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sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Um tostão furado de fumo podre - José Nêumanne

 O Estado de S. Paulo

O que Bolsonaro diz nada vale no minuto seguinte, seja por ignorância ou esperteza

[dificil entender como funcionam as cabeças dos supremos magistrados;
uma decisão contra uma autoridade que tenha foro especial, dependendo do nível, pode ir direto ao STF;
 mas, decisão contra um criminoso condenado, cumprindo pena e com outra condenação aguardando confirmação em segunda instância e mais uma dezena de processos penais, deve seguir o caminho normal - caso tenha fundamento, não tendo, arquivo;

Lula ia ser transferido devido uma decisão de primeira instância, sobre ela teria que se manifestar o TRF-4, que seria contestada no STJ e continuando a contestação iria ao STF.
Em teoria, réu preso tem prioridade. Qual o motivo do 'em teoria'? Simples, são tantas as ações travadas nas diversas instâncias, que qualquer bandido condenado teria que esperar uns dois anos até a matéria chegar ao Supremo.

No caso de Lula, o STF, 'em menos de 12 horas, a defesa do Presodentro Luiz Inácio Lula da Silva consiga o milagre de que o Supremo Tribunal Federal receba um recurso, [recurso enviado ilegalmente ao Supremo e, ilegalmente, recebido por aquela Corte Suprema] -  coloque em pauta e faça o julgamento?'
Lula atropela tudo e ainda endereça a petição para ministro de sua escolha - no caso Gilmar Mendes.]


Palavra de rei não volta atrás. Esse brocardo do velho regime monárquico sobrevive na boca do povo na República, mas nunca foi exigido dos ocupantes dos cargos mais altos do governo o compromisso inamovível da estabilidade que antes era um dever real.  No caso do Brasil contemporâneo, a instabilidade resulta da completa desmoralização do conceito de divisão dos Poderes cunhado pelo barão de Montesquieu ainda na vigência do Velho Regime, que antecedeu a Revolução Francesa, no século 18. O Legislativo se fortalece na situação de poder real sem a devida autorização constitucional para substituir o Executivo e este se dá ao desplante de violar a Constituição. O Judiciário exime os seus próprios mandatários do mais alto escalão de prestarem conta de seus deveres, jogando no lixo o mais pétreo de todos os conceitos da democracia: o da igualdade de todos os cidadãos perante o talante da lei.


No impeachment de Dilma Rousseff, um acordo entre os então presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, mandou às favas o princípio constitucional da obrigação do chefe de Estado deposto de passar oito anos sem cargo público. Em nome do direito sagrado da petista a ser “merendeira da escola”, a ex-“presidenta” foi dispensada da obrigação constitucional, candidatou-se ao Senado por Minas e foi punida pelo eleitor com o último lugar na contagem dos votos.  O atual presidente do STF, Dias Toffoli, extrapolou muito suas funções ao decretar punição rigorosa da lei a qualquer cidadão que criticar publicamente os membros de sua grei. Do alto de sua delirante onipotência, ele indicou o colega Alexandre de Moraes para relatar o inquérito punitivo, sem sorteio nem consulta aos pares do plenário. No Brasil de hoje, decreto de presidente do STF não se discute, cumpre-se, como diziam os políticos de antanho em relação aos juízes em geral. O relator censurou a revista Crusoé por ter publicado notícia oficial considerada ofensiva à honra de el-rey.


O mundo desabou sobre Moraes e a censura caiu. Mas a decisão abusiva, monocrática e totalitária, com data de extinção prevista durante o infame “recesso branco” dos supremos magistrados, foi prorrogada até novembro. Em 1.º de agosto, agora mês de nosso maior desgosto, o inquérito 4.781 do STF ganhou novas e mais graves consequências. Decretou a condenação de qualquer cidadão que ouse insultar os supremos no velho e sagrado sigilo telefônico. E mais: suspenderá do cargo e do serviço público o servidor de Banco Central, Coaf e Receita Federal que fiscalizar movimentações financeiras da cúpula dos três Poderes. Nem do registro dos abusos de Nero consta ignomínia de tal jaez.


