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quinta-feira, 27 de maio de 2021

O novo coronavírus escapou do laboratório? As evidências que reforçam esta hipótese

Pandemia - VOZES - Gazeta do Povo

 A pandemia da Covid-19 abalou vidas ao redor do mundo por mais de um ano. Suas vítimas fatais atingiram mais de três milhões. Contudo, a origem da pandemia continua incerta: os compromissos políticos de governos e cientistas geraram nuvens densas de ofuscação que a imprensa tradicional parece incapaz de dissipar. No texto que se segue, organizarei os fatos científicos disponíveis, que contêm muitas pistas do que aconteceu, e fornecerei aos leitores as evidências para que tirem as próprias conclusões. Tentarei então avaliar a questão complexa da culpa, que começa com o governo da China, mas vai bem além dele.

Até o fim deste artigo, você poderá ter aprendido bastante sobre a biologia molecular dos vírus. Tentarei fazer esse processo tão confortável quanto possível. Mas não se pode evitar a ciência a respeito agora, e provavelmente por muito tempo, uma vez que ela oferece o único fio através do labirinto. O vírus que causou a pandemia é chamado oficialmente de SARS-CoV-2, mas pode ser chamado abreviadamente de SARS2. Como muitas pessoas sabem, há duas principais teorias sobre as suas origens.
Uma é que ele saltou naturalmente de animais silvestres para as pessoas. 
A outra é que o vírus estava sob estudo em um laboratório do qual escapou. É muito importante saber qual delas é o caso, se esperamos prevenir uma segunda ocorrência.

Descreverei as duas teorias, explicarei por que cada uma é plausível, e então perguntarei qual delas dá a melhor explicação para os fatos disponíveis. É importante notar que, até agora, não há evidência direta para nenhuma das teorias. Cada uma delas depende de um conjunto de conjecturas razoáveis, mas até o momento não está provada. Portanto, só tenho pistas, não conclusões, para oferecer. Mas essas pistas apontam numa direção específica. E, após inferir essa direção, delinearei alguns dos fios nessa meada embaraçada de desastres.

Um conto de duas teorias
Depois que houve o primeiro surto da pandemia em dezembro de 2019, as autoridades chinesas relataram que muitos casos tinham ocorrido no mercado de Huanan — um lugar que vende animais silvestres para consumo da carne — em Wuhan. Para os especialistas isso lembrou a epidemia de SARS1 de 2002 , na qual um vírus de morcego se espalhara primeiro para civetas, um mamífero vendido nesse tipo de mercado, e das civetas para humanos. Um vírus de morcego similar causou uma segunda epidemia, conhecida como MERS, em 2012. Dessa vez, os hospedeiros intermediários eram camelos.

A decodificação do genoma do vírus mostrou que ele pertence a uma família viral conhecida como a dos beta-coronavírus, à qual os vírus SARS1 e MERS também pertencem. O parentesco entre eles apoiou a ideia de que, como os outros, o SARS2 era um vírus natural que conseguira saltar dos morcegos para outro hospedeiro e dele para humanos. A conexão com o mercado de carnes, o único outro ponto de similaridade com as epidemias de SARS1 e MERS, logo foi quebrada: os pesquisadores chineses descobriram casos anteriores em Wuhan sem ligação ao mercado. Mas isso não parecia importar, logo, esperava-se, muitas outras evidências apoiando a emergência natural seriam encontradas.

Wuhan, no entanto, é onde fica a sede do Instituto de Virologia de Wuhan, um centro mundial de pesquisa de ponta para a pesquisa em coronavírus. Então, a possibilidade de que o vírus SARS2 escapara do laboratório não poderia ser descartada. Tínhamos na mesa dois cenários razoáveis de origem. Desde o começo, as percepções do público e da mídia foram moldadas a favor do cenário de emergência natural por declarações fortes dadas por dois grupos científicos. Essas declarações não foram examinadas de uma forma tão crítica como deveriam ter sido.
“Estamos unidos para condenar veementemente as teorias da conspiração que sugerem que a COVID-19 não tem uma origem natural”, um grupo de virologistas e outros escreveram na Lancet em 19 de fevereiro de 2020, quando era muito cedo para qualquer um ter convicções sobre o que tinha acontecido. Cientistas “concluem em maioria absoluta que este coronavírus se originou entre animais silvestres”, disseram eles, com um sinal de alerta e um chamado para que os leitores apoiassem os colegas chineses na linha de frente contra a doença.

