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segunda-feira, 1 de abril de 2019

1964 E A LIBERDADE DE OPINIÃO

Você pode pensar o que quiser sobre a Proclamação da República e sobre a Revolução de 30. 

Quase ninguém sabe o que aconteceu no dia 10 de novembro de 1937 (golpe de Estado com que Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo e implantou uma ditadura de Congresso fechado, censura, tortura e repressão que durou até 1945). 

Você tem total liberdade de opinião sobre a Revolução Francesa, pode reverenciar a Revolução Bolchevique, chorar nos túmulos de Lênin, Fidel e Chávez.  

Mas não se atreva a divergir da narrativa dominante sobre o que aconteceu no Brasil no dia 31 de março de 1964. Não se atreva!

Em consonância com essa vedação, a OAB encaminhou à ONU um documento que denuncia “a tentativa do Presidente e de outros membros do governo de modificar a narrativa histórica (!) do golpe que instaurou [no Brasil] uma ditadura militar”. A citação entre aspas foi buscada no site do instituto Vladimir Herzog, cossignatário da denúncia. Com mínimas variações, consta de todas as matérias sobre o assunto publicadas nas últimas horas. Nelas está afirmado haver uma “narrativa histórica” que, a juízo dos denunciantes, não pode ser modificada. Trata-se de algo nada científico, principalmente numa ciência social, mas perfeitamente descritivo de uma prática que se vai tornando corriqueira. É como se a História fosse um campo de liberdade criativa semelhante à do vovô que conta aos netinhos estórias de quando “era uma vez”. [comentário 1: a OAB e o Instituto Valdimir, não andam muito bem de raciocínio, parece que lhes falta noção;

o tal 'instituto', cúmplice da escorregada da OAB no trato do direito até que merece uma certa 'comiseração', haja vista não ser o DIREITO a sua seara;
quanto a OAB é absurdo que cometa erro tão elementar: quanto tentava impedir que milhões de brasileiros exercessem seu direito soberano de comemorar o evento que sepultou, mais uma vez, os planos de maus brasileiros em transformar nossa Pátria Amada em satélite da URSS, aquela associação de advogados cometeu um erro elementar:
- se valeu do 'mandando de segurança' para combater o exercício de um direito do presidente da República - promulgar atos administrativos -, falha esta que levou o ministro Gilmar Mendes a sequer conhecer do pleito da OAB.]
 
O que de fato pode ocorrer, e frequentemente ocorre quando um mesmo fato histórico envolve posições antagônicas, são interpretações diferentes. Na minha experiência, interpretações históricas implicam honestidade intelectual e são muito mais precisas, ainda que divergentes, do que as “narrativas” dominantes em tantas salas de aula no Brasil. Exemplo recentíssimo: a grande campeã do Carnaval carioca de 2019 – tendo aderido a uma narrativa desonesta, pondo-se a serviço de um projeto político e ideológico espezinhou na avenida vultos admiráveis da nossa história, como o Duque de Caxias e a Princesa Isabel. Por quê? Porque isso convém à ideologia do conflito. Mas foi pura mistificação.

Assim, é extremamente arrogante e dogmática a intenção de estabelecer, sobre determinado acontecimento, uma “narrativa” cláusula pétrea, imexível, inequívoca e unívoca, mesmo quando muitos dos que vivenciaram aqueles dias, testemunhas do ambiente, das circunstâncias e dos eventos, atendo-se aos fatos, têm interpretações divergentes.
Felizmente não há, no Brasil, uma Reitoria Brasileira de Pontos de Vista, ou uma Corregedoria Geral de Perspectivas, ou uma Agência Nacional Reguladora de Opiniões. 
Isso é orwelliano demais para meu apreço pela liberdade.
 
Pericial Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. 

Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.



quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O guarda da esquina

O guarda da esquina

Haverá retrocessos, mas não consigo ver o Congresso fechado ou o Supremo calado. Qual general daria um golpe para manter um capitão?

A frase é atribuída ao ex-vice-presidente Pedro Aleixo e teria sido dita durante a reunião em que o general-presidente Costa e Silva assinou o AI-5, o ato institucional que consolidou a ditadura no Brasil, no dia 13 de dezembro de 1968. Questionado se duvidava das mãos honradas do presidente, que seria o único juiz da aplicação do ato, o vice-presidente civil respondeu: “Das mãos honradas do presidente Costa e Silva, jamais. Desconfio é do guarda da esquina.” Pedro Aleixo queria dizer que o perigo da ditadura estava no poder que se assentava nas mãos de uma escala de autoridades que descendia do presidente da República até o guarda que vigia a rua.

