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domingo, 10 de fevereiro de 2019

O coração das trevas

O Brasil é violento, ao contrário do que desejaria o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. A banalização da morte é uma realidade, mesmo quando causa comoção popular”


O mais famoso dos romances do ucraniano Joseph Conrad (1857-1942), todos escritos em inglês, tem apenas 150 páginas e foi publicado em 1902, a primeira vez em três fascículos: O coração das trevas (Companhia das Letras), que serviu de inspiração para o filme Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola. A bordo da escuna Nellie, o capitão Charles Marlow aguarda uma maré vazante no Rio Tâmisa para seguir viagem e começa a divagar sobre a história da Inglaterra e seu papel na África. Nesse contexto, conta sua viagem pelo rio Congo em busca do enigmático Sr. Kurtz, um traficante de marfim, no interior daquele continente.

Marlow se depara com atrocidades e brutal exploração da população local, vive um choque entre os valores civilizatórios das missões europeias e seus reais interesses mercantis na África. Os fins justificariam tudo; o bem se torna um disfarce do mal. O livro é uma visão da condição humana na sua travessia inversa, da civilização para a barbárie. No filme, entretanto, Coppola não adaptou o livro, se inspirou nos personagens e nos temas que Conrad aborda, mudando o contexto para a guerra do Vietnã, na fronteira com o Camboja.

Interpretado por um obeso Marlon Brando, Kurtz é um coronel do Exercito norte-americano que enlouqueceu, desertou e vive em uma fortaleza na selva. Martin Sheen interpreta o obstinado capitão Willard, designado pelo alto-comando do Exército dos Estados Unidos para eliminar o coronel Kurtz, que se tornara um problema. No começo do filme, em cena antológica, Robert Duvall comanda um ataque aéreo contra civis vietnamitas ao som da Cavalgada das Valquírias, de Wagner. Tanto o livro quanto o filme foram libelos contra a banalização da violência e a lógica de que os fins justificam os meios.

O Brasil é uma sociedade violenta, ao contrário do que desejaria o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. A banalização da morte é uma realidade, mesmo quando causa grande comoção popular. A tragédia de Brumadinho, com151 mortos e 157 desaparecidos, é um exemplo. Não deveria ter ocorrido, se a tragédia de Marina tivesse servido de alerta para as autoridades e para a Vale, mineradora responsável pela barragem do Córrego do Feijão. Os fins justificaram os meios para os executivos da empresa. A morte de 10 garotos no Ninho do Urubu, o centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro, é outro exemplo dessa lógica perversa. Os alojamentos não tinham alvará de funcionamento nem autorização dos bombeiros. O sonho dos garotos não justifica a ganância de empresários e a ambição de dirigentes esportivos.

Os bárbaros
Também no Rio de Janeiro, já são sete os mortos em consequência do temporal que atingiu a cidade na noite de quarta-feira: dois na Avenida Niemeyer, três em Barra de Guaratiba; um na Rocinha e outro no Vidigal. A prefeitura do Rio gasta menos do que deveria na contenção de encostas e nada faz para conter a ocupação de áreas de risco. Os contratos de poda de árvores deveriam passar por uma boa auditoria. As tragédias de Brumadinho e Mariana derrubam a narrativa de que as licenças ambientais atravancam o progresso do país; o mau tempo no Rio de Janeiro, como em outras localidades, também joga por terra as teorias de que não existem alterações climáticas.