Ao contrário do que alegam os autores da carta, a ideia de que o vírus pode ter escapado de um laboratório envolve acidente, não conspiração. Certamente merecia ser explorada, não rejeitada sumariamente. Uma marca definidora de bons cientistas é que estão dispostos a um grande esforço para distinguir entre o que eles sabem do que não sabem. Por esse critério, os signatários da carta da Lancet se comportaram como maus cientistas: estavam assegurando ao público que fatos sobre os quais não podiam saber com certeza eram verdadeiros.

Depois, descobriu-se que a carta da Lancet fora organizada e rascunhada pelo Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, de Nova York. A organização do dr. Daszak financiou pesquisa com coronavírus no Instituto de Virologia de Wuhan. Se o vírus SARS2 de fato escapou de pesquisa que ele financiou, o dr. Daszak seria potencialmente imputável. Esse grave conflito de interesses não foi revelado para os leitores da Lancet. Em vez disso, a carta concluiu com "Declaramos ausência de interesses em conflito".

Virologistas como o dr. Daszak tinham muito a perder se fossem culpados pela pandemia. Por 20 anos, na maior parte sem atenção do público, estiveram brincando com algo perigoso. Em seus laboratórios, tinham a rotina de criar vírus mais perigosos do que os que existem na natureza. Alegaram que poderiam fazê-lo de forma segura, e que, ao antecipar a natureza, poderiam prever e prevenir "transbordamentos" naturais, quando os vírus migram de um hospedeiro animal para humanos. Se o SARS2 realmente tivesse escapado de um experimento laboratorial desse tipo, uma retaliação violenta seria esperada, e a tempestade de indignação pública afetaria os virologistas em toda parte, não apenas na China. "Desmoronaria o edifício científico de cima para baixo", disse Antonio Regalado, editor da MIT Technology Review, em março de 2020.

Uma segunda declaração que teve enorme influência em moldar as atitudes do público foi uma carta (em outras palavras, um artigo de opinião, não um artigo científico) publicada em 17 de março de 2020 na revista Nature Medicine. Seus autores eram um grupo de virologistas liderados por Kristian G. Andersen, do Instituto de Pesquisa Scripps. “Nossas análises mostram claramente que o SARS-CoV-2 não é um constructo laboratorial ou um vírus manipulado de propósito”, os cinco virologistas declararam no segundo parágrafo de sua carta.

(...)


A seção de discussão de sua carta começa com “É improvável que o SARS-CoV-2 tenha emergido através de manipulação laboratorial de um coronavírus similar a ele”. Mas espere, o líder não tinha dito que o vírus claramente não foi manipulado? O grau de certeza dos autores parece ter derrapado em vários graus no tocante à exposição do seu raciocínio.  A razão para a derrapagem é clara, uma vez que a linguagem técnica tenha sido penetrada. As duas razões que os autores dão para supor que a manipulação é improvável são definitivamente inconclusivas.

Primeira: dizem que a proteína de espícula do SARS2 faz uma ligação muito forte com o seu alvo, o receptor humano ACE2, mas faz de uma forma diferente da que os cálculos físicos sugerem que é o melhor encaixe. Portanto, o vírus deve ter surgido pela seleção natural, não pela manipulação.  Se esse argumento parece difícil de entender, é porque é muito forçado. O pressuposto básico dos autores, não dado por extenso, é que qualquer pessoa que tente fazer um vírus de morcego se ligar a células humanas poderia fazê-lo só de um jeito. Primeiro, calcularia o encaixe mais forte possível entre o receptor ACE2 humano e a proteína de espícula, com a qual o vírus se liga a ele. Depois projetariam a proteína de espícula com base nisso (selecionando a sequência correta de resíduos de aminoácidos que a compõem). Mas, já que a proteína de espícula do SARS2 não apresenta essa configuração ótima, diz o artigo de Andersen, ela não pode ter sido manipulada.

