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domingo, 27 de agosto de 2023

Na Inglaterra, pai que rezou pelo filho abortado vai a julgamento - Ideias

Gazeta do Povo     

Ermes Dovico

Traduzido por Rafael Salvi
La Nuova Bussola Quotidiana

Adam Smith-Connor após audiência em que foi marcada a data de seu julgamento por rezar silenciosamente pelo filho abortado: há 22 anos ele levou a ex-namorada a uma clínica e pagou pelo aborto dela -  Foto: Reprodução Twitter/ ADF_UK

Em breve, irá a julgamento Adam Smith-Connor, um veterano do exército britânico e pai de família, que em novembro será convocado ao Tribunal de Magistrados de Poole (um tribunal para contravenções em Dorset, sul da Inglaterra) para se defender contra uma acusação surreal: ter rezado em silêncio por seu filho abortado, em uma área onde é proibido fazê-lo.

Em 24 de novembro de 2022, Smith-Connor estava em Bournemouth, um dos cinco distritos ou municípios do Reino Unido que agora têm uma zona-tampão (buffer zone) em torno de clínicas de aborto. Em Bournemouth, como explicamos anteriormente na Bussola, a zona-tampão está em vigor desde o último dia 13 de outubro e dentro dela é proibido, entre outras coisas, “realizar vigílias em que membros rezem em voz alta, recitem as Escrituras, se ajoelhem, aspirjam água benta no chão ou façam o sinal da cruz se percebem que passa um utilizador do serviço [aborto, N. do E.].”

Naquele 24 de novembro, portanto, enquanto rezava do lado de fora da clínica de aborto dirigida pelo British Pregnancy Advisory Service (BPAS, na sigla em inglês; Serviço britânico de aconselhamento sobre gravidez, em tradução livre), Smith-Connor foi abordado por dois agentes. 
O resultado foi um interrogatório que mesmo na mente de Kafka teria sido difícil de imaginar, durante o qual ele foi questionado sobre “a natureza de sua oração silenciosa”. Tendo respondido que rezava pelo filho, “que já faleceu”, um dos agentes disse-lhe que acreditava estar a infringir a respectiva Ordem de Proteção do Espaço Público, que proíbe qualquer ato de desaprovação ou aprovação (mas esta última é uma palavra vazia, porque está claro que a zona-tampão visa bloquear o aborto e atingir o movimento pró-vida) das atividades que ocorrem na clínica.

A primeira consequência de sua “transgressiva” oração silenciosa foi uma multa de £ 100 [algo em torno de 630 reais], que Smith-Connor contestou. Então, em 19 de julho deste ano, o veterano recebeu a acusação que o Conselho de Bournemouth, Christchurch e Poole havia proferido em 12 de maio. A notificação chegou com oito semanas de atraso em relação ao prazo para apresentação da queixa, conforme revelou a Alliance Defending Freedom [Aliança em defesa da liberdade], grupo que representa legalmente o homem.

A primeira audiência interlocutória ocorreu na quarta-feira, 9 de agosto, com Smith-Connor se declarando “inocente”. Fora do tribunal, o acusado fez um breve discurso, no qual resumiu a espiral descendente que a Inglaterra vive: “Estamos na nação da Carta Magna, a nação que apoiou a democracia e a liberdade”, disse ele,  acrescentando que serviu seu país por 20 anos na reserva do exército, incluindo uma missão no Afeganistão. Porém, encontra-se agora “processado por um crime de pensamento”. Ao seu lado estavam alguns apoiadores de sua causa, que seguravam cartazes inspirados em 1984, romance distópico de George Orwell, e com a inscrição: “Você parece ter tido muito em que pensar!”.

