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domingo, 6 de março de 2022

Putin, a Mãe Rússia e o Ocidente - Revista Oeste

Rodrigo Constantino

Os russos permitiram a concentração de poder num só homem, que se despiu de ideologias e adotou um pragmatismo nacionalista cuja meta era tornar a Rússia um país temido novamente 

Vladimir Putin, presidente da Rússia | Foto: Asatur Yesayants/Shutterstock
Vladimir Putin, presidente da Rússia -  Foto: Asatur Yesayants/Shutterstock 
 
Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, o mundo se voltou para Vladimir Putin, aquele que comanda com mão de ferro o país desde 1999. Todos querem entender a cabeça daquele que ameaça levar o mundo a uma guerra nuclear. 
Será que ele está blefando? 
Seria Putin capaz de apertar o botão vermelho? 
Como as sanções econômicas impostas pelo Ocidente podem frear as pretensões imperialistas da Rússia? 
Putin é comunista ou nacionalista? E por aí vai.

Naturalmente, a psicologia de alguém como Putin é algo complexo. Sabemos de seu passado, do fato de que seu avô foi cozinheiro de Lenin e também de Stalin, que seu pai, um operário, foi ferido na Segunda Guerra Mundial, que ele foi agente secreto na KGB, e que considerou o debacle da União Soviética uma “catástrofe geopolítica”. Ou seja, seus laços com o imperialismo soviético são evidentes. Mas Putin também é um nacionalista, e em muitos aspectos se parece com um novo czar, lutando para resgatar a grandeza da “Mãe Rússia”. É aqui que atrai, além de comunistas, reacionários.

O Ocidente está em crise de identidade, submetido ao globalismo de elites “progressistas”, materialistas e cosmopolitas
Os conservadores estão absolutamente certos quando apontam para a doença. 
Erra na receita, porém, quem acha que alguém como Putin pode ser parte da resposta. 
Basta conhecer um pouco do perfil do autocrata russo para compreender que ele está longe de ser a solução para as mazelas ocidentais. 
Ao contrário: a civilização ocidental precisa ser defendida justamente por representar valores que alguém como Putin, no fundo, repudia com veemência.

Putin nunca demonstrou qualquer apreço pelas instituições democráticas. Se o império das leis é um dos pilares mais importantes no Ocidente, ainda que em crise pelo abuso de poder arbitrário de hoje sob o pretexto da ciência, Putin simboliza seu oposto, a concentração de poder num só indivíduo, que tudo pode. Ele assumiu o poder quando havia um vácuo deixado pela crise de 1998 e a liderança frágil do bêbado Yeltsin. Oligarcas sem escrúpulos que conquistaram muito dinheiro e poder após a queda do regime soviético ajudaram a criar Putin como político, e logo em seguida o ex-espião destruiu um a um de seus “criadores”.

No livro The Oligarchs, de David Hoffman, essa história é contada em detalhes. É preciso entender que Yeltsin colocou alguns liberais no comando da economia, mas faltavam à Rússia instituições básicas para o funcionamento do livre mercado. O que tivemos em seu lugar foi uma “lei da selva”, um “vale-tudo” em que os tais oligarcas exploraram com maestria à custa do povo. Quando veio a crise, ela foi associada de maneira equivocada ao capitalismo. E foi nesse contexto que Putin chegou ao poder. Sim, ele foi pragmático para não matar a galinha dos ovos de ouro. Mas ele jamais depositou esperança no mecanismo de mercado para levar prosperidade aos russos.

Não se tratava, portanto, de um modelo de meritocracia, e sim um de conexões. Após utilizar os oligarcas para sua ascensão, Putin percebeu que era arriscado demais depender deles, e por isso passou a perseguir cada um deles. O dono da Yukos, Khodorkowsky, então o homem mais rico do mundo emergente, foi preso e esmagado como uma barata em poucas semanas. Os dois barões da mídia tiveram de fugir. O recado era claro: ou se submetia ao conceito de tirania de um homem só ou seria destruído. Putin não se importava com a riqueza desses oligarcas, desde que isso não significasse poder político. Esse seria todo dele, apenas dele.

O capitalismo russo floresceu sem qualquer transparência, por meio de propinas, tudo feito às sombras, com conexões e influência, com golpes escancarados, sem qualquer instituição sólida para proteger a propriedade privada. O liberal Yegor Gaidar, reformista convocado por Yeltsin, temia justamente isso: que os russos fossem se sentir traídos pelo capitalismo. Eu estive num jantar com Gaidar, um admirador de Hayek, e ele parecia alguém sem interesses materiais. Era alguém que realmente acreditava num caminho alternativo para a Rússia, similar ao traçado pelo Ocidente. Na era Putin, figuras como Gaidar não tinham qualquer espaço no governo.

