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terça-feira, 3 de maio de 2022

Os tiranos estão de luto - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

A mídia corporativa odiou que Elon Musk tenha comprado o Twitter porque odeia a ideia de os norte-americanos pensarem por si mesmos

Há 245 anos, em 4 de julho de 1776, os termos da Declaração de Independência dos colonos norte-americanos da Coroa Britânica formavam toda a cadeia genética da nação mais livre do mundo. Os ditames do documento acabaram moldando uma sólida Constituição, que, entre apenas 27 emendas, coloca os direitos individuais inalienáveis acima de governantes e seus desejos e paixões políticas que, porventura, possam desvirtuar o rumo republicano de suas administrações.
Elon Musk | Foto: Montagem Revista Oeste/Wikimedia Commons
Elon Musk  Foto: Montagem Revista Oeste/Wikimedia Commons

As fundações da república norte-americana estão diretamente ligadas ao Iluminismo Europeu dos séculos 17 e 18. Os Pais Fundadores da América mergulharam na obra de filósofos cujas ideias influenciaram a formação do novo país, como o inglês John Locke. Em seu Segundo Tratado Sobre o Governo, Locke identificou que as bases de um governo legítimo ganham autoridade através do consentimento dos governados, e não através das mãos de um monarca. O dever desse governo seria proteger os direitos naturais das pessoas, que são concedidos por Deus, e não por um rei: a vida, a liberdade e a propriedade. Para o filósofo que inspirou homens importantes no Novo Mundo, se o governo falhasse em proteger esses direitos, seus cidadãos teriam o direito de derrubá-lo.

E foi justamente essa ideia que influenciou profundamente Thomas Jefferson ao elaborar a Declaração de Independência, em 1776. A base da teoria de Locke dos direitos naturais se tornou o pano de fundo do qual a Declaração surgiu: “Consideramos essas verdades evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

Em novembro de 2012, mais de 235 anos após a Declaração de Jefferson, Bono Vox, vocalista e líder da banda irlandesa U2, discursou na Universidade de Georgetown sobre a contextualização do que aqueles colonos britânicos na América plantaram e disse: “A América é uma ideia. A Irlanda é um ótimo país, mas não é uma ideia. A Grã-Bretanha é um ótimo país, mas não é uma ideia. É assim que vemos vocês (os norte-americanos) em todo o mundo, como uma das maiores ideias da história da humanidade”.

(...)

A Primeira Emenda
E é exatamente na Primeira Emenda da Constituição norte-americana que a liberdade para os norte-americanos, que migraram para o Novo Mundo fugindo da perseguição religiosa, é protegida contra qualquer tipo de tirania. É na Primeira Emenda, parte da Declaração dos Direitos dos Estados Unidos e adotada em dezembro de 1791, que está o impedimento, textualmente, ao Congresso norte-americano de infringir seis direitos fundamentais: 
proibir o livre exercício da religião; 
limitar a liberdade de expressão, de imprensa, do direito de livre manifestação pacífica; 
e limitar o direito de fazer petições ao governo com o intuito de reparar agravos.

No famoso caso Jerry Falwell v. Larry Flynt, de 1987, a Suprema Corte norte-americana afirmou: “No coração da Primeira Emenda está o reconhecimento da importância fundamental do livre fluxo de ideias e opiniões sobre questões de interesse e preocupação pública. A liberdade de falar o que pensamos não é apenas um aspecto da liberdade individual, mas também é essencial para a busca comum da verdade e da vitalidade da sociedade como um todo. Temos, portanto, sido particularmente vigilantes para assegurar que as expressões individuais de ideias permaneçam livres de sanções impostas pelo governo”.

Os norte-americanos acreditam que a melhor forma de se contrapor a um discurso ofensivo é com mais discurso e mais liberdade de expressão

Por mais estranho que possam parecer esses tempos pra lá de orwellianos, a Constituição norte-americana protege até mesmo o discurso mais controverso e ofensivo ao governo e críticas a governantes, legisladores e juízes. A regulamentação sobre essa liberdade existe somente sob certas circunstâncias muito limitadas e restritas. O sistema norte-americano, tão enaltecido por Barrosos e Alexandres no Brasil, é construído em cima da ideia de que o intercâmbio livre e aberto de ideias encoraja a compreensão, promove a busca pela verdade e permite a refutação de falsidades. Isso mesmo, Moraes. Norte-americanos acreditam, e a experiência da nação mostrou, que a melhor forma de se contrapor a um discurso ofensivo não é por meio de regulamentação, mas com mais discurso e mais liberdade de expressão.

