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sábado, 22 de maio de 2021

O dia em que Israel começou a morrer - O Globo

José Eduardo Agualusa

Vejo pela televisão as bombas israelenses derrubando prédios na faixa de Gazagritos, nuvens de poeira, crianças soterradas. Um jornalista comenta que já foram mortas mais crianças do que combatentes do Hamas 
 
[Qual a surpresa? são caças de última geração de um dos mais poderosos exércitos do mundo contra civis desarmados = misseis x estilingue.
Israel tem indiscutivelmente o direito de se defender de qualquer força militar que o ataque - mas se defender matando civis desarmados? , matando crianças e mulheres indefesas? derrubando prédios residenciais? Esse conceito de defesa é bem estranho?]

“Lançar uma bomba é mais uma confirmação do que uma refutação”, escreveu Jorge Luís Borges. “É como dar razão ao adversário, mas de um modo terrível”. A frase de Borges se instala na minha cabeça enquanto, na segurança do meu escritório, vejo pela televisão as bombas israelenses derrubando prédios na faixa de Gaza gritos, nuvens de poeira, crianças soterradas. Um jornalista comenta que já foram mortas mais crianças do que combatentes do Hamas.

Vivi num país em guerra civil, escutando justificações para atos injustificáveis. Os argumentos de quem comete esses crimes são sempre os mesmos: 1) ele começou primeiro. 2) ele fez pior. Eu, que durante todos esses anos de guerra civil nunca apoiei nem um lado nem outro — estive sempre do lado das crianças mortas —, passava horas me esforçando por mostrar o óbvio: 1) não interessa quem começou. 2) se, para combater um inimigo, você tiver de executar crimes idênticos, é porque já se transformou nele.

Dois inimigos podem não concordar em nada, mas estão de acordo no fundamental: em fazer a guerra. Ora, não há nada que aproxime tanto quanto a partilha da crueldade. É por isso que antigos combatentes gostam de se reencontrar e conviver, depois que a guerra termina. Estive — como jornalista — em alguns destes convívios. Ouvi muitos ex-militares recordando com saudade o tempo das lutas. Não raras vezes, tais convívios terminam por estender-se também aos antigos inimigos. No fim, acabam todos à mesma mesa, comendo e bebendo, recordando com alegria como se matavam uns aos outros.

Os pacifistas, esses sim, são o inimigo eterno dos beligerantes. Sem surpresa, quando uma guerra deflagra, aqueles que se opõe a ela costumam ser os primeiros a enfrentar o pelotão de fuzilamento. Para as partes em confronto, o pacifista é muito pior do que o inimigo, porque é inimigo da própria guerra.

Assim, estou consciente da pouca utilidade de argumentar contra uma guerra enquanto ela decorre. Não consigo, contudo, permanecer em silêncio diante daquilo que está ocorrendo na Faixa de Gaza. Primeiro, em razão da desigualdade de meios — que é, como quem diz, da desigualdade de mortos. Depois, porque quanto mais olho para Israel, nos dias de hoje, mais eu vejo a África do Sul do tempo do apartheid. Também os bôeresdescendentes de huguenotes holandeses e franceses expulsos da Europa — acreditavam na ideia de que Deus lhes oferecera o extremo sul da África como refúgio e terra santa.  
Armados dessa crença, expulsaram os povos nativos das suas terras, inventaram uma língua e um desígnio, alteraram a toponímia dos lugares, e criaram uma democracia onde só eles tinham direitos.  
O apartheid acabou caindo, e os descendentes desses bôeres estão agora expiando os pecados dos pais.

A 19 de julho de 2018, o Knesset aprovou uma lei consagrando Israel como uma “nação judaica”, e o hebreu como única língua oficial; isto, num país que tem 20% de cidadãos árabes. Foi nesse dia que Israel começou a morrer. Regimes assentes no ódio e em políticas de apartheid e exclusão dificilmente perduram. O ódio é fraca argamassa.

José Eduardo Agualusa, colunista - O Globo - Cultura

 

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Objetivo do premier israelense era ter mais uma cartada na campanha e incendiar sua base religiosa e nacionalista

Decisão de Bolsonaro sobre embaixada em Jerusalém é derrota para Netanyahu

Benjamin Netanyahu, um dos mais hábeis e inteligentes políticos do planeta, fracassou na sua tentativa de convencer Jair Bolsonaro a transferira embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém. O “escritório de negócios” é um mero prêmio de consolação. Claro, o premier israelense não falará publicamente, mas deve ter ficado decepcionado com o presidente brasileiro. Avaliava não ser muito difícil convencer um líder populista de direita latino-americano apoiado por evangélicos, ainda mais depois de Donald Trump, ídolo bolsonarista, ter levado adiante a mudança da representação dos EUA.

