa pergunta aos diretores e conselheiros: “Cadê os relatórios críticos e sua
discordância expressa em relação ao grande baile da Ilha Fiscal? (...) onde
estão os seus votos divergentes, seus pareceres contrários, sua inconformidade,
afinal de contas?
Golpe baixo
A informação do advogado Antônio
Figueiredo Basto,
responsável pela defesa do doleiro Alberto Youssef, de que seu cliente nunca enviou dinheiro nem
para o ex-governador de Minas e atual senador Antonio
Anastasia, nem para o deputado federal Eduardo Cunha,
mais do que inocentar os dois parlamentares nesse caso, traz à tona novamente a
utilização política do processo do petrolão.
Quem induziu o policial federal Jayme
Alves de Oliveira Filho, o Careca, a denunciar os dois parlamentares tinha objetivos claros: inviabilizar a candidatura de Cunha à
presidência da Câmara, e atingir o
presidente do PSDB, senador Aécio Neves. Os dois movimentos têm um beneficiário
direto, o Palácio do Planalto, que de uma cajadada matava dois coelhos. Tirava
do páreo o favorito para presidir a Câmara contra sua vontade, e atingia o
senador Aécio, a principal liderança oposicionista no momento, depois de ter
saído da disputa presidencial com uma votação consagradora.
Essa não é a primeira vez que o doleiro
Yousseff é usado para culpar o PSDB. Em outubro do ano passado, pouco antes
do segundo turno da eleição presidencial, Leonardo Meirelles, tido como testa
de ferro do doleiro nas indústrias farmacêuticas Labogen, afirmou que Yousseff
mantinha negócios com o PSDB e com ex-presidente nacional do partido senador
Sérgio Guerra (PE), morto em março daquele ano. Da mesma forma que está fazendo
agora, o criminalista Antônio Figueiredo
Basto negou a veracidade do depoimento e pediu sua impugnação. Não se pense
que Yousseff tem algum interesse especial em defender o PSDB, tanto que ele
também isentou neste caso o deputado do PMDB Eduardo Cunha. O que o doleiro
teme é que seu acordo de delação premiada seja colocado em dúvida pelo
Ministério Público que investiga a operação Lava Jato sob a coordenação do juiz
do Paraná Sérgio Moro.
A delação de Yousseff foi homologada,
no fim do ano passado, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori
Zavascki, e isso significa que tudo o
que ele contou à Justiça foi provado verdadeiro, ou pelo menos deu pistas
verdadeiras para as investigações avançarem. Se não citou nem Cunha nem
Anastasia, e agora surge a versão do policial Jayme Careca, que era um dos
entregadores do dinheiro para o doleiro, o mínimo que se poderia imaginar é que
Yousseff protegeu alguns clientes especiais em seu depoimento.
Careca, ao contrário, prestou depoimento
e foi solto, não estando sob as condições da delação premiada. Sua denúncia
não precisa necessariamente ser verdadeira na integralidade, pelo menos para
efeitos de benefícios posteriores, como sucede na delação premiada. Agora, será
preciso saber a quem ele estava servindo ao colocar entre os recebedores de dinheiro
de Yousseff dois adversários da hora do Palácio do Planalto. A utilização
política do caso só cessará quando a
Procuradoria-Geral da República apresentar a lista oficial dos que
considera envolvidos de fato no escândalo do petrolão. Até lá, os políticos
estarão sujeitos a efeitos colaterais como jogadas sujas como essa.
Fonte:
Coluna do
Merval Pereira – O Globo