Se os últimos anos foram de absoluta afronta à liberdade de expressão, seja para cidadãos, médicos, jornalistas, seja para qualquer um que ousou questionar a bíblia do ministério da verdade sobre vacinas ou eleições, nesta semana o mundo viu o que a esquerda norte-americana e global pensa e quer fazer com essa coisa irritante chamada liberdade de se expressar sem amarras ou algoritmos artificialmente viciados em suprimir as opiniões de um lado do espectro político-ideológico.

A defesa de ideias
Embora a maioria dos norte-americanos não se importe com o Twitter, a compra da rede social pelo bilionário Elon Musk expôs o que os novos stalinistas querem para a liberdade de expressão — ou para o controle da liberdade de expressão, para ser mais exata. Os hábitos e os exageros da rede social mais ampla de nossa sociedade significam que o controle dela ainda importa muito. O Twitter ainda é onde grande parte das mensagens da mídia corporativa é elaborada e aprimorada; onde pensamentos e ideias que se desviam da classe dominante são suprimidos; e onde as multidões ávidas por cancelamentos e comandadas pela esquerda são “empoderadas” e, portanto, capazes de liderar as elites empresariais e políticas da América.

O curioso é que os antigos progressistas sempre envolveram as defesas de suas ideias em torno dos princípios da Primeira Emenda norte-americana. Quase todas as causas liberais foram formuladas nos termos da quase absoluta liberdade de expressão dessa emenda — seja o direito de gritar obscenidades, ver pornografia ou levar palestrantes controversos para as universidades. Hoje, a esquerda norte-americana trai com vontade e sem timidez esses valores, optando por usar as instituições simpáticas à sua causa para reprimir a dissidência. O mais curioso ainda é que, nesta semana, enquanto aqueles que não têm medo de opiniões dissidentes e da verdade celebravam a liberdade de expressão, o ex-presidente Obama discursava em Stanford pedindo maior supervisão regulatória dos gigantes da mídia social do país porque essa falta de regulação “ameaçou os pilares da democracia em todo o mundo”. Pesando no debate sobre como lidar com a disseminação da desinformação, ele disse que as empresas precisam submeter seus algoritmos ao mesmo tipo de supervisão regulatória que garante a segurança de carros, alimentos e outros produtos de consumo. Em síntese: você jamais saberá o que consumir ou pesquisar, portanto, não se preocupe, o Estado fará isso por você.

(...)

A ponta do iceberg
Elon Musk parece pronto para prestar um grande serviço ao povo norte-americano e àqueles que prezam pela liberdade como descrita na Primeira Emenda norte-americana, mas a realidade é que Elon Musk não vai nos salvar. E o motivo é simples: embora o Twitter seja uma ferramenta poderosa para nossa classe dominante — parte de uma importante batalha cultural a ser travada —, isso é apenas uma das muitas lutas, mesmo na frente tecnológica. E cada batalha leva à próxima. A censura nas redes sociais é apenas aquela ponta do iceberg visível para os navios que passam. Sob a superfície, a esquerda está ameaçando o acesso a bancos, empréstimos, servidores, investimentos, serviços de busca e e-mail, serviços de armazenamento de dados, gerenciamentos de firmas e escritório… and counting

Lutar contra isso exigirá ideias inteligentes, trabalho árduo e a vontade de um empreendedor de resistir a uma pressão incrível em todos os aspectos de sua vida. Mas, se aqueles que podem ajudar não trabalham para colocar nossa própria casa em ordem, estamos apenas trocando um oligarca por outro mais inteligente e mais interessado na liberdade. Mais do que isso, nós, pobres mortais fora da fila do pão do bilhão, não vamos chegar a lugar algum.

(...)