Putin claramente desprezava os oligarcas que só pensavam em enriquecer por meio de esquemas fraudulentos e, eventualmente, mandar o dinheiro para fora do país. Os reformistas liberais tentaram oferecer o máximo de liberdade antes de criar regras claras do jogo, e no vácuo dessas regras vieram forças caóticas do mal, como charlatães, brutamontes, gangues criminosas, políticos corruptos, burocratas espertos, mafiosos etc. Foi nesse ambiente que o ex-espião da KGB concentrou boa parte do poder político. A Rússia nunca desenvolveu qualquer respeito pelo império das leis, pelo estado de direito.

Vale notar que Putin foi catapultado ao papel de líder logo no começo de sua gestão como primeiro-ministro, quando uma série de bombas aterrorizaram Moscou. Os supostos terroristas nunca foram encontrados, o que alimentava a suspeita de se tratar de um trabalho interno do serviço secreto russo, ligado a Putin. O prefeito Luzhkov, seu adversário político, teve sua imagem muito desgastada, enquanto Putin culpou os chechenos e lançou uma ofensiva militar em larga escala, fazendo sua taxa de aprovação disparar.

Ninguém conhecia direito o pensamento político de Putin, ou o que ele fizera na KGB. Os próprios oligarcas ainda o encaravam como uma marionete em suas mãos. Mas, após os anos de fraqueza de Yeltsin, os russos pareciam apreciar o estilo firme de Putin, e muitos compartilhavam de seu ódio pelos chechenos. Mesmo os “liberais”, cansados do caos econômico, pediam que Putin fosse o “Pinochet russo”, acreditando que apenas uma ditadura política poderia viabilizar as reformas econômicas de mercado. Putin soube usar isso a seu favor.

Os russos, sem tradição de liberdade, parecem ter chegado à conclusão de que uma “democracia” controlada de cima é a única alternativa viável no país

Fechado, discreto, sisudo, Putin nunca participara de competições políticas reais, apenas de jogos de bastidores. Ele era extremamente disciplinado, inclusive a ponto de não demonstrar muita ambição no começo e sinalizar lealdade àqueles que o alçaram ao poder. Ele temia a imprensa, em especial a televisão, e por isso seus primeiros alvos foram os oligarcas da mídia. A censura foi imposta durante a guerra, e nunca mais abandonou a Rússia. Putin não queria destruir o sistema, apenas controlá-lo. Ao destruir Gusinsky e Berezovsky, os dois barões da mídia, o caminho ficou livre para o restante do trabalho.

O caso envolvendo Berezovsky, seu principal “criador”, merece maior atenção. Berezovsky passou a discordar de Putin sobre a guerra na Chechênia, e cometeu o erro de externar sua opinião em público. Putin não tolera isso. Berezovsky chegou a enviar uma carta a Putin alertando para seus erros ao escalar o conflito, impor sua vontade aos governadores e tentar controlar a mídia. Mas o magnata não tinha chance nessa batalha, e acabou vendendo seu canal de TV para Roman Abramovich, aliado de Putin, e fugiu do país.

Como coloca Lilia Shevtsova em Putin’s Russia, o desejo avassalador entre a classe política e os russos em geral era que Putin se mostrasse um líder que poderia trazer ordem ao caos de Yeltsin e acabar com a imprevisibilidade do Kremlin. Ao apostar nisso, porém, os russos permitiram a quase absoluta concentração de poder num só homem, que se despiu de ideologias e adotou um pragmatismo nacionalista cuja meta era tornar a Mãe Rússia um país respeitado e temido novamente.

Enquanto o preço do petróleo continuar alto, Putin tem pouco a temer. Não é possível negar que ele conta com apoio popular. Os russos, sem tradição de liberdade, parecem ter chegado à conclusão de que uma “democracia” controlada de cima é a única alternativa viável no país. Muitos são inclusive nostálgicos dos tempos soviéticos, apesar de tudo, apenas por conta do papel geopolítico exercido pela Rússia. Não é uma nova dacha para as férias ou trocar de iPhone todo ano que os move, e sim um sentimento coletivista de pertencer a algo maior.