Voltemos à alegoria de Conrad. Nela, os burocratas glorificam os negócios da companhia, mas não se arriscam a viver nos confins da África. Não é muito diferente do que acontece por aqui. Mas o risco que corremos é ainda maior: podemos ir aos poucos para o coração das trevas, sob a lógica de que os fins justificam os meios. É o caso, por exemplo, do combate ao tráfico de drogas. A advertência do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (“Não ande de fuzil, você vai morrer!”), por exemplo, está sendo implementada. A comunidade do Fallet-Fogueteiro, em Santa Teresa, no Centro do Rio, amanheceu na sexta-feira com 13 pessoas mortas, depois de confronto com agentes do Comando de Operações Especiais (COE). [14 mortos que com certeza vão reduzir, ainda que muito pouco, a criminalidade no Rio = bandido bom, é bandido morto.] A operação envolveu o Bope e o Batalhão de Choque. Os traficantes estavam reunidos numa casa de fundos da comunidade na Rua Eliseu Visconde. Dois baleados foram levados ao Souza Aguiar; três traficantes em fuga foram presos numa van escolar. O padrão de combate aos traficantes do Rio de Janeiro será esse aí, com aplausos da opinião pública. Diria Marlow, depois de um apelo aos sentimentos altruístas: “Exterminem todos os bárbaros!”. É o horror! 
[ação enérgica  também contra os usuários de drogas - sem usuário não há demanda e sem demando não há tráfico.
O combate tem que ser realizado em ações sincronizadas.]

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

 

 

terça-feira, 19 de julho de 2016

O terror é apenas o horror



Alá deve estar mais envergonhado da ação assassina de seus soldados da jihad do que toda a cristandade

Em 1890, o marinheiro polonês naturalizado britânico Jósef Konrad subiu o Rio Congo e testemunhou uma carnificina na qual metade da população local sucumbiu. Tornado o escritor que sempre justifica uma releitura prazerosa por outro gênio, Jorge Luís Borges, Joseph Conrad registrou seu testemunho no romance No Coração das Trevas. E deu voz ao ódio ao colonialismo. Do livro o gênio do cinema Francis Ford Coppola extraiu o enredo de Apocalypse Now, expressando o ódio ao imperialismo invasor. Antes disso, finda a Segunda Guerra Mundial, em Paris, dois gênios da literatura francesa, ambos ganhadores do Prêmio Nobel da Literatura, injustamente nunca concedido ao autor de Lord Jim, transformaram numa rixa uma boa amizade mantida nas mesas do café Deux Magots, em Saint Germain-des-Près.

O  caolho Sartre defendia o terrorismo como arma na luta da Argélia contra o colonialismo francês. O argelino Camus cunhou a máxima de que ele não perdoaria o terrorista cuja bomba matasse aleatoriamente sua mãe numa estação de metrô em Oran, onde ele nasceu. E assim o terrorismo – amor ou ódio? – , dilema crucial do século 20, invadiu e dilacera o século 21.

Sartre, o pai do existencialismo, tornou-se um dos maiores ídolos do social-comunismo da História. Mas em seu enterro gigantesco também foi enterrada a reputação de um intelectual brilhante que tinha tudo para imortalizar-se como o filósofo de O Ser e o Nada. E terminou permanecendo vivo como o escritor de As Palavras. Edição recente de textos esparsos de galã Camus mostra como o amigo que virou rival dele não é mais apenas o genial romancista de O Estrangeiro, como era conhecido antes, pois ele, não Sartre, é que tinha razão nesta questão capital: não há razão nenhuma para a execução aleatória de cidadãos inocentes e alheios às questões que acionam os explosivos de um terrorista suicida.

O atentado contra a redação do Charlie Hebdo, a sequência de chacinas de 13 de novembro em casas noturnas da capital francesa e o caminhão-bomba que atropelou e matou 84 na comemoração do aniversário da queda da Bastilha, em 14 de julho de 2016, expõem mais do que nunca a completa razão lógica de Camus. O colonialismo não foi derrotado nas execuções aleatórias da Casbah, em Argel. O imperialismo não sucumbiu à explosão das Torres Gêmeas em Nova York. O terrorismo não tem causa, contém apenas ódio, preconceito, irracionalidade e uma brutalidade do qual o único animal capaz é o soi-disant racional. Um leão na floresta não promove chacinas como a do aeroporto de Istambul.