Claro que os presidentes que governaram sob o AI-5 usaram o poder conferido pelo ato para fechar o Congresso, cassar mandatos políticos, suspender direitos civis e adotar medidas sem qualquer tipo de consulta ao povo ou aos seus representantes, mas foram os “guardas da esquina” que abusaram. Foram oficiais e praças das Forças Armadas e das PMs, delegados e agentes das polícias Federal e Civil que fizeram prisões ilegais, sequestraram, torturaram e mataram aqueles que, ao seu juízo, eram inimigos do regime. Também muitos civis, sádicos e simpatizantes, transformaram-se em algozes e participaram da barbárie que durou mais tempo do que o próprio ato.

Hoje, no Brasil, o discurso original de Jair Bolsonaro, o candidato que tem mais chances de ganhara eleição e se eleger presidente do Brasil, incita novos “guardas da esquina”. Por ora, os empoderados pelo seu grito de guerra são em sua maioria civis, jovens, muitos de classe média, que se sentem encorajados e agridem qualquer um que pense de modo distinto do seu. Ofensas pessoais no Brasil não assustam ninguém desde que o “nós contra eles” foi inaugurado pelo ex-presidente Lula. O problema é quando as ofensas se transformam em atos.

O ódio e a intolerância que tomaram o Brasil durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma, separando petistas e antipetistas, ganharam carga explosiva quando Bolsonaro passou a representar o anti-PT. Até então, o máximo que se via eram ofensas nas redes sociais, alguns bate-bocas públicos, coros e vaias em shows musicais e legítimas manifestações de rua. Agora, estamos assistindo a uma escalada de violência que já resultou em inúmeras agressões físicas e pelo menos numa morte, a do capoeirista Mestre Moado Katendê, na Bahia. [o único vínculo que liga o assassino ao capitão Bolsonaro é que o homicida vestia uma camisa com publicidade da candidatura de Jair Bolsonaro, que milhões de brasileiros vestem.
Se qualquer um deles praticar um ato criminoso vestindo uma camisa do Bolsonaro, é lícito, honesto, legal, tentar responsabilizar Bolsonaro?
Outro vínculo liga a vítima ao capitão, qual seja: Bolsonaro foi vítima de covarde agressão a faca e graças a DEUS conseguiu sobreviver - embora ainda convalesça das cirurgias que sofreu.] 
 
O capoeirista, que votou em Haddad, foi morto com 12 facadas por um eleitor de Bolsonaro depois de uma discussão política. No Paraná, um estudante foi espancado por um grupo de dez homens porque usava um boné do MST. [o MST é autor contumaz de covardes atentados, tanto o próprio MST - chamado pelo presidiário Lula de 'exército de Stédile' - quanto seu braço Via Campesina.]  O nível de agressividade tem tudo para extrapolar para além da campanha se Bolsonaro não desautorizar imediatamente e de maneira categórica os que intimidam e agridem pessoas na defesa de seu nome, e que são minoria. Depois da morte de Mestre Moa, o candidato apenas lamentou o episódio e indagou: “um cara com uma camisa minha comete lá um excesso, o que eu tenho com isso?”. [Bolsonaro não só desautorizou qualquer agressão aos que não votaram nele, como também aconselhou tais agressores a votarem em Haddad ou em brando e nulo.]
 
Não foi excesso, candidato, foi assassinato. E outros ocorrerão durante e depois da campanha se nada for feito já. Jornalistas, artistas, ativistas são agredidos diariamente nas redes sociais por eleitores inconformados com a crítica ou o contraditório. Mas isso já víamos no Fla-Flu de coxinhas e mortadelas, a novidade é que agora também são ameaçados de estupro, tortura e morte. Intimidação é a nova regra. Até mesmo candidatos a governador que disputam o segundo turno recorrem ao expediente. O clima é de truculência.

Não acredito que Bolsonaro, eleito, seja uma ameaça à democracia. Os pesos e contrapesos da sociedade organizada no Brasil devem impedir qualquer aventura. Mesmo que consiga atrair a maioria parlamentar, não conseguirá avançar sobre as instituições de maneira a mudá-las ou mutilá-las. O Brasil ficará mais conservador sob uma gestão de Bolsonaro. Haverá retrocessos em conquistas civis, mas não consigo ver o Congresso fechado ou o Supremo calado. Qual general daria um golpe de estado para manter um capitão no poder? O que está claro é que, se Bolsonaro não der um basta agora, veremos muitas cenas de violência nas ruas das cidades.

Ascânio Seleme - O Globo