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sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Os imoderados no poder - Revista Oeste

Ministros do STF entrando no plenário para início da sessão | Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Ministros do STF entrando no plenário para início da sessão | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

É verdade que não estamos sós no subcontinente sempre em desvario. Há muito tempo os que não demitiram a sensatez desconfiam que basta mudar as inscrições nas placas para que toda a América do Sul se transforme, sem mudar rigorosamente nada e sem que o resto do mundo estranhe, no que Dilma Rousseff qualificaria de maior hospício da galáxia. 

Nenhuma tribo escapa. Ao sul, a saga argentina compõe o mais extenso, dramático e enlouquecido dos tangos. Num trecho da letra escrita em pouco mais de dois séculos, os hermanos canonizam a primeira-dama que fazia bonito num cabaré antes de brilhar na Casa Rosada, transformam em moeda de troca o cadáver de Evita, mantêm insepulta por anos a fio primeira mulher de Juan Perón, devolvem o poder ao viúvo já casado com a futura sucessora também recrutada num cabaré e assim tornam inevitável a reedição piorada do golpe militar dos anos 1950. Em outro trecho do tango, o general que proclamara a ditadura 18 meses antes exagera no uísque e decide recuperar a tiros de canhão ilhas pertencentes ao império britânico. Perdeu a guerra e o emprego.

Ao norte, há o país mais pobre da América Latina onde houve no fim do século 20 a Venezuela Saudita, assim batizada por assentar-se num oceano de petróleo comparável ao que continua garantindo a gastança da família que domina o reino árabe. O que foi o latifúndio de Hugo Chávez e agora é o fazendão de Nicolás Maduro precisou de apenas 22 anos para, neste fim de 2021, superar o Haiti no ranking dos miseráveis que sobrevivem no centro e na parte meridional do continente americano. 

Enquanto percorria em alta velocidade a trilha da falência, Chávez bancou o abastecimento de Cuba, vendeu barris a preços de pai para filho aos parceiros bolivarianos, arrendou a alta oficialidade do Exército e exumou a ossada de Simón Bolívar para conferir a suspeita: o Herói da Independência morreu envenenado ou não? Decepcionado com a resposta negativa, Chávez renunciou ao papel de Bolívar reencarnado. Morto em 2013, o exterminador do futuro tem visitado Maduro em forma de passarinho, talvez para ampliar o fiasco da ditadura bolivariana com os conselhos que pia nos ouvidos do herdeiro.

Toffoli acaba de informar durante um passeio em Lisboa que o regime estabelecido pela Constituição foi substituído pelo semipresidencialismo

A vizinhança, como se vê, vive tentando provar que o Brasil não é tão diferente assim. Mas a realidade do País do Carnaval anda superando com perturbadora constância as páginas mais delirantes do realismo mágico. O coronel Aureliano Buendia combateu em 32 revoluções, e montou numa delas um sistema de segurança tão rigoroso que, ao visitar Macondo, nem a mãe foi autorizada a aproximar-se e abraçá-lo. Mas em nenhum livro do admirável autor colombiano aparece algum país governado por uma junta de juízes que, sem golpes, fraudes nem quarteladas, se promove a Poder Moderador, revoga o regime presidencialista, proclama em segredo a República Parlamentarista Judiciária e, favorecida pela omissão popular e pela covardia do Poder Legislativo, trata a socos e pontapés a Constituição que lhe cumpre defender. É o que fez nos últimos anos, continua fazendo e não pretende parar de fazer o grupo formado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Examinados individualmente, nenhum dos três parteiros da conspiração parecia perigoso. Gilmar Mendes, chefe da Advocacia-Geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso, gastava tanto tempo no esforço para tornar lucrativa a instituição de ensino que explora que sobravam poucos minutos para lidar com processos
Lewandowski, que chegou ao Supremo porque Marisa Letícia morava ao lado da família com sobrenome estrangeiro e contou ao marido presidente que ouvira da mãe rasgados elogios ao filho sabido, sempre se limitou a provar que no Brasil qualquer bacharel em Direito pode virar ministro. [com a devida vênia, atualizamos: sequer precisa ser bacharel em Direito.]
Tal constatação era diariamente ratificada por Toffoli, o único juiz da história do tribunal que ganhou uma toga depois de reprovado duas vezes no concurso que autoriza o ingresso na magistratura paulista.
 