A praça pública
Os militantes da imprensa, das plataformas de tecnologia e da política querem controlar o que você acha, e a constante “ameaça à democracia” é o rótulo favorito para manchar qualquer coisa que desafie seu poder. Há alguns anos, o verdadeiro discurso de ódio a ideias e pessoas, profanado por aqueles que não suportam ser questionados ou confrontados, vem se tornando um monstro. E nesta semana o monstro urrou em decibéis acima do normal. Por que estão tão bravos? Porque o monopólio da fala e da informação, a capacidade de controlar o que você acredita, foi quebrado. É necessário, mais uma vez, recorrer à força para fazer você calar a boca. Elon Musk testemunhará a ira da besta e será perseguido por todos os seus tentáculos. Mas não se engane, este não é um ataque a Elon Musk. Este é um ataque a você e ao seu direito de falar livremente, de expressar sua consciência em público. Curiosamente, pela primeira vez, não está funcionando como eles estavam acostumados, e as torres de marfim estão enfurecidas com a praça pública. Eles estão profundamente ameaçados por uma internet livre, e por isso estão em pânico.

Que Musk ameace devolver esse poder para nós, restaurando nosso direito à fala em um dos fóruns mais importantes da praça pública digital, criando um espaço seguro para o discurso crítico de nossos governantes — mesmo que isso seja intolerável para eles. A mídia corporativa odiou que Elon Musk tenha comprado o Twitter porque odeia a ideia de os norte-americanos pensarem por si mesmos. É ótimo ter o homem mais rico do mundo do lado da liberdade. Precisamos da ajuda, mesmo que troquemos momentaneamente um punhado de oligarcas por outro, mas a causa da liberdade também precisa de nós.

Em um comunicado no dia da compra do Twitter, Elon Musk disse o seguinte: “A liberdade de expressão é a base de uma democracia em funcionamento e o Twitter é a praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais para o futuro da humanidade. Também quero tornar o Twitter melhor do que nunca, aprimorando o produto com novos recursos, tornando os algoritmos de código aberto para aumentar a confiança, derrotando os robôs e autenticando todos os humanos. O Twitter tem um tremendo potencial. Estou ansioso para trabalhar com a empresa e os usuários da comunidade para desbloqueá-lo. Espero que até meus piores críticos permaneçam no Twitter, porque é isso que significa liberdade de expressão”.

A liberdade de expressão é extremamente importante para a civilização. Muitas vezes é difícil saber quem está de que lado diante de tantas mentiras e manipulações, quem são os mocinhos e quem são os bandidos. Mas há um teste muito claro e simples: basta perguntar quem se incomoda com a ideia de que outras pessoas possam falar. Esse é um teste infalível e 100% preciso. Quem não permitiria que outras pessoas falassem ou discordassem? Apenas tiranos. E nesta semana os tiranos estão de luto.

Leia também “O ministério da verdade” e/ou AQUI


quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Netanyahu quer distrair o público da corrupção com eleição antecipada, dizem analistas

Ao convocar uma eleição geral antecipada, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu está tentando distrair o público da investigação de corrupção em andamento sobre suas atividades, disseram especialistas à Sputnik. De acordo com os mesmos analistas, em última instância, a ideia é desacreditar as investigações, mas o resultado da votação e os desenvolvimentos futuros em torno de possíveis acusações são mais difíceis de prever.
Na segunda-feira, os líderes da coalizão governista de Israel decidiram antecipar as eleições parlamentares de novembro para 9 de abril de 2019, com a atual legislatura do Knesset sendo dissolvida. Netanyahu disse que estava confiante de que venceria as eleições antecipadas e que a maioria do eleitorado israelense concordou com a agenda de seu governo. O anúncio veio na sequência da renúncia de novembro do ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman, e da retirada do partido de direita Yisrael Beiteinu da coalizão governista pela decisão do gabinete de aceitar um cessar-fogo que põe fim a recentes hostilidades contra militantes palestinos na Faixa de Gaza. A retirada não privou Netanyahu da maioria parlamentar, mas reduziu a coalizão governista a 61 assentos no Parlamento de 120 assentos.