Smith-Connor lembrou que tudo pelo que está sendo indiciado hoje é rezar, feito, aliás, de costas para a clínica, para evitar qualquer possível acusação de querer violar a privacidade de quem se desloca ao estabelecimento. “Os fatos do meu caso são claros. Sou acusado de violar a zona-tampão de uma clínica de aborto por rezar por meu filho Jacob e outras vítimas de aborto, suas famílias e funcionários da clínica (…). Não me aproximei de ninguém, não falei com ninguém, não violei a privacidade de ninguém. Eu estava apenas parado em silêncio.”  
Mas justamente esta presença sendo portadora de uma ideia, uma oração contra o aborto é agora proibida.

Enquanto falava fora do tribunal, Smith-Connor foi interrompido pela emoção, lembrando-se de seu filho abortado. Foi ele mesmo, há 22 anos, quem levou a ex-namorada a uma clínica e pagou pelo aborto dela. Alguns anos depois, as consequências dessa decisão seriam sentidas na forma de um pesar saudável e de arrependimento. Hoje, Adam Smith-Connor é um voluntário pró-vida casado e transformado pela fé, com anos de apoio a mulheres vulneráveis ​​que precisam de ajuda material ou mesmo espiritual para continuar com a gravidez. Sua história é a prova de que o aborto é um verdadeiro luto, que não só as mães, mas também os pais, os médicos e todos os atores envolvidos precisam processar, pedir e acolher o perdão oferecido por Cristo.

Na audiência de 9 de agosto, para encorajar Adam, esteve também Isabel Vaughan-Spruce, já conhecida por ter sido presa duas vezes em Birmingham, entre dezembro de 2022 e março de 2023, também por uma oração silenciosa nos arredores da clínica de aborto local. Vaughan-Spruce já fora absolvida pela primeira vez no último dia 16 de fevereiro em julgamento rápido, sem terem sido encontradas provas contra ela e o padre Sean Gough, que também foi absolvido do singular crime de pensamento”. Mas agora a mulher aguarda para saber se sofrerá ou não uma segunda acusação formal.

Se esses três casos já preocupam, eles podem se multiplicar em breve. Até o final do verão, enquanto se espera que a Crown Prosecution Service [Procuradoria da Coroa] atualize suas diretrizes, é prevista a entrada em vigor da Lei de Ordem Pública, que, entre outras coisas, prevê zonas-tampão em torno a todas as clínicas de aborto da Inglaterra e do País de Gales. Recorde-se que esta lei foi aprovada depois de ter sido rejeitada por grande maioria uma emenda que pretendia proteger a oração silenciosa e as conversas consensuais sobre o aborto. 
Ou seja, foram recusadas até aquelas conversas graças às quais, por décadas, inúmeras mulheres encontraram conforto e decidiram ficar com o filho. Isso confirma que querem proteger o aborto em si e impô-lo como um bem, até mesmo perseguindo os pensamentos mais íntimos.

Ideias - Gazeta do Povo


Ermes Dovico é jornalista, bacharel em Ciências da Comunicação na Università degli studi di Palermo.

© 2023 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano: “Inghilterra, a processo il padre che pregava per il figlio abortito”.


quinta-feira, 16 de maio de 2019

Em meio a ataques, pibinho e dólar a quatro

Anunciar punições a universidades da ‘balbúrdia’ e das ‘massas de manobra’ é falar para os radicais do bolsonarismo

[Sugerimos, respeitosamente, aos que tem acesso ao presidente Bolsonaro que o faça ler o pedido da deputada Janaína Paschoal, intitulado:   

A verdade é que o governo Bolsonaro está rasgando algumas das principais pautas da sociedade brasileira. Gastos com educação, por exemplo. Sabe-se que falta dinheiro para pagar melhor aos professores do ensino fundamental e médio, por exemplo e que o dinheiro atual é mal aplicado. Vai daí que os alunos, no geral, aprendem pouco e mal, como fica evidente nas avaliações. Também é verdade que há um viés socialista principalmente nos níveis médio e universitário. Igualmente verdadeiro que essa situação não é culpa do atual governo, mas, sim, uma herança de anos de equívocos.