A economia russa é pequena, quase do tamanho do Estado da Flórida. Mas os russos que apoiam Putin estão preocupados com outras coisas. É um grave equívoco medir Putin pela régua “progressista” ocidental. Trata-se de um autocrata nacionalista obstinado, capaz de tudo para atingir seus fins, e que não vai descansar enquanto a Rússia não for, novamente, um adversário à altura do decadente Ocidente. Aqueles que acreditam que ele pode ser um bom substituto do Ocidente, porém, estão redondamente enganados. Putin é a antítese de tudo que a civilização ocidental representa.

Leia também “A fraqueza ocidental”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste


sábado, 30 de novembro de 2019

Vai botar para quebrar! - IstoÉ

A prática da ignorância marca desde sempre a trajetória dos déspotas. Especialmente quando eles a usam para ir de encontro a conquistas civilizatórias. Mais uma vez, e de maneira quase recorrente nesses já longos onze meses de mandato, o capitão Bolsonaro aposta na tática do “bateu, levou” para tentar impor suas vontades. Quer a ferro e fogo, a qualquer custo, empregar um dispositivo anacrônico, típico de regimes de exceção, para combater nas ruas quem ousar protestar contra o seu governo. 

 (crédito: divulgação)

Luta pela aprovação do chamado excludente de ilicitude, espécie de licença para matar, a ser entregue a seus batalhões de choque com a finalidade de coibir o que ele possa vir a considerar bagunça de arruaceiros. Em outras palavras: se o mandatário não gostar da pauta das manifestações públicas ou de qualquer outra ação que lhe incomode poderá mandar a tropa para cima, quebrar o pau e meter bala nos petulantes. [não é bagunça a conduta que o presidiário petista, temporariamente em liberdade, tenta convencer os devotos,  que ainda lhe restam, a praticar.
O que ele propõe é ação terroristas, vandalismo no grau mais violento.
O individuo em questão tentou arrastar para as ruas o que ele chama de 'exército de Stédile', só que o 'movimento social terrorista = mst é covarde e só gosta de enfrentar fazendeiros desarmados e deixou o demiurgo falando sozinho.
"Bagunça",   com viés terrorista,  tem que ser combatida com energia e meios adequados, incluindo proteção legal.
Da mesma forma, o policial que aborda bandidos, sobe morros, participa de operações em que os bandido usam até .50tem que ter a mesma cobertura.

O caso da menina Ágatha foi lamentável em todos os aspectos. 
Mas, não se pode demonizar um policial que ao atirar em bandidos, além de ter errado o tiro, ainda ocorreu dois ricochetes que desviaram totalmente a trajetória do projétil - o ricochete tem a capacidade, especialmente mais de um, até de transformar um projétil em bumerangue.
O policial pode ter sido, no máximo, imprudente, mas, ser chamado de assassino é um exagero.
É aceitável que seja punido no aspecto administrativo, haja vista que a morte de uma criança inocente ocorreu como consequência de uma situação fortuita.]Atirando para matar, até. Sem consequências, sem punição, sem nem ao menos processo criminal pelo delito. Lei da selva. O policial dono do fuzil que assassinou pelas costas a indefesa menina Ágatha, de oito anos, no Rio, sairia ileso de culpa nessas circunstâncias. O fato seria tratado como mero efeito colateral de operação de guerra ao tráfico. O exemplo é dramático, mas real. 

Passível de enquadramento na nova ordem unida. O incômodo de Bolsonaro e de sua trupe com as resistências populares [não há resistência popular aos projetos de Bolsonaro;
a resistência é de representantes eleitos pelo povo e que temem o êxito do presidente Bolsonaro, seja na recuperação da economia e/ou redução da violência, e procuram boicotar por todos os meios as medidas que possam conduzir a tais sucessos.
Sabem que o êxito na economia e/ou redução da violência levará o presidente Bolsonaro ao êxito nas eleições 2020, sendo que parte das medidas propostas pode resultar em cadeia para boa parte dos representando de povo.