Enquanto isso, Netanyahu e sua esposa, Sarah, estão envolvidos no caso de corrupção de Bezeq-Walla, também conhecido como Caso 4000. Eles são acusados de promover os interesses da Bezeq, a maior provedora de telecomunicações do país, em troca da cobertura favorável de Netanyahu pelo popular site de notícias Walla, que é controlado pela empresa. O primeiro-ministro israelense também foi suspeito de obter presentes caros dos círculos de negócios (Caso 1000) e tentar chegar a um acordo com a liderança do jornal Yedioth Ahronoth (Caso 2000). No entanto, Netanyahu refutou todas as acusações, descartando-as como uma campanha de difamação orquestrada pela mídia.

Razões para eleição precoce
O governo israelense supostamente decidiu realizar uma eleição geral antecipada devido a divergências sobre um novo projeto de conscrição militar. A controversa legislação diz respeito à questão há muito debatida de recrutar estudantes do seminário ortodoxo (yeshiva), que estão isentos do serviço militar obrigatório sob as leis atuais.
Moran Stern, professor adjunto do Programa de Civilização Judaica da Escola de Serviço Estrangeiro Edmund A. Walsh da Universidade de Georgetown, declarou à Sputnik que a decisão de realizar eleições antecipadas reflete "o repetido método de Netanyahu de abordar questões domésticas acaloradas", como o projeto de lei do alistamento militar, "simplesmente ignorando".

(...) 

O doutor Gayil Talshir, do Departamento de Ciência Política da Universidade Hebraica de Jerusalém, disse à Sputnik que é possível que as acusações de corrupção estejam por trás do movimento.
"Netanyahu espera ganhar a próxima eleição antes da acusação e audiência oficiais", comentou Talshir.



Reuters



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Trump leva o populismo de direita à Casa Branca ao ganhar eleição que abala a ordem mundial

Nos Estados Unidos, Donald Trump, ídolo dos nacionalistas, ganhou mesmo sendo classificado como um fenômeno de ódio, racismo, xenofobia, machismo. Inexplicável? 

O populismo é a ideologia da ignorância. Confunde esquerda e direita, mistura promessas na mesma sopa. O populismo se sustenta em líderes carismáticos e se alimenta da manipulação da massa. A História tem exemplos com resultados dramáticos. Qual a diferença entre ser populista e popular? A quem serve o populismo, cuja retórica costuma ser o “nós contra eles”?  Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos, contra todos os prognósticos, é o mais exorbitante populista no momento no mundo. Quanto mais esbravejou, mais conquistou a audiência e eleitores nesta campanha agressiva nos Estados Unidos. Conquistou a Casa Branca, apesar dos palavrões. Ou os palavrões ajudaram? 

Porque a retórica agora é "tornar a América (os EUA) grande de novo". And f..... the rest.
Trump é antes de tudo uma celebridade, com seus livros, hotéis e cassinos. Ele fica “confortável diante das câmeras, fala como demagogo contra imigrantes ilegais, especialmente mexicanos”, e faz parecer simples combater o Estado Islâmico e os terroristas. A definição é de Michael Kazin, professor de história da Universidade de Georgetown. Como muitos populistas, diz Kazin, “Trump gosta de reduzir a política a um conjunto simples de polarizações” porque o “populismo é um dispositivo para mobilizar o povo contra as elites”.


Na França, a populista mais popular é Marine Le Pen, com discurso social e nacionalista de direita, contra a imigração – ela foi uma das primeiras políticas a felicitar Trump "e o povo americano" oficialmente. Na América Latina de populistas de esquerda como Juan Perón e Getúlio Vargas, o movimento tem caído em desgraça – na Venezuela, no Equador, na Argentina, na Bolívia e no Brasil.

O populismo, quando surge, permite acentuar o que a democracia tem de positivo e de negativo. Se o populismo se consolida, é um sintoma de que havia gente que não se sentia representada. Pode criar, assim, fenômenos de inclusão social importantes”, disse ao jornalista Silio Boccanera, da GloboNews, o uruguaio Francisco Panizza, professor de política da London School of Economics e autor do livro Populismo e o espelho da democracia. “Mas também há populismos extremamente destrutivos que levam a uma completa polarização social e a um conflito social muito difícil de resolver.”