Mas não se pode começar a tratar disso tudo querendo filmar alunos cantando hinos ou cortando verbas de três universidades que “fazem balburdia” ou chamando os estudantes de “idiotas úteis que não sabem a fórmula da água.  Aqui, o conflito criado já é de responsabilidade do governo Bolsonaro. [o presidente Bolsonaro expressou a verdade, de forma clara e inequívoca, sobre o movimento paredista de ontem: indivíduos da turma do 'quanto pior, melhor', espertamente,  aproveitaram a fuga da realidade que caracteriza grande parte dos jovens de hoje e os usaram para um protesto, maximizando uma situação que é passageira e já ocorreu outras vezes;
da mesma forma, é inaceitável que instituições mantidas com dinheiro público, destaque para a UnB, desperdicem recursos promovendo 'julgamentos' se o impeachment da presidente ladrona e incompetente, foi justo ou não.

Essa turma militante de m ... usaram os estudantes - só que o contingenciamento é inevitável e por excesso de competência na comunicação o atual ministro da Educação aproveitou uma  iria ocorrer  para das uma ideia de punição.
Juntou a esperteza dos militontos - poucos e diminuindo, mas ainda venenosos - com a excesso de competência do Weintraub, aí o movimento cresceu, embora não se sustente.]

Mesmo porque, ignorância por ignorância, o primeiro ministro da Educação, Ricardo Velez, tomou um baile da jovem deputada Tábata do Amaral, em debate sobre questões básicas de educação. E o atual, Abraham Weintraub, posou de sábio e competente ao explicar que um teste iria custar R$ 500 mil – tremenda economia! – quando o valor era de R$ 500 milhões. Um errinho, não é mesmo? Como confundir Kafka com um espetinho.

Tem mais. Ao garantir que o Bolsonaro não ordenara a suspensão dos cortes, como informavam deputados governistas, Weintraub contou que o presidente de fato telefonara, mas para perguntar se haveria mesmo cortes no orçamento das federais. E que ele, ministro, havia explicado que não eram cortes, mas contingenciamento. Quer dizer que o presidente não sabia? Ou é isso, ou o ministro transferiu sua desinformação para o presidente. Como diria o vice-presidente Mourão, problema de comunicação. Pode ser, entre eles.

Desgraçadamente, é mais do que isso. Esqueçam o corte, perdão, contingenciamento. Por absoluta falta de dinheiro e porque o país está no “fundo do poço” , o ministro Paulo Guedes ordenou cortes nos investimentos e nas despesas discricionárias. De todo o governo. Despesas obrigatórias, como salários e aposentadorias, são feitas regularmente.  Simples de explicar, fácil de entender, tanto para o ministro da Educação quanto para o da Infraestrutura. Mas aproveitar o momento para anunciar punições a universidades da “balbúrdia” e das “massas de manobra”, é falar para os radicais do bolsonarismo. Consequência visível: dá argumentos para todo mundo que tem bronca dos Bolsonaros, aliás, uma parte crescente da população.

Nas manifestações de ontem, foram todos. Estudantes, professores, incluindo os de esquerda, funcionários de estatais contra a privatização, servidores públicos contra a reforma da previdência. Todos dispensados de propor medidas efetivas para melhorar a eficiência e a justiça dos gastos públicos. Mas não só. Ali também estavam brasileiros legitimamente preocupados com propostas para a educação, em particular, e com as crises políticas geradas dentro do governo e que estão travando diversas pautas e a atividade econômica.

Paulo Guedes tem razão quando diz que este é o fundo do poço, que o país está desabando num abismo fiscal e que não há saída sem reformas estruturais, a da previdência em primeiro lugar. Também tem razão quando diz que falta dinheiro para investimentos, inclusive em pesquisa científica, porque o governo gasta demais com previdência e salários do funcionalismo. Igualmente está certo quando diz que essas reformas dependem do Congresso.

