O Globo
STF e a religião
Ao afirmar que fez um pacto com seu
indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça,
de que ele abriria toda semana os trabalhos no tribunal com uma oração e
de que se encontrariam toda semana para conversar, o presidente
Bolsonaro parece querer dificultar ainda mais a aprovação do
ex-advogado-geral da União no Senado.
Anunciar que “despachará”
semanalmente com um ministro do Supremo é desmerecer o tribunal,
embaralhar a separação dos Poderes, rebaixar o Judiciário a um
“puxadinho” do Palácio do Planalto. [por falar em reduzir o Judiciário a um 'puxadinho' do Palácio do Planalto, desmerecer o Supremo e embaralhar a separação dos Poderes, sugerimos ler: "Ações políticas supremas contra Bolsonaro - Gazeta do Povo"; Com a leitura terão a oportunidade e elementos que permitem deduzir quem embaralha a separação dos Poderes, quem desmerece quem e qual é o Poder que é puxadinho de um outro Poder.]
Não se sabe se o outro ministro
indicado por Bolsonaro, Nunes Marques, m esse hábito de “despachar”
com o presidente, mas dá para perceber a interferência [sic] dele nos votos,
quase sempre favoráveis às posições do governo.
Quanto às orações semanais no início das sessões do Supremo, André Mendonça prometeu o que não poderá cumprir. Depende do presidente do STF, hoje o ministro Luiz Fux, abrir as sessões. Se alguém tivesse de rezar, seria ele ou outro de seus pares quando presidir as sessões, não um ministro, muito menos o mais novo. Essa questão religiosa já foi enfrentada pelo Judiciário, na teoria e na prática. A escolha religiosa do indicado nunca foi empecilho para nomeação, ser ou não adepto de uma religião não é característica nem favorável nem contrária à nomeação de alguém com “notável saber jurídico”. O que se deve evitar é a subserviência do indicado ao presidente que o indicou
Boa parte
dos senadores considera ser esse o caso de André Mendonça. Quando
presidente, Lula indicou para uma das vagas do Supremo o ministro do STJ
Carlos Alberto Direito, “terrivelmente católico”. Ele morreu no
exercício do cargo, tendo sido um ministro austero e competente.
Quando
presidiu o Supremo, de 1971 a 1973, Aliomar Baleeiro, que era
agnóstico, mandou retirar o crucifixo feito por Alfredo Ceschiatti que
ficava na parede de madeira pau-brasil atrás do presidente. Só em 1978
ele voltou à parede, na presidência do ministro Thompson Flores. Muitos
tribunais pelo país têm crucifixos, e já houve uma representação no
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para retirar símbolos religiosos de
repartições do Poder Judiciário, mas a decisão foi a favor da tradição,
de um país majoritariamente cristão, sem significar uma quebra da
separação da Igreja com o Estado, definida na Constituição republicana
de 1891.
A influência que Bolsonaro quer ter no plenário do
Supremo foi posta à prova recentemente, durante a pandemia. O ministro
Nunes Marques, atendendo a uma ação da Associação Nacional de Juristas
Evangélicos, permitiu atividades religiosas presenciais, que haviam sido
proibidas em alguns estados devido à necessidade de distanciamento
social. Para complicar a situação, Nunes Marques deu como razão
“por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário
reconhecer a essencialidade da atividade religiosa”. Dias depois, em
outra ação, o ministro Gilmar Mendes confirmou decisão do governo de São
Paulo de proibir reuniões religiosas na fase mais aguda da pandemia.
Gilmar se referiu em seu voto à hipocrisia dos que falam em Deus e
defendem a morte.
No julgamento em plenário sobre o tema, o então
ministro da Advocacia-Geral da União André Mendonça defendeu a
reabertura dos templos citando trechos da Bíblia. O advogado do PTB na
sustentação oral também citou a Bíblia ao se referir aos ministros que
votariam pelo fechamento dos templos: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem
o que fazem”. O presidente Luiz Fux o repreendeu: “Nossa missão, além
de guardar a Constituição Federal, é lutar pela vida e pela esperança.
Estamos vigilantes na defesa da vida e da Humanidade”.