Na manhã desta quarta-feira (9), despertamos na crista da onda do populismo de direita. Vamos ver como o mundo surfará esse desejo de separatismo, protecionismo e rejeição da política tradicional. Porque até as minorias, de uma certa maneira, apoiaram Trump, o que mais deve ter desapontado Barack Obama e Hillary Clinton foi ver que muitos pobres, negros e latinos se bandearam para os republicanos. Há, no eleitorado, mundialmente, um receio arraigado em relação à esquerda e à social-democracia, e há também uma certeza: o que rege sua ideologia é a promessa de emprego e economia forte.

A desilusão mundial com os políticos, pela corrupção e pelas mentiras, leva o eleitor a mandar um recado claro, com voto oculto não detectado pelas pesquisas eleitorais. Ele prefere apostar no desconhecido, por mais arriscado que possa ser. O desconhecido ainda não o decepcionou. O desconhecido com uma história pessoal de sucesso é um chamariz de voto. Não é por acaso que 23 milionários tenham sido eleitos no primeiro turno prefeitos no Brasil - e que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, os vitoriosos tenham sido um empresário e um pastor, ambos para lá de ricos.

Para o eleitor comum, a maior bandeira é seu trabalho, sua chance de mobilidade social. Sua família é a maior preocupação. Saúde, segurança e o futuro de seus filhos são o que lhe tira o sono. O futuro do planeta, a ecologia, a paz, nada disso guia a maioria silenciosa na urna. É sua felicidade e a dos muito próximos o que comanda seu voto. Não vivemos tempos de compaixão ou de solidariedade com imigrantes e refugiados, ou com vizinhos de prédio ou de fronteira, ou com menores carentes ou delinquentes.

Um dos votos mais surpreendentes, recentemente, foi o do referendo na Colômbia. Era dado como certo que o povo colombiano aprovaria o acordo de paz com os guerrilheiros das Farc, depois de mais de 50 anos de guerra civil e 260 mil mortos. Mas o povo disse “não” no referendo. Rejeitou a anistia aos guerrilheiros.  Na Hungria, 95% rejeitaram em referendo abrigar cotas de refugiados de guerra e imigrantes. Na Grã-Bretanha, o povo decidiu pela Brexit a saída da Europa. Na Espanha, nenhum partido consegue formar maioria em eleições, e o povo está há quase 300 dias sem um governo nacional – e feliz com isso. “Sem governo, sem ladrões”, dizem os espanhóis.

Nos Estados Unidos, Donald Trump, ídolo dos nacionalistas, ganhou mesmo sendo classificado como um fenômeno de ódio, racismo, xenofobia, machismo. Inexplicável?  Ao chegar a Nova York há um mês, eu peguei no aeroporto um táxi dirigido por um jovem de Bangladesh, que foi com a família há 20 anos para os Estados Unidos. Perguntei em quem votaria para presidente. “Ainda não sei”, disse com sotaque forte. “Não gosto de nenhum dos dois. Será um voto difícil (tough). Mas, no último dia, vou escolher Trump ou Hillary.” Fiquei boquiaberta. Tive a sensação de que o rapaz de Bangladesh já se decidira por Trump. Um voto oculto e envergonhado, como tantos que acabaram por decidir esta eleição.
Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época


domingo, 13 de março de 2016

O cenário falso de Dilma



Dilma e Lula prometeram o impossível. Blefaram. O papel de parede e os eletrodomésticos se foram 

O sonho de Dilma é deixar explodir na mão de qualquer outro a massa falida em que seu governo transformou o Brasil e sair por aí de bicicleta. Só se fala de Lula. A presidente deve agradecer de joelhos à Justiça atabalhoada brasileira, que tem desviado o foco das denúncias contra seu governo. Dilma tentou ser populista e popular. Não conseguiu ser uma coisa nem outra. O “dilmismo” nunca passou de um cenário provisório e improvisado.

Um cenário falso como o do apartamento do Minha Casa Minha Vida, adquirido pelo casal Eliel e Adriane Silveira, em Caxias do Sul. No início, eles se sentiram num sonho. O casal foi informado de que Dilma, em pessoa, entregaria as chaves de seu apartamento. Os dois vibraram ao ver que seu apartamento estava mobiliado e decorado. Dilma foi filmada com o casal. Depois da visita presidencial, a decoração foi removida. Geladeira, fogão, televisão e máquina de lavar.