Não é tudo, porém. Como o ministro deve saber, mas não pode falar, não se pode esperar muita coisa de um governo que só tem três ideias boas: o pacote econômico, o pacote anticorrupção e o programa de privatizações. Melhor que nada, se diria. Mas ocorre que essas três ideias não nasceram nem circulam nem são entendidas no núcleo do bolsonarismo, mais ocupado em xingar os militares do governo, atacar a mídia que não é chapa branca e procurar conspirações comunistas numa “golden shower”.
Enquanto isso, pibinho e dólar a quatro.

Coluna publicada em O Globo - Economia 16 de maio de 2019

Carlos Alberto Sardenberg - jornalista

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Estado de exceção

Um grupo de ministros do STF está em guerra com a democracia

Esqueça por um momento, se for possível, as ordens do STF que mais uma vez mandaram soltar José Dirceu, o príncipe do PT condenado a 30 anos e nove meses de cadeia por corrupção, além de outros dois colossos da vida pública nacional — um, do PSDB, é acusado de roubar merenda escolar e o outro é tesoureiro do PP. (Só isso: tesoureiro do PP. Não é preciso dizer mais nada.) Faz sentido um negócio desses? 

Claro que não. Não existe na história do Judiciário brasileiro nenhum réu condenado a mais de 30 anos de prisão por engano, ou só de sacanagem; dos outros dois nem vale a pena falar mais do que já se vem falando há anos. Mas a questão, à esta altura, já não é o que cada um deles fez ou é acusado de ter feito no mundo do crime — a questão é o que estão fazendo os ministros supremos que abriram a porta da cadeia para os três, e virtualmente para todo o sujeito que hoje em dia é condenado por roubar o erário neste país. Os ministros, pelo que escrevem nas suas sentenças, decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. Tudo bem, mas há uma pergunta que terá de ser respondida uma hora qualquer: é possível existir democracia num país onde Gilmar Mendes, Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 200 milhões de pessoas?

Esse grupo de cidadãos está no STF por indicação, basicamente, de um ex-presidente da República hoje na cadeia, condenado a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, e por uma ex-presidente deposta por quase três quartos dos votos do Congresso. Foram aprovados para seus cargos pelo Senado Federal do Brasil um dos ajuntamentos mais corruptos que se pode encontrar entre os seres humanos vivos no momento sobre a face da Terra. Jamais receberam um voto. Não respondem a ninguém. Como os loucos, os pródigos e os silvícolas, estão fora do alcance da lei — não podem ser acusados de nada, e muito menos punidos por qualquer ato que venham a cometer. Têm o direito de ficar nos seus cargos pelo resto da vida. Com essa proteção toda, garantida pela Constituição suicida em vigor no Brasil, deram a si próprios o poder de anular provas. Podem ignorar qualquer lei em vigor, recusar-se a aplicar normas legais, não aceitar decisões do Congresso e suprimir procedimentos judiciais. Dizem, é claro, que todas as suas sentenças estão de acordo com as leis — mas são eles, e só eles, que decidem o que a lei quer dizer. Se resolverem que dois mais dois são sete, nenhum brasileiro terá o direito de dizer que são quatro.

Os grandes gênios da nossa criatividade política, com os seus imensos estoques de sabedoria acumulada, devem ter alguma resposta para a pergunta feita acima. Talvez eles saibam como seria possível manter, ao mesmo tempo, o regime democrático e uma corte suprema povoada por Toffolis, Gilmares e Lewandowskis e dedicada a manter a corrupção como uma atividade legal no Brasil. Para os mortais comuns, está difícil de entender. Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que o tribunal mais alto do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. 

Se as atuais leis brasileiras, como garantem os ministros a cada vez que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso; nesse caso, o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. Contra eles, no entendimento de parte do STF, nenhum fato existe; nenhuma prova é válida. Os Toffolis, etc., conseguiram montar no Brasil um novo fenômeno: ao contrário da fábula narrada por Kafka em “O Processo”, o simples fato de alguém ser acusado perante o tribunal é a prova indiscutível de sua inocência.

 J R Guzzo - Veja