Sejamos pragmáticos: essa é a guerra que o endiabrado Trump sonhava para desviar a atenção sobre o seu processo de impeachment. A guerra da empulhação. E todo mundo caiu nessa. Até o bajulador mandatário dos trópicos, o Messias Bolsonaro, que não entendeu nada das reais intenções do ídolo — ou entendeu e se deixou levar, típico dele! Um conflito armado contra os inimigos terroristas (o marketing nesse sentido pega bem) poderá, torce e imagina Trump, levar ao alinhamento automático dos conterrâneos em torno de sua liderança, às vésperas da eleição. E aí acabam as resistências e a batelada de denúncias, que ganham o rumo do escanteio, do quase esquecimento. É o que o beligerante chefe do mundo livre precisa no momento. Trump tem razões políticas pessoais, mais do que de qualquer outra natureza, para essa provocação desmedida ao regime dos aiatolás.
E leva o mundo junto. Ingleses enviaram navios para a região do Golfo. Chineses, russos e demais europeus também entraram na praça de combate. Alertas, ameaças, críticas partem de lado a lado e no xadrez da diplomacia as peças vão se movendo estrategicamente. O único peão suicida a pular casas na frente, de improviso, sem qualquer noção do que está em jogo em seu prejuízo, é o governo brasileiro. Bolsonaro no papel de estafeta foi logo emprestando apoio e incentivo às ações fora de tom do presidente americano — criticadas inclusive por seu staff militar e por aliados políticos. Sem nenhuma razão concreta para tanto, o capitão do Planalto voltou a prestar vassalagem incondicional ao líder yankee. E foi repreendido. Inclusive pelos parceiros iranianos, que pediram explicações. Diplomatas tiveram de, em seu nome, contemporizar. Remendar o estrago. E nem poderia ser diferente. Alguns dirão que a opção de Bolsonaro de tomar um lado é correta. Apelam à visão desvirtuada e maniqueísta de uma disputa entre o bem e o mal para sustentar o argumento.
[Bolsonaro e o próprio Trump aprenderam que uma guerra, especialmente se não for de defesa - o Irão não tem a menor condição de atacar território brasileiro ou americano - só começa se quem for participar (os militares) concordarem.]
Ingenuidade pura. Lamentavelmente não é tão binário e cristalino o quadro. Há diversas nuances e questões na mesa. Para o Brasil, por exemplo: o Irã não pode ser encarado como esse vilão implacável que a tudo destrói e nada acrescenta.
No ano passado acumulou-se um saldo de US$ 2 bilhões de superávit na balança com o Irã. Lucro líquido na veia.
Mais de 20% das receitas comerciais de exportação nacional tiveram origem na região do Golfo e é preciso ficar atento a essa variável que pode, de uma hora para outra, virar, a depender dos humores e precipitações irascíveis do capitão e de seu chanceler sem freio, Ernesto Araújo. O Itamaraty já errou feio em liderar uma manifestação contra o Irã recentemente, classificando generais de terroristas. [Presidente Bolsonaro o senhor classificou, corretamente, o Brasil como 'pequeno demais para essa guerra'.
O Ernesto Araújo falou bobagem e fica dificil até explicar sua crise verborrágica, falou muito para dizer o que ficaria melhor não sendo dito - tenta posar de 'falcão' sem medir as consequências.
Um diplomata, especialmente o chefe dos diplomatas, precisa antes de tudo ser diplomata.
Talvez já passe da hora de trocar um pseudo falcão por um diplomata autêntico.]
Renunciou a histórica imparcialidade — também entendida como esperta ambiguidade — prevista na Constituição, para trabalhar abertamente a favor da causa trumpista. A chancelaria orquestrou de maneira direta e apelou, durante encontro em Bogotá na Conferência Hemisférica contra o Terrorismo, para que os países latinos cerrassem fileiras, ombro a ombro, com os EUA em uma eventual ofensiva contra o regime iraniano. O que isso quer dizer não ficou claro. Teriam os brasileiros de pegar também em armas? Vai saber! O certo é que o propalado viés pacífico, de isenção da Nação, foi para as calendas. Até aqui, em mais de um ano de gestões e aproximações com o time de Trump, Bolsonaro não angariou sequer um único intento ou vantagem efetiva em troca dos afagos que fez ao aliado. Liberou da necessidade de vistos os americanos, sem contrapartidas. [medida que ainda está atravessada na garganta de milhões de brasileiros.]