No Brasil, assim como a plebe assistiu ao golpe militar que gerou a República insana, só resta penar “bestializada” (apud José Murilo de Carvalho) sob arroubos tirânicos do advogado reprovado duas vezes em concursos para juiz de primeira instância. No Congresso, paralisado por seus próprios “malfeitos” (apud Dilma Rousseff), ninguém se arrisca a perturbar os deuses imperfeitos do raso Olimpo. Na Câmara, Rodrigo Maia, o Botafogo do propinoduto da Odebrecht, tem a autoridade moral de uma lesma para evitar esta assustadora, mas não surpreendente, tomada de poder pelos togados. No Senado, outra eminência do baixo clero, Davi Alcolumbre, não é besta de chamar a atenção para um Poder que acaba de perdoá-lo por eventuais traquinagens contábeis em eleição, depois do perdão majestático da rainha Rosa Weber.


Um bando de néscios da extrema direita, que se acham no poder porque têm acesso ao regente Carlos, por copiarem suas diatribes no Twitter, ainda acredita na iniciativa do chanceler Eduardo de fechar o STF com um jipe, um cabo e dois soldados. E na inocência do mano Flávio, coveiro da CPI da Lava Toga no Senado. É de matar de rir. Ou de chorar. Nesta entrada de oitavo mês de governo, o pai deles, Jair, já abusou da própria incapacidade de usar palavras no sentido certo. Não se sabe se é por ignorância ou se é por esperteza. Com o aval de Donald Trump, insiste na ideia de nomear o caçula Eduardo, embaixador em Washington. Não é nepotismo, pontificou. 

E Trump, em pessoa, ecoou. Rasguem os dicionários, queimem-nos em praça pública, a palavra que denuncia a prática incompatível na República (beneficiar parente com dinheiro público) virou hipocrisia. Assim como qualquer pessoa que considere alguém do STF passível de fiscalização tributária, o cristão que discordar do capitão e seus filhotes foi, é e será sempre hipócrita. Será insultado de hipócrita, por exemplo, quem não acha certo o clã ter nomeado 102 garrotes mamões das tetas da loba que nutriu Rômulo e Remo, fundadores de Roma. Trata-se de um recorde de não se orgulhar. Mas se o fato destoa, pior para ele. A “nova política” mata a “velha” de vergonha.


Jair assombrou a Nação dizendo que sente falta de um ministro “terrivelmente evangélico” no STF. Seu advogado-geral, André Mendonça, é o nome que cabe nesse susto. Pastor evangélico e fâmulo de Toffoli. Que importa que tenha dito que a vaga do decano Celso de Mello, a ser aberta em 11 meses, seria de Sergio Moro? Inspira-se em Michel Temer. Verba volant, este escreveu. As de Jair comem alpiste na gaiola.  Ele disse a senadores que queriam manter o Coaf na Justiça que na Economia as diretrizes de Moro seriam mantidas por Paulo Guedes. Mas agora pressiona o ministro da Economia para defenestrar Roberto Leone, presidente do Coaf escolhido pelo ex-juiz. O motivo da demissão seria sua crítica à decisão de Toffoli que, ao proibir o compartilhamento de dados da inteligência financeira, da Receita Federal e do Banco Central, com o Ministério Público e a Polícia Federal, beneficiou o primogênito Flávio.

Como dizia meu avô, a palavra do presidente não vale um tostão furado de fumo podre.

Blog do Nêumanne -  José  Nêumanne, Jornalista, poeta e escritor - Publicado na pág. A02 de  O Estado de S. Paulo


sábado, 3 de fevereiro de 2018

Liderado por Cármen Lúcia, STF descarta rever prisão após 2ª instância

Suprema responsabilidade

Com a presidente Cármen Lúcia à frente, o STF mantém o entendimento da prisão após a condenação em segunda instância e confere novo tom a uma Justiça que não se curva aos interesses políticos 

Nos últimos tempos, o Supremo Tribunal Federal foi pródigo em emitir sinais trocados. Enquanto integrantes da corte ensaiavam um perigoso flerte com a política, a intromissão em decisões do Legislativo e Judiciário parecia virar regra – comportamento esse adotado na contramão da esperada harmonia dos Poderes pregada pelo iluminista do século XVII Barão de Montesquieu. Na última semana, o Supremo protagonizou uma importante inflexão. Ventilada a hipótese de alteração na regra de execução penal, o tribunal, enfim, investiu-se de sua função essencial de corte constitucional – responsável por aplicar a Constituição e assegurar o equilíbrio da Justiça. Numa escalada sem precedentes contra a impunidade, a presidente do STF, Cármen Lúcia, amplificou o tom do discurso e criou, com a contribuição de magistrados, juristas e integrantes do Judiciário, uma espécie de cordão de isolamento a fim de evitar qualquer possibilidade de mudança na norma que estabelece a prisão após condenação em segunda instância. 