(...)


O vírus SHC014-CoV/SARS1 é chamado de quimera, pois o seu genoma contém o material genético de duas cepas de vírus. Se o vírus SARS2 tiver sido cozinhado no laboratório da dra. Shi, então o seu protótipo direto teria sido a quimera viral SHC014-CoV/SARS1, cujo perigo em potencial preocupou muitos observadores e provocou debates intensos. “Se o vírus escapuliu, ninguém poderia prever a trajetória”, disse Simon Wain-Hobson, virologista do Instituto Pasteur em Paris.


(...)
1) O lugar de origem

Comecemos com a geografia. Os dois parentes mais próximos conhecidos do vírus SARS2 foram coletados de morcegos das cavernas de Yunnan, uma província do sul da China. Se o vírus SARS2 tivesse infectado primeiro as pessoas vivendo ao redor das cavernas de Yunnan, isso seria um apoio forte à ideia de que o vírus transbordou para humanos de forma natural. Mas não foi o que aconteceu. A pandemia eclodiu a 1.500 km de distância, em Wuhan.

Os beta-coronavírus, a família de vírus de morcego ao qual pertence o SARS2, infectam o morcego nariz-de-ferradura Rhinolophus affinis, que se distribui pelo sul da China. O território dos morcegos é de 50 km, então é improvável que qualquer um deles tenha voado até Wuhan. De qualquer forma, os primeiros casos da pandemia da Covid-19 provavelmente ocorreram em setembro, quando as temperaturas da província de Hubei já estão frias o suficiente para os morcegos estarem hibernando.

MATÉRIA COMPLETA - Nicholas Wade, Ideias - Gazeta do Povo

 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Uma vacina contra a estupidez - Fernando Gabeira

In Blog
Com a vacina no horizonte, a dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu. Tornou-se apenas uma memória no meu sangue, na forma de IgG reagente. Um retrato na parede, como dizia Drummond. Pouca febre, muita dor de cabeça: é bom vencer uma batalha, mesmo sabendo que, no final, perde-se a guerra. [os quase 80 anos e o passado agitado do articulista, não deixam dúvidas ser ele 'duro na queda'. No agitado passado perdeu batalhas, agora venceu a peste chinesa.  
A seu favor teve, e tem, um fato reconhecido pelo nosso presidente: devemos combater e nos prevenir contra o coronavírus, mas a covid-19 é na maior parte das vezes uma "gripezinha". Graças a DEUS,  seu índice de contágio é inferior ao da influenza e sua letalidade a torna menos mortífera do que muitas outras doenças tradicionais que continuam, e infelizmente continuarão matando milhares e milhares de brasileiros.]

Ainda assim, estarei na fila da vacina. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a Covid-19 tem negado essa crença popular. Bolsonaro está tirando o bumbum da seringa. E o faz em situações diferentes. Em primeiro lugar, quer que as pessoas assumam um termo de responsabilidade ao tomar a vacina. Ele não leu a Constituição no trecho que afirma que a saúde como direito de todos é dever do Estado.

Em segundo lugar, afirma que não vai se deixar vacinar e ponto final. Em muitos lugares do mundo, os estadistas se vacinam em público para estimular as pessoas. Obama, Clinton e Bush se dispuseram a isso. O vice-presidente dos EUA o fez. A rainha da Inglaterra espera na fila de vacinação. Depois de muito resistir à CoronaVac, que chama de vacina chinesa, Bolsonaro decidiu autorizar o general Pazuello a comprá-la, no Instituto Butantan. [essa vacina tem um problema: não aparece, não existe pedidos de registro, encalhou na FASE 3 de TESTE e em todo o mundo conta apenas com aprovação da China e do 'bolsodoria'.]