Renunciou a vantagens na OMC numa desastrada manobra, também não ganhando nada de volta. Acatou preços competitivos de produtores de combustíveis dos EUA para vender com facilidades por aqui, em detrimento dos fornecedores locais. Em suma, incorporou uma subserviência despropositada e irresponsável. Seria por mera admiração ou tática ideológica? Em Washington, os seguidores mais fanáticos aplaudiram a audácia do líder Trump, tomaram conta da legenda republicana e abafaram a ira do velho e experiente establishment do partido. Mas as derrapagens do presidente estão a causar estupor em todo o planeta. Anos atrás, antes que Trump alcançasse o poder, França, Grã-Bretanha, Alemanha, China e Rússia, alem dos EUA, em um histórico acordo, amarraram um entendimento nuclear com os persas para frear a corrida armamentista já em franca escalada na região. Trump entrou e mandou tudo às favas. O risco bélico retornou com potencial destruidor, em um nível incomparável desde a Segunda Grande Guerra. Agora é torcer para não acontecer o pior. [não haverá guerra.]
Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três - IstoÉ
Risco
assumido: Soleimani usava a tática da audácia, com sucesso, e isso
levou a czar com os Hellfires Office of the Iranian Supreme Leader/AP
Em primeiro lugar, o mais importante: não vai ter terceira guerra mundial.
O assassinato bem público de Qassem Soleimani, o homem que montou o “eixo xiita”, não pode ter sua importância subestimada, mas também não deve ser superestimada. Por que Rússia ou China, as únicas potências nucleares que bancariam uma guerra generalizada contra os Estados Unidos, colocariam a própria sobrevivência em risco por causa do Irã? A garantia de que as potências não se incinerem nuclearmente continua a ser a destruição mutuamente garantida.
[Não somos 'experts' em política, mais ainda internacional, mas, temos a convicção de que não haverá guerra nuclear - a terceira guerra mundial, se houver, poderá até justificar o classificação, devido suas consequências se estenderem por todo o mundo mas, não será nuclear.
O histórico da 'desavença' entre os EUA x Irã, não fortalece o risco de uma guerra. Pior foi em 1979 quando a embaixada dos Estados Unidos em Teerã foi invadida por universitários iranianos = alguns mais açodados logo dizem: mas, o presidente dos EUA era o Carter, um pacifista.
Só que a questão se arrastou e foi resolvida em 1981, quando os EUA era presidido por Ronald Reagan, um falcão. E a matéria, em seu primeiro parágrafo, é eloquente, ainda que com poucas palavras, em informar os motivos do não confluo.]
Também despertam em jornalistas, no calor dos acontecimentos, o desejo atávico de chamar atenção e prognosticar o futuro. Seguem-se títulos ou quadros do tipo “Como seria a terceira gerra mundial”.
Mas formar opiniões sobre temas existenciais a partir das conversas dominantes no Face ou no Zap não é exatamente profissional. Mesmo uma guerra envolvendo diretamente Estados Unidos e Irã é improvável. Ressalvado-se, evidentemente, o fator aleatório, o acontecimento imprevisível que empurra as pedras do dominó da guerra.
No primeiro de seus muitos erros de cálculo: achava que poderia aproveitar o enfraquecimento militar provocado pela revolução dos aiatolás e dominar o fundo da “boca” marítima do Golfo Pérsico para o escoamento de petróleo. O resultado foi o oposto, o Iraque ficou bloqueado e tinha que exportar petróleo via Kuwait (ajuda que pagaria depois invadido o vizinho menor).Os Estados Unidos montaram uma frota para proteger os petroleiros kuwaitianos (na verdade, iraquianos) e aí aconteceu o desastre. O comandante da fragata Vincennes confundiu um avião de passageiros com um de guerra e, com janela de quatro minutos para tomar uma decisão, autorizou o disparo de mísseis.
Resultado: 290 mortos, incluindo 66 crianças.
O comandante Will Rodgers ganhou uma condecoração – apesar da reputação destruída – e o Irã, 133,8 milhões de dólares de indenização.
Embora seja uma potência regional, militarmente muito mais forte do que na época da guerra com o Iraque (durou oito anos e terminou em empate, um atestado da incapacidade bélica iraquiana), o Irã sabe muito bem das consequências de um confronto direto com os Estados Unidos. Sabe também que é uma minoria temida e odiada pelos vizinhos sunitas, com a exceção dos palestinos do Hamas e da Jihad Islâmica.
(.....)
Mão amputada
Não postamos a foto para não provocar choque.
Mas praticamente todo mundo já viu a imagem que mostra a mão decepada de Qassem Soleimani, identificada por um anel que ele sempre usava. Os braços também foram arrancados pela explosão dos mísseis Hellfire, disparados por um drone MQ9-Reaper (o Ceifador provavelmente foi operado por um piloto na sede da CIA em Langley; os comandos demoram 1,2 segundo para chegar).
É o tipo de superstição, para não dizer maluquice, que deixa os puristas sunitas furiosos. O que nos leva à questão: quem gostou e quem chorou a morte de Qassem Soleimani.