“O inferno são os outros”, definiu subliminarmente Sartre na peça Huis Clos (Entre Quatro Paredes), na boca do protagonista Garcin a essência do terror como arma. É uma ironia que Sartre não tenha entendido o próprio conceito e que Camus não tenha conseguido como ele resumir tudo o que pensava sobre o assunto numa síntese absoluta como esta.  O atentado de 14 de julho em Nice, à margem do “mare nostrum”, o Mediterrâneo, em cujo azul deslumbrante circularam as antigas civilizações grega e romana, ilustra à perfeição essa síntese. Não representa a vingança dos sarracenos contra os cruzados e os israelitas na luta milenar pela Terra Sagrada de Jerusalém. Alá deve estar mais envergonhado da ação assassina de seus soldados da jihad do que toda a cristandade. Maomé pode até ter tornado mais difíceis de aturar seus períodos de jejum, pois não entende como em seu ainda nome se derrama tanto sangue inocente. Marx, o jornalista que bradava contra a censura na Gazeta Renana, também não concebeu nem conceberia tanta crueldade. Não há fé nem ideal que justifiquem o ataque à liberdade dos outros de pensarem como quiserem e de rezarem para em que acreditem. Não há motivo, razão nem lógica.

A polícia francesa procura por algo inútil para dizer ao bobalhão do Hollande se o atentado foi planejado ou sequer autorizado pelo Estado Islâmico. Esta é uma manifestação da tonteira generalizada compartilhada pelos turcos que gastam bilhões para garantir a segurança em seu território e não conseguem evitar atentados em seu aeroporto que homenageia o grande estadista Ataturk. Ou da completa burrice dos responsáveis pela segurança do Rio de Janeiro durante a Olimpíada para a qual virão os principais alvos do “ódio do novo califado”, todos representados pela elite de seus ídolos esportivos: EUA, Reino Unido, Alemanha, França, etc.

Se o 14 de julho do sanguinário Robespierre e do corrupto Danton foi violado por um caminhoneiro lunático, não importa o mínimo se este foi treinado pelo Estado Islâmico ou se apenas inspirou-se no ódio que move hoje todos os psicopatas que se recusam a conviver com os diferentes e, por isso, os liquidam. O Brasil não é inimigo do Islã. E nossa presidente afastada, no auge de escassez de sua parca inteligente, chegou a propor na Nova York das Torres Gêmeas negociações com o califado da intolerância.

O que importa é que os imbecis continuam acreditando nas mesmas sandices escritas, não por Maomé, mas por Sartre. Os franceses desconfiam que um terrorista brasileiro pretende atacar a delegação francesa. Ninguém deu bola. Todo mundo acredita que a irrelevância de nosso país na geopolítica global nos torna imunes à fúria terrorista. Falta-nos a consciência que Camus tinha de que a desumanidade do extermínio do outro, seja quem for, desde que não seja o próprio combatente, nunca tem justificativa e logo não pode ser perdoada.

A única lógica do atentado de Nice é disseminar o medo. Não adiantam as lamúrias de Hollande, a tristeza de Merkel, o estupor de miss May, a diplomática solidariedade de Obama nem a patética ignorância de madama Rousseff. O medo está disseminado. Que o medo seja, então, a nossa arma. A única capaz de mostrar que ninguém é invulnerável, nem os esquimós no Alaska nem os visitantes da bela El Calafate, na Patagônia argentina. Os peles-vermelhas das reservas americanas, os caçadores mongóis e os monges do Tibete são todos alvos eventuais do terror desumano. Enquanto todos estes, inclusive nós, não tivermos essa consciência, continuaremos sem ter nenhuma chance de defesa contra o homofóbico de Orlando, os irmãos que infernizaram a maratona de Boston para ganhar a pior das notoriedades ou os separatistas de origem russa da Ucrânia que se dão ao luxo de abater aviões comerciais em pleno voo. Ninguém é seguro em lugar nenhum deste planeta. 