“Só não levaram o resto dos móveis porque a gente bateu o pé e não deixou”, disse Adriane. “O tapete, disseram que poderíamos ficar com ele, porque tinha sido muito pisado.” A Arcari Empreendimentos retrucou que ninguém havia prometido doar nada, mas, diante da repercussão negativa, os eletrodomésticos voltaram. “Nos avisaram que a presidente viria e que precisaríamos ambientar um apartamento para a visita”, explicou Francielle Arcari, do departamento jurídico da construtora. “Colocamos até papel de parede, e vamos deixar, mesmo não sabendo quem prometeu.”

A história de Eliel e sua mulher Adriane parece surreal, mas é a melhor metáfora para o governo Dilma. Não o final feliz – no qual ninguém acredita, especialmente a “presidenta” e os pobres. A história ilustra a fantasia populista brasileira. Dilma, Lula e o marqueteiro João Santana “ambientaram” um cenário grandioso na última eleição para inventar um país que só existia na propaganda político-partidária, sem compromisso com o futuro da economia e da população. Blefaram. Prometeram o impossível. Rasgaram depois até o papel de parede, os eletrodomésticos se foram, os empregos também, o país ficou no escuro.

Dilma e Lula juntos no Meu Tríplex Minha Vida, com fim de semana no Meu Sítio Minha Vida, tudo com a cumplicidade e as doações de empreiteiras. As construtoras pagavam palestras, viagens e imóveis do padrinho e, em troca, eram escolhidas para comandar os empreendimentos furados da afilhada. Eram um pouquinho maiores do que a Arcari Empreendimentos, aquela que botou, tirou e recolocou os eletrodomésticos na casa de Eliel e Adriane.

O populismo é a ideologia da ignorância. Confunde esquerda e direita, mistura promessas na mesma sopa. O populismo se sustenta em líderes carismáticos e se alimenta da manipulação da massa. A História tem exemplos com resultados dramáticos. O programa Sem fronteiras, da GloboNews, analisou ciclos de populismo no mundo e abordou alguns fenômenos atuais de ascensão e queda. Qual a diferença entre ser populista e popular? A quem serve o populismo, cuja retórica costuma ser o “nós contra eles”?

Donald Trump, o pré-candidato republicano nos Estados Unidos, é o mais exorbitante populista no momento. Quanto mais esbraveja, mais conquista a audiência e eleitores. Mesmo que seja com palavrões. Já viram algo parecido? Trump é uma celebridade, com seus livros, hotéis e cassinos, que fica “confortável diante das câmeras, fala como demagogo contra imigrantes ilegais, especialmente mexicanos”, e faz parecer simples combater o Estado Islâmico e os terroristas. A definição é de Michael Kazin, professor de História da Universidade de Georgetown, para o Sem fronteiras. Como muitos populistas, diz Kazin, “Trump gosta de reduzir a política a um conjunto simples de polarizações” porque o “populismo é um dispositivo para mobilizar o povo contra as elites”.

Na França, a populista mais popular é Marine Le Pen, com discurso social e nacionalista de direita, contra a imigração. Na América Latina de populistas de esquerda como Juan Perón e Getúlio Vargas, o movimento tem caído em desgraça – na Venezuela, no Equador, na Argentina, na Bolívia e no Brasil.  O populismo, quando surge, permite acentuar o que a democracia tem de positivo e de negativo. Se o populismo se consolida, é um sintoma de que havia gente que não se sentia representada. Pode criar, assim, fenômenos de inclusão social importantes”, disse ao jornalista Silio Boccanera, da GloboNews, o uruguaio Francisco Panizza, professor de política da London School of Economics e autor do livro Populismo e o espelho da democracia.

“Mas também há populismos extremamente destrutivos que levam a uma completa polarização social e a um conflito social muito difícil de resolver.” É, no mínimo, um alerta para este domingo 13.

Fonte: Ruth de Aquino - ÉPOCA