A ministra foi contundente. Primeiro, disse que usar o caso envolvendo Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo TRF-4, para revisar a norma seria “apequenar” o STF. Horas depois, Cármen afirmou, de maneira peremptória, que o tema não entraria na pauta de discussões do tribunal. “O Supremo não se submete a pressões para fazer pautas. A questão foi decidida em 2016 e não há perspectiva de voltar a esse assunto. Não há pauta sobre isso neste momento. Portanto, não há o que se cogitar”.

Na quinta-feira 1, a presidente do STF elevou ainda mais os decibéis ao cunhar a mais dura declaração contra os que insistem em desrespeitar o Judiciário e a se insurgir contra suas decisões, fazendo a apologia da desobediência civil – um crime, por óbvio: “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e nos juízes competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”, sapecou ela.
“Usar o caso envolvendo Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo TRF-4, para revisar a norma seria apequenar o STF”
“O Supremo não se submete a pressões para fazer pautas. A questão foi decidida em 2016 e não há perspectiva de voltar a esse assunto. Não há pauta sobre isso”
“Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”

[os advogados de Lula efetuaram uma manobra que talvez dê uma oportunidade do condenado não ser preso de imediato ou até force o Supremo - nos referimos ao Plenário daquela Corte -  a reexaminar a questão, mesmo contra a vontade da ministra Cármen Lúcia.]

MINISTROS EM SINTONIA
Filósofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga, Sócrates aconselhava os magistrados a ouvir cortesmente, responder sabiamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente. No âmbito da polis grega, entendia-se o juiz como um integrante do Judiciário presente e próximo à sociedade. Pela sentença de Sócrates, percebe-se que não se exigia do magistrado uma distância das pessoas e do clamor popular. É o que se observa agora. Ao firmar jurisprudência, ainda em 2016, no sentido de que, após a condenação penal em segunda instância, é possível dar início ao cumprimento da pena, o STF restabeleceu o entendimento de que não é necessário esgotar todos os recursos para que o réu possa ser preso. A decisão do Supremo foi um passo importante para combater a morosidade da Justiça, responsável por alimentar a sensação de impunidade no País – além de ter aumentado consideravelmente a eficácia da ação do Ministério Público, da Polícia Federal e da Justiça no combate aos crimes de colarinho branco.

Nos últimos dias, os ministros não só mostraram que não irão recuar, como aumentaram o coro em favor da não revisão da sessão original. A ministra Rosa Weber, por exemplo, havia votado contra a prisão após condenação em segunda instância, mas tem defendido a manutenção do placar inicial. Outro que havia apoiado o trânsito em julgado somente após a sentença nas três instâncias, o ministro Marco Aurélio Mello adiantou na semana passada que não vai cobrar da presidente Cármen Lúcia a inclusão do tema novamente na pauta. Para ele, é jogo jogado. O ministro Alexandre de Moraes não participou da primeira votação, mas também se soma à corrente favorável à manutenção da prisão em segunda instância. Até o ministro Gilmar Mendes que chegou a insinuar uma mudança de opinião, calibrou o discurso: “No caso da condenação pelo colegiado em segundo grau a decisão está tomada. E a hipótese de enquadramento da situação jurídica de Lula na Lei da Ficha Limpa é de clareza aritmética”, afirmou na quinta-feira 1. O PT, como já era de se esperar, segue na toada de afrontas ao Judiciário. 

A depender do partido, seria criada uma excepcionalíssima norma que poderia ser batizada de “Regra Lula”, para ajustar a lei aos interesses do líder maior da legenda. Os porta-vozes dos ataques à Justiça foram os de sempre. Enrolado em processos da Lava Jato, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) chegou ao desplante de afirmar que “apequenar o Supremo” é “aceitar a política de intimidação e constrangimento”, segundo ele, adotada não pelo PT, mas por “magistrados de instâncias inferiores”, referindo-se ao juiz Sérgio Moro, responsável pela condenação de Lula em primeira instância no caso do triplex do Guarujá. O petista ainda usou palavras mais duras para criticar a presidente do Supremo: “Cala boca voltou? Censura ou prendo e arrebento voltaram também? É estarrecedor que o STF condicione o julgamento de um réu a declarações de terceiros”.  