O objetivo de Netanyahu era ter mais uma cartada na sua campanha eleitoral e incendiar sua base religiosa e nacionalista. Buscaria mostrar ser capaz de convencer uma nação emergente e grande como o Brasil a transferir a embaixada. Não se trata da Guatemala, um país pequeno e desconhecido para muitos israelenses. Trata-se do Brasil, uma das maiores democracias do planeta e visto como uma nação neutra em questões do Oriente Médio.

Os opositores do premier de Israel já ironizavam essa aproximação com Bolsonaro, repudiado pela sociedade mais cosmopolita e progressista de Tel Aviv por suas declarações consideradas homofóbicas e a favor da ditadura. A magnífica metrópole israelense do Mediterrâneo sempre teve orgulho de sua comunidade LGBTI, sendo inclusive considerada uma das capitais gays do mundo. Yair Lapid, um dos líderes da coalizão liderada pelo ex-comandante das Forças Armadas Benny Gantz, já indicou em entrevista ao “New York Times” que, se a oposição chegar ao poder, eles pretendem se distanciar de “líderes populistas de direita” como “Jair Bolsonaro e Viktor Orbán”.

Apesar da provável insatisfação de Netanyahu, a decisão de Bolsonaro, no fim, foi correta, embora não a ideal, já que acabou sendo condenada pelos palestinos de qualquer maneira. O presidente foi ajudado pela ala pragmática e pró-comércio de seu governo, incluindo sua ministra da Agricultura e seu vice-presidente. Evitou ser convencido pela facção ideológica e extremista anti-Palestina de seu chanceler, Ernesto Araújo, e de seus filhos.

Uma alternativa, que propus no GLOBO tempos atrás, era seguir o conselho do escritor israelense Amos Oz e fazer História, transferindo a embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém Ocidental, mas também levando a representação diplomática na Palestina de Ramallah para Jerusalém Oriental, que tem maioria árabe cristã e muçulmana e é reivindicada pelos palestinos como sua capital
 
A parte Ocidental já é na prática a capital de Israel, afinal é onde fica o Knesset, o Poder Executivo do primeiro-ministro e a Suprema Corte.
 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Netanyahu quer distrair o público da corrupção com eleição antecipada, dizem analistas

Ao convocar uma eleição geral antecipada, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu está tentando distrair o público da investigação de corrupção em andamento sobre suas atividades, disseram especialistas à Sputnik. De acordo com os mesmos analistas, em última instância, a ideia é desacreditar as investigações, mas o resultado da votação e os desenvolvimentos futuros em torno de possíveis acusações são mais difíceis de prever.
Na segunda-feira, os líderes da coalizão governista de Israel decidiram antecipar as eleições parlamentares de novembro para 9 de abril de 2019, com a atual legislatura do Knesset sendo dissolvida. Netanyahu disse que estava confiante de que venceria as eleições antecipadas e que a maioria do eleitorado israelense concordou com a agenda de seu governo. O anúncio veio na sequência da renúncia de novembro do ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman, e da retirada do partido de direita Yisrael Beiteinu da coalizão governista pela decisão do gabinete de aceitar um cessar-fogo que põe fim a recentes hostilidades contra militantes palestinos na Faixa de Gaza. A retirada não privou Netanyahu da maioria parlamentar, mas reduziu a coalizão governista a 61 assentos no Parlamento de 120 assentos.

Enquanto isso, Netanyahu e sua esposa, Sarah, estão envolvidos no caso de corrupção de Bezeq-Walla, também conhecido como Caso 4000. Eles são acusados de promover os interesses da Bezeq, a maior provedora de telecomunicações do país, em troca da cobertura favorável de Netanyahu pelo popular site de notícias Walla, que é controlado pela empresa. O primeiro-ministro israelense também foi suspeito de obter presentes caros dos círculos de negócios (Caso 1000) e tentar chegar a um acordo com a liderança do jornal Yedioth Ahronoth (Caso 2000). No entanto, Netanyahu refutou todas as acusações, descartando-as como uma campanha de difamação orquestrada pela mídia.

Razões para eleição precoce
O governo israelense supostamente decidiu realizar uma eleição geral antecipada devido a divergências sobre um novo projeto de conscrição militar. A controversa legislação diz respeito à questão há muito debatida de recrutar estudantes do seminário ortodoxo (yeshiva), que estão isentos do serviço militar obrigatório sob as leis atuais.
Moran Stern, professor adjunto do Programa de Civilização Judaica da Escola de Serviço Estrangeiro Edmund A. Walsh da Universidade de Georgetown, declarou à Sputnik que a decisão de realizar eleições antecipadas reflete "o repetido método de Netanyahu de abordar questões domésticas acaloradas", como o projeto de lei do alistamento militar, "simplesmente ignorando".

(...) 

O doutor Gayil Talshir, do Departamento de Ciência Política da Universidade Hebraica de Jerusalém, disse à Sputnik que é possível que as acusações de corrupção estejam por trás do movimento.
"Netanyahu espera ganhar a próxima eleição antes da acusação e audiência oficiais", comentou Talshir.



Reuters