Após celebrar o fato de ter transformado o Planalto num bunker
"totalmente militarizado", Jair Bolsonaro assiste à formação da
primeira trinca em sua tropa. Os ministros de quatro estrelas Luiz Eduardo
Ramos e Augusto Heleno divergem sobre o poder dos congressistas de controlar o
pagamento de emendas que eles enfiaram no Orçamento de 2020, destinando verbas
para seus redutos eleitorais. Contrário aos termos de um acordo celebrado por
Ramos com a cúpula do Congresso, Heleno defendeu o endurecimento no trato com o
Legislativo. Manifestou-se no intervalo de um evento ocorrido no Palácio da
Alvorada. Fez isso numa rodinha que incluía, além de Ramos, os ministros Paulo
Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Cidadania).
Por uma trapaça da sorte, as palavras do general foram captadas pela
transmissão ao vivo feita pelo Planalto na internet. Estão registradas em
notícia do Globo. Heleno tratou como chantagem o selo de pagamento impositivo
que deputados e senadores grudaram nas emendas. "Nós não podemos aceitar
esses caras chantagearem a gente o tempo todo", declarou, antes de
arrematar com uma sugestão de autofornicação: "Foda-se!" Desprezados
por Jair Bolsonaro, os líderes partidários ajustaram a Lei de Diretrizes
Orçamentárias às suas conveniências. Além de impor a obrigatoriedade do
pagamento de suas emendas, os parlamentares se autoconcederam poderes para definir
coisas como a ordem dos desembolsos. Não restaria aos ministérios senão liberar
as verbas. Sob pena de sofrer sanções. Bolsonaro vetou a novidade. [Não cabe maximizar uma simples divergência de interpretação entre o general Ramos e o general Heleno;
o único nome aplicável ao comportamento dos líderes partidários é chantagem;
a tipificação do tentaramfazer pode sofrer uma pequena modificação, com o acréscimo de extorsão e formação de quadrilha.
Os parlamentares são representantes do povo e não podem agir confrme suas conveniências.]
O Congresso equipou-se para derrubar o veto do presidente. Farejando o
risco de derrota, Ramos negociou. Em troca da manutenção do veto presidencial,
o Planalto encaminharia um projeto que traduzisse o entendimento. Nele, parte
da verba carimbada pelos parlamentares (R$ 10,5 bilhões) seria liberada para
que os ministérios investissem segundo as suas necessidades. O bolo a ser
repartido entre os parlamentares seria de R$ 31 bilhões. A proposta deveria ser
discutida numa reunião convocada pelo presidente do Senado e do Congresso, Davi
Alcolumbre, com os líderes partidários. Mas o governo não enviou o projeto. E a
reunião foi cancelada por Alcolumbre, que postou no Twitter uma em timbre de
poucos amigos: "O Parlamento aguarda do governo o envio do
projeto..."
À noite,
na casa oficial da presidência do Senado, Alcolumbre reuniu os líderes; o
vizinho Rodrigo Maia, presidente da Câmara; e os ministros Ramos e Guedes. Nada
de Heleno — sem Heleno. Conversaram sobre as emendas orçamentárias e as reformas
que demoram a sair do papel: tributária e administrativa. Tudo foi empurrado
para depois do Carnaval.