João Domingos
Há muita culpa de dirigentes do STF na pressão que seus ministros sofrem
Qualquer pessoa de qualquer país que der uma lida no noticiário político
ou se aventurar pela selva das redes sociais, verá que o Supremo
Tribunal Federal (STF) está diante de um desafio sem igual na história
recente: decidir, sob violenta pressão, se é constitucional ou
inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância. Pelas
contas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quase 5 mil presos podem
ser beneficiados se o STF concluir que a prisão só pode ocorrer depois
de todo o trânsito em julgado do processo. Pelo que se pode observar,
dos mais variados presos, o interesse todo se volta para um, o
ex-presidente Lula. A depender do que o STF decidir, ele pode ser solto.
A jurisprudência do STF a respeito da prisão em segunda instância é de
2016. Ela teve como fundamento principal o fato de que cabe apenas às
instâncias ordinárias (Varas, Tribunais de Justiça ou Tribunais
Regionais Federais) o exame dos fatos e das provas. Portanto, são essas
instâncias que fixam a responsabilidade criminal do acusado. Nos
recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo, a discussão
diz respeito apenas a questões legais ou constitucionais.
Tal jurisprudência foi fundamental para o sucesso da Operação Lava Jato.
Permitiu que o então juiz Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, mandasse
para a cadeia um sem número de empresários, políticos muito poderosos,
como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio
Cabral, ambos do MDB do Rio de Janeiro, dirigentes partidários e Lula,
um líder popular e carismático. Derrubar agora a prisão em segunda
instância seria um golpe quase fatal na Lava Jato ou no avanço do
combate à corrupção. A polarização política, que já é imensa, tende a
ficar ainda maior.
Nesse contexto, surgem teorias da conspiração as mais diversas e até
manifestações, por parte de autoridades diretamente envolvidas na
questão, que não fazem nenhum sentido. Como a do procurador Deltan
Dallagnol, chefe da força tarefa da Lava Jato, que disse esperar que a
aposentadoria do ministro Celso de Mello reverta uma possível decisão
pela mudança na jurisprudência. Em primeiro lugar, Mello ainda não
votou. Acha-se, de achismo mesmo, que ele poderá dar um voto para mudar a
jurisprudência. Em segundo lugar, Mello só completa 75 anos em novembro
do ano que vem, o que o obriga a sair. [nos falta competência para julgar um ministro do Supremo, mas, qualquer do povo percebe que após ganhar uma prorrogação - direito de permanecer até 75 anos (atitude cabível se no Brasil faltasse cidadãos em condição de ser ministro do Supremo) - o decano do STF assumiu uma postura não mais de ministro do Supremo Tribunal Federal e sim de SUPREMO MINISTRO do STF.] Ninguém pode afirmar que o
substituto de Mello será favorável à prisão em segunda instância.
Mudanças na forma de ver as coisas são mais do que comuns também nos
meios jurídicos. O PT achava que todos os ministros que nomeou votariam
de acordo com os desejos do partido. Veio o escândalo do mensalão e
ministros nomeados pelo PT mandaram petistas para a cadeia.
Há muita culpa do STF na pressão que seus ministros têm sofrido. Desde
que a questão Lula entrou na pauta do Supremo, os dirigentes da Corte
evitaram enfrentá-la. Para isso, fizeram os mais incríveis malabarismos,
talvez esperando que a situação se resolvesse por si. Mas, como ficou
provado agora, não se resolveu. Ao decidir por pautar o julgamento de três ações que podem derrubar a
prisão em segunda instância, o presidente do STF, Dias Toffoli, poderia
ter se precavido e agido de forma diferente. Por exemplo: em vez de
fazer sessões a conta-gotas, que pulam de uma semana para outra, e para
outra, o que permite o aumento da pressão, que tal se tivesse pensado
numa só, mesmo que entrasse por duas ou três madrugadas? O assunto seria
resolvido muito mais rapidamente. Qualquer que for a decisão do STF, ela precisa ser acatada. Note-se, a
respeito, o comportamento do presidente Jair Bolsonaro. Ele tem evitado
comentários sobre o julgamento.
João Domingos, colunista - O Estado de S. Paulo