Quanto ao retorno de uma legislação nos moldes do AI-5, é um caminho inevitável para o Brasil, se continuar no caminho que está - governo não tempo para governar, não tem apoio, tudo que propõe é rejeitado, a impunidade impera - inclusive a Constituição Federal e a LC 97 autorizam e normatizam tais ações.]
aos seus ditames, deliberações e eventuais desmandos chegou ao ponto de membros do alto escalão, como o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, tratar como natural a volta de atos de cassação de direitos como o AI-5 para enfrentar a anarquia e a “quebradeira inconcebível”, segundo suas palavras. Há de se saber aonde vem ocorrendo tamanha algazarra. De outro modo, é sempre bom lembrar que os próceres do atual governo não viam qualquer ameaça ou problema quando saiam das hostes do próprio Planalto incitações e convocações sistemáticas, dia sim, outro também, para que o povo seguisse em protestos dirigidos ao Congresso e ao STF. No caso, podia. Sem ressalvas. Bolsonaro em pessoa chegou a estimular as tais mobilizações, em uma cristalina demonstração de desprezo pelos demais poderes. Ir às ruas reclamar contra todo o resto e a favor do governo, Ok — mesmo se descambar para a agitação. Agora, nada de reclamar do Executivo. Aí não, por favor, porque vira baderna! O que é isso? 

De forma aberta e sem constrangimento, a fragata bolsonarista vai se abastecendo de anseios totalitários. Busca qualquer pretexto para a repressão a opositores. Classifica de vândalos aqueles que são tidos como adversários ideológicos. Transforma-os em maus elementos, marginais, bandidos da pior laia, dignos das grades ou do tiro no meio da testa. Guedes insinuou a possibilidade de um revival do AI-5, da mesma maneira que o fez, semanas atrás, o filho Dudu, que queria ser embaixador em Washington. A campanha intramuros do Palácio cresce nesse sentido. O flerte com o radicalismo parece claro. Uma aberração que teria de ser coibida visceralmente, pelo bem da democracia. Bolsonaro e os seus parecem não gostar muito da tal de democracia. Embora tenha sido ele eleito diretamente pelo voto nas urnas, fundamento lapidar desse modelo de organização social.

É de uma insolência tremenda, que afronta os mais elementares princípios de liberdade do povo brasileiro, um presidente da República se arvorar em censor de manifestações. Vai além do aceitável a intransigência verificada na cúpula brasiliense que prega o uso da força ao invés do diálogo. Da mesma lavra de medidas extremas, outra proposta de Bolsonaro estatiza, na prática, a pistolagem no campo. Isso mesmo! Ele quer que os parlamentares autorizem o emprego pelo governo federal da chamada GLO (famigerados instrumentos de Garantia da Lei e da Ordem). [as GLOs são ações realizadas pelas FF AA, com respaldo no artigo 142 da CF e pela LC 97.
O uso das FF AA para retirar invasores de propriedades privadas é uma situação que se impõe seja pelo reduzido efetivo das forças policiais estaduais - o atual é insuficiente até para ações de rotina - ou pelo absurdo caso de bandidos do MST invadiram em Pernambuco terras públicas pertencentes ao INCRA, a Justiça autorizou a reintegração de posse e a mesma não foi ainda efetuada devido o governador daquele estado não autorizar o uso da PM - segundo tal autoridade a ação policial vai contra os objetivos sociais do seu governo.]  As GLOs são operações de segurança autorizadas pelo Poder Executivo que podem ter duração de meses. Inclui inclusive o uso de Forças Armadas em conflitos de qualquer natureza, tirando das gestões estaduais a primazia do cumprimento de decisões da Justiça. O “mito” quer as GLOs para expulsar invasores de terra e mesmo de imóveis nas cidades. Anseia também ir para cima dos quilombolas, camponeses e indígenas. 

Se pudesse, no seu desejo mais íntimo, varria do mapa essa gente. As palavras do mandatário são reveladoras de suas intenções rudimentares: “GLO não é uma ação social, chegar com flores na mão. É para chegar preparado para acabar com a bagunça”. [tem que agir com energia; quando a GLO é autorizada duas situações ocorrem:
- ou a força policial estadual não dá conta da sua missão;
- ou, o que é mais grave, a força policial estadual não pode agir por estar proibida pelo governo estadual.] E na marra vale tudo, pode-se imaginar. Ainda povoam a memória nacional as imagens do Massacre de Eldorado dos Carajás, nos idos de 1996, quando 19 grileiros sem-terra foram abatidos pela PM em um conflito armado. Mas Bolsonaro não demonstra preocupação com tais detalhes. Questionado sobre a resistência do Congresso ao tema da GLO, dobrou a aposta no pendor arbitrário que de longo tempo acalenta: “se não aprovar, não tem problema. A caneta compactor é minha”. Durma-se com uma tirania dessas.

IstoÉ - Carlos José Marques -  Diretor Editorial