E o inimigo não é só o terrorista em potencial, mas todo babaca que ainda prega a tolerância com o terror por motivos ideológicos, políticos ou religiosos. Não pense a vítima que eles são inocentes porque não têm armas. Eles têm algo pior do que a bomba de Hidrogênio: eles têm a crença de que só eles salvarão a Terra

O terror é apenas e tão somente, aprendamos todos, por favor, o que exprime a fala de Mc Duff na cena 3 do segundo ato de Macbeth, de Shakespeare, usada por Conrad como epígrafe em No Coração das Trevas: o horror, horror, horror


Publicado no Blog do Nêumanne



domingo, 29 de maio de 2016

Pela saúde do Brasil

...Topou ser monitorado em tempo real por agentes federais. Eles o equiparam com aparelhos de escuta. E o seguiram para as tais conversas com uma Van que estacionava a certa distância dos endereços ...


A primeira coisa que me veio à mente ao ouvir os trechos das conversas entre Sergio Machado e alguns senadores, foi: "será possível?". Homens experientes, sabichões da política que alimenta Brasília, falar assim livremente ao telefone?


Dos interlocutores de Machado, o que mais me impressionou foi José Sarney. Para quem é tido como ardiloso, Sarney estava com a matraca aberta, não é não?  E mais incrível ainda era a impressão que Sergio Machado estava pescando dados, não estava só batendo papo com os amigos, não, mas cavando informações. Ele chega a fazer perguntas muito óbvias, a tal ponto que surpreende suas "vítimas" não perceberem, e não desligarem logo o telefone.


Apesar de saber que as gravações foram feitas em março, antes da queda de Eduardo Cunha ou do afastamento de Dilma Rousseff, ficou aquela pulga atrás da orelha até ler o Blog do Noblat de ontem, onde Ricardo Noblat revela como Sergio Machado gravou suas conversas.


Parece roteiro de Francis Ford Coppola: o ex-presidente da Transpetro, sabedor que uma delação premiada tem que ser rica em informações, que só repetir o que outros já disseram, ou criar fantasias que logo os investigadores desmontariam, não ia resolver seu caso, ofereceu-se para gravar conversas que ia ter com seus amigos, em Brasília.  Mas nada de telefones. Isso seria muito arriscado, pois ele não ia lidar com ingênuos. O negócio foi bem mais sofisticado.


Copio do artigo do Noblat: "Mas não o fez armado com um celular ou gravador de bolso. Topou ser monitorado em tempo real por agentes federais. Eles o equiparam com aparelhos de escuta. E o seguiram para as tais conversas com uma Van que estacionava a certa distância dos endereços daqueles a serem visitados por Machado. De dentro da Van, escutavam tudo o que Machado falava e ouvia. Como nos filmes".


Palmas para a PF!

O Globo de ontem publicou alguns trechos das conversas. Um em especial chamou minha atenção. É quando o tal Machado menciona o juiz Sergio Moro e Renan Calheiros retruca com palavra inaudível. Machado completa: "Renan, esse cara é mau, é mau, é mau, é mau".


Pois graças a Deus o Brasil conta, nestes tempos horrorosos em que estamos vivendo, com o juiz que Sergio Machado qualifica de "mau". O que seria de nós sem a força do Ministério Público, da Polícia Federal e sem a firmeza do juiz Sergio Moro?


Temos o exemplo da Itália para seguir. O Mani Pulite, que tanto bem fez àquele país, acabou vencido pelo Parlamento que estava nas mãos de políticos interessados em liquidar com os Procuradores italianos e legislar sempre em favor do crime! O que desaguou no Berlusconi.


Nós não podemos deixar o mesmo acontecer com o Brasil. Não podemos mais continuar nessa situação nojenta, quando o presidente interino tem dificuldade em montar sua equipe já que são raros os competentes e corretos que ele pode convocar. E, sobretudo, pelo amor de Deus, jamais permitir que as notícias vindas de Curitiba sirvam como pretexto para a anulação do processo de impeachment de dona Dilma!


O Brasil está muito doente e cabe a nós, seus cidadãos, zelar para que ele se recupere sob a batuta de um presidente constitucionalista, Michel Temer.


Fonte:  Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa - Publicado originalmente no Blog do Noblat