Na mesma linha do pupilo, o próprio Lula também dirigiu sua artilharia ao Poder Judiciário. Sem papas na língua, disse que “eles construíram um cartel para dar uma sentença unânime”. Já o deputado petista Carlos Zarattini esbravejou sem qualquer escrúpulo de delicadeza contra a presidente de um poder: “Cármen Lúcia é inepta”.
A choradeira do PT não surpreende. O que soaria inconcebível é se o tribunal se dobrasse às pressões do partido. Seria como se o Supremo assinasse a ficha de filiação petista, legenda que diuturnamente esculhamba o Judiciário, classificando-o de “acovardado”, como já o fez Lula, e prega a “desobediência civil”. Estaria, dessa forma, consumado o processo de desmoralização do tribunal.  [Causa espanto a leniência do Poder Judiciário, que ultrapassa uma hipotética prudência e beira à leniência, ainda não ter adotado medidas enérgicas contra Lula e seus sequazes.
Não fosse essa conduta inexplicável, Lula, Gleisi, Lindbergh, estariam presos e tudo dentro da mais rigorosa legalidade.
Lula na condição de criminoso condenado, em liberdade provisória, aguardando apenas o decreto de prisão - já que sua culpa não pode mais ser afastada - não pode se manifestar ofendendo o Poder Judiciário - sua prisão impõe-se;
Lindbergh e Gleisi - ambos réus em processo penal - no caso de flagrante delito de prática criminosa não dispõe de imunidade por serem senadores da República. Estão concitando a população para ações belicosas contra autoridade legalmente constituídas e que integram um dos Poderes da República - estão cometendo crime e mais grave, inafiançável. 
Assim, já deveriam ter sido presos em flagrante delito e a existência do flagrante o crime inafiançável os levaria inapelavelmente para a cadeia - no caso de Gleisi com a agravante de já ser ré.
Difícil de entender essa omissão, que abala o conceito do Poder Judiciário.]

Revisar a prisão em segunda instância agora seria um duro golpe no enfrentamento à corrupção e no combate à impunidade que tanto reinou no Brasil. Puro casuísmo para livrar Lula da cadeia. Nas precisas palavras de Claudio Lamachia, presidente da OAB, “Justiça é Justiça e política é política” e “a independência do Judiciário é pilar do Estado Democrático de Direito.” Assim sendo, o intento do PT, felizmente, não irá prosperar. Com Cármen Lúcia à frente, o STF não abrirá mão de sua principal atribuição constitucional, a de guardião da República.

Tábata Viapiana, IstoÉ

domingo, 18 de junho de 2017

“Judiciocracia” em expansão

Por mais boa vontade que se tenha para entender que, em momento de aguda crise, o Poder Judiciário substitui eventualmente a toga pelo manto legislativo, no presente momento a mudança de papéis cria profundas rachaduras na base do triângulo do poder arquitetado pelo barão de Montesquieu.

Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não estão funcionando a pleno vapor, como incautos apregoam, e os princípios da harmonia, independência e autonomia que devem inspirar seu funcionamento sofrem forte corrosão.   A razão está à vista: o corpo político passa por prolongada cirurgia, que procura estancar a metástase que ataca parcela expressiva de seus membros. O Poder Executivo é submetido a intenso bombardeio por parte do Procurador Geral da República, sob aprovação do Poder Judiciário.


A Polícia Federal, que se subordina ao Ministério da Justiça, faz uma montanha de perguntas ao presidente da República, de forma direta, sem  obedecer a liturgia burocrática.  O Tribunal Superior Eleitoral, cuja missão é a de verificar se a legislação eleitoral é cumprida, transforma-se em corte penal, assumindo perigosamente papel que cumpriria a outra instância.  O resultado do intrincado jogo de poder é uma interpenetração de competências que se desdobram em outros níveis, como o que se observa nos territórios da Polícia Federal e do Ministério Público, este dizendo que aquele tenta absorver suas tarefas.

Ensaios de guerra
O imbróglio se expande. O Poder Legislativo, que tem mais de 200 nomes arrolados em denúncias da Operação Lava Jato, passa a recitar a máxima latina: se vis pacem para bellum ( se queres a paz, prepara-te para a guerra).