Aqui, o movimento de tirar o bumbum da seringa é mais sutil. Ele percebeu que não será fácil conseguir vacinas rapidamente, além da CoronaVac. E o exame cotidiano das pesquisas mostra que a incapacidade de oferecer vacinas derrubará seus índices de popularidade. A ideia de sabotar a CoronaVac não era boa. Na década de 1980, no auge da epidemia de aids, o governo francês sabotou uma técnica de exame de sangue, formulada pelo Abbott. Havia uma iniciativa semelhante, porém mais atrasada, no Instituto Pasteur.

Quando se descobriu que o governo empurrou com a barriga a licença de uma técnica que salvaria muitas vidas, foi um deus-nos-acuda. Famílias de hemofílicos entraram na Justiça, houve até uma tentativa de explodir uma bomba. Para simplificar a história: dois diretores do Centro Nacional de Transfusão de Sangue foram condenados a quatro e dois anos de cadeia. São eles Michel Garreta e Jean-Pierre Allain.

Em síntese: atrasar por razões políticas uma vacina que possa salvar vidas dá cadeia. É importante que os militares da Anvisa saibam disso. O próprio general Pazuello também deveria entender. Se for difícil para ele, sempre haverá alma caridosa para explicar com desenhos e animação. Outro dia, vi nas redes um vídeo em que o general Pazuello, numa festa, cantava “Esperando na janela”. O ministro da Saúde cantando numa festinha, em plena pandemia, é sempre estranho. Pazuello já teve Covid. Foi tratado com todos os recursos disponíveis, não lhe faltou leito.

Ao dizer em discurso que não entende a ansiedade de todos nós, ele se esquece de milhões de pessoas que têm medo de não encontrar vaga em hospital, medo da falta de ar, medo de ser intubadas, medo da morte. A frase de Pazuello é a versão edulcorada do “país de maricas” que Bolsonaro enunciou num dos seus discursos no Planalto. No fundo, são pessoas que não entendem o medo em nossa economia psíquica, muito menos as qualidades do feminino. Associam ideias estupidamente.

Percebo agora como subestimei o perigo que Bolsonaro representava em 2018. Calculava apenas a ameaça à democracia e contava com os clássicos contrapesos institucionais: STF e Congresso, imprensa. Não imaginei que um presidente poderia enfrentar uma tragédia como o coronavírus ou precipitar dramaticamente a tragédia anunciada pelo aquecimento global.

Os Estados Unidos passaram por um flagelo semelhante e o superaram, apesar das marcas. A versão tropical é mais devastadora, não só pela profundidade da ignorância de Bolsonaro, mas também pelas circunstâncias. Trump deixa os Estados Unidos com pelo menos uma vacina produzida nos EUA e quantidade de doses contratada suficiente para imunizar o país. No seu lugar, entra Biden: consciência ambiental e sintonia absoluta com a ciência no combate ao coronavírus. [ser recorrente torna-se necessário: quanto estiver disponível para compra a vacina chinesa, ou outra, devidamente registrada na Anvisa ou no FDA, e o governo Bolsonaro se recusar a comprar, pode, e até deve, ser denunciado.

Por conquanto, cabe preocupação aos muitos que desde o inicio da pandemia adotam medidas estapafúrdias, conflitantes, inúteis, quase sempre cerceiam ações governamentais, . Estes certamente terão que prestar contas.]

Não tenho dúvidas de que também vamos acordar do pesadelo. Mas uma importante tarefa, assim como aconteceu com uma geração de intelectuais alemães no pós-guerra, será estudar as causas disso tudo: as raízes no imaginário nacional que nos tornam tão vulneráveis à barbárie, tão seduzidos pelo discurso da estupidez.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira,  jornalista

Artigo publicado no jornal O Globo em 21/12/2020