Na demonstração de que a arena de lutas tende a se estender, o Legislativo aplaina o caminho para formar a CPI da JBS, para a qual seria convocado o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato. Sobre ele recai versão de que teria sido ajudado pelo grupo dos Batista  no pleito para se tornar ministro do Supremo.  Ainda na linha de tiro de guerra, o exército parlamentar prepara-se para rejeitar pedido de denúncia para investigar o presidente da República, a ser encaminhado pelo PGR ao STF. Como se sabe, este pedido deverá ser autorizado pela Câmara dos Deputados.

Esta é uma banda das tensões. Mas uma questão central remanesce: o STF está entrando no terreno legislativo? Não deveria apenas informar às Casas congressuais sobre suas omissões? Gilmar Mendes, por exemplo, questiona a “sanha punitiva” que estaria por trás das decisões de alguns membros do TSE, achando que o Judiciário não pode e não deve resolver a crise política. Querem tirar o presidente? Que transfiram essa decisão ao Parlamento.

O fato é que a missão precí­pua do STF é interpretar a Constituição ante a falta de clareza ou inexistência de leis que detalhem normas sobre os mais diversos assuntos de inte­resse social. Os magistrados têm passado razoável parcela de seu tempo a julgar crimes. De Corte Constitucional o STF vestiu o manto de Corte Criminal.

Legislação judiciária
A mudança de comportamento dos magistrados tem se acentuado nos últimos anos. De um comportamento mais cauteloso nos idos de 90, quando apenas comunicavam ao Par­lamento a falta de leis, passaram a produzir regras, deixando o des­conforto de lado. Nos últimos tempos, sob o empuxo de demandas da sociedade civil, o STF reposicionou-se no cenário institucional, tomando decisões de impacto, inclusive de fundo político, sem se incomodar com críticas sobre invasão do território legislativo. Nessa direção se incluem decisões em áreas como aposentadoria especial (decorrente de trabalho insalubre), direito de greve no serviço público, criação de municípios e criação de cargos no modelo federal.

A legisla­ção judicial, portanto, aparece no vácuo da legislação parlamentar. Não há, nes­se caso, transgressão ao princípio democrático de que o representante eleito pelo povo é quem detém o poder de legislar? Em termos, sim. Mas a questão pode ter outra leitura. A construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme preceitua a Constituição, se assenta na preservação dos direitos individuais e coletivos. Os princípios da autonomia, harmonia e independência dos Poderes, sob sistemas políticos em processo de institucionalização, acabam ganhando certa frouxidão. Compreende-se, assim, a interpenetração de funções dos Poderes do Estado.

E assim, na esteira de maior participação do Judiciário no campo político, emerge o conceito de “judiciocracia”, neologismo para designar uma democracia feita sob obra e graça do Poder Judiciário.  Lembre-se, também, que a tendência de maior participação dos tribunais em ações legislativas e executivas decorre da própria “judicialização” das relações sociais, fenômeno que se expressa de maneira intensa tanto em democracias incipientes quanto em modelos consolidados, como os europeus e o norte-americano, nos quais os mais variados temas envolvendo políticos batem às portas do Judiciário.

A nova arquitetura da política nacional pode ser vista sob a perspectiva do contencioso que locupleta as estantes judiciais. Contencioso que tem aumentado nos últimos tempos, quando entraram na agenda institucional eventos ligados à corrupção. Desenvolve-se um intrincado roteiro. O Poder Executivo inunda canais da Justiça para ampliar e garantir suas de­cisões. O Legislativo instaura agenda de Comissões de In­quérito, ampliando frentes de luta política.  O Ministério Público flagra ilícitos de toda ordem, enca­minhando farta pauta de conflitos ao Judiciário, na convicção de que a sociedade brasileira é “hipossuficiente” e, portanto, carece de braços mais longos de defesa.

Minorias políticas recorrem às Cortes para fa­zer valer direitos. Associações civis e esferas governativas produzem um bocado de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs). A questão é: esse novo modo de fazer política melhora a qualidade da democracia? Ou confere excessivo poder aos Tribunais, resultando em desmesurada intervenção nos conflitos políticos?
Esta é a pergunta crucial que só será respondida depois da crise.

Fonte:  Gaudêncio Torquato É jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter @gaudtorquato