Depois que a bancada que lideram se tornou amplamente majoritária, os três parceiros subiram na vida. Proibido de lidar em primeira instância com briga de bêbado em Marília, onde nasceu, Toffoli acaba de informar durante um passeio em Lisboa que o regime estabelecido pela Constituição foi substituído pelo semipresidencialismo, que estamos a caminho do parlamentarismo e que, desde o começo da pandemia de coronavírus, o STF acumula as funções de Poder Moderador. 
Gilmar se gaba de ter atraído para o grupo a outrora voluntariosa Cármen Lúcia, a mesma que reagiu a pancadas na liberdade de expressão com uma velha e boa frase-síntese: “Cala a boca já morreu”. Morreu nada, está cansada de saber. Só que agora quem tortura o Estado Democrático de Direito é a turma com a qual convive. Enquanto o pai viveu, a filha ligava todo dia para conversas de bom tamanho. Órfã, a ministra se fez adotar por Celso de Mello e, depois da aposentadoria do Pavão de Tatuí, por Gilmar Mendes. Além do pai, Cármen Lúcia perdeu o rumo.

O STF se tornou bem mais impetuoso com a entrada em campo do centroavante rompedor Alexandre de Moraes, artilheiro do Timão da Toga. E as divergências sumiram com a rendição de antigos desafetos de Gilmar. Edson Fachin trabalha de cócoras desde que implodiu a Lava Jato com a anulação, por motivos geopolíticos, dos processos que instalaram Lula na gaiola. Luís Roberto Barroso, que via no Maritaca de Diamantino uma figura horrível, agora parece achar que, dependendo do cenário e do ângulo de visão, o Juiz dos Juízes pode exibir até uma faceta sedutora. Nesta semana, chegou a vez do presidente Luiz Fux, único integrante do Supremo que foi juiz de carreira.

No discurso de posse, entre outras promessas, Fux garantiu que decisões importantes seriam decididas no plenário, pelos votos dos 11 ministros. A medida reduziria os poderes das duas turmas e, sobretudo, erradicaria a praga do voto monocrático, que confere a uma única toga o direito de remover as fronteiras que separam os três Poderes, legislar em territórios alheios ou espancar impunemente a Constituição. 

No último dia de novembro, Fux valeu-se do voto monocrático para revogar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio que anulou um decreto do prefeito Eduardo Paes sobre a obrigatoriedade do passaporte sanitário. Deve ter achado pouco. No texto em que tenta justificar a arbitrariedade, o presidente do Supremo comunicou aos juízes da primeira e segunda instâncias do Poder Judiciário que estão todos proibidos de contrariar o prefeito. Fux revogou antecipadamente decisões que ainda não existem. Talvez queira matar de inveja Alexandre de Moraes.

Leia também “O Circo Brasil Vermelho”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste  

 

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A falta que faz um chanceler - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Médici, Geisel e Figueiredo tinham suas opiniões, mas sabiam que na Presidência deveriam ouvir os profissionais

A declaração de Jair Bolsonaro de que a derrota de Mauricio Macri na prévia eleitoral argentina pode significar uma vitória da “esquerdalha” de Dilma Rousseff, Hugo Chávez e Fidel Castro foi coisa inédita, assombrosa. Ele pode achar o que quiser, mas não tem mandato para meter o Brasil numa disputa eleitoral argentina. Falando de questões internas, pode se intitular “Capitão Motosserra” ou expor sua teoria da relação do meio ambiente com o cocô. Bolsonaro é assim e, sem dúvida, prefere ver os brasileiros discutindo cocô, em vez do cheiro de uma recessão na economia.
 
Bolsonaro não gosta dos governos civis que o antecederam. [motivos para não gostar é o que não falta ao capitão e aos brasileiros.] Tudo bem. Ficando-se com os exemplos que lhe deixaram os militares, salta aos olhos uma lição: falta-lhe um chanceler ou, pelo menos, um ministro das Relações Exteriores com as qualidades profissionais de Mario Gibson Barboza (governo Médici), Azeredo da Silveira (Geisel) e Saraiva Guerreiro (Figueiredo). Os três descascaram abacaxis nas relações com a Argentina sem criar atritos. Graças aos dois primeiros, conseguiu-se negociar em relativa harmonia a construção da Hidrelétrica de Itaipu.

Médici aguentou um desaforo do general presidente Agustín Lanusse. Numa visita a Brasília, ele enfiou um caco no discurso que fez no Itamaraty, e sua comitiva chegou à grosseria de cortar do comunicado conjunto uma referência à “inquebrantável amizade” dos dois países. Na costura da calma estava Mario Gibson.
Lanusse foi substituído pelo demagogo larápio Juan Perón. Tinha tudo para acabar em encrenca. Ele vivia exilado na Espanha. Em 1964, tentou descer na Argentina mas foi barrado pelo governo brasileiro no aeroporto de Galeão e teve que voar de volta. Ainda por cima, era amigo do presidente deposto João Goulart e assumiu criando dificuldades para a construção de Itaipu. O general Ernesto Geisel detestava-o e disse ao embaixador brasileiro em Buenos Aires, Azeredo da Silveira, que não negociaria “com quem está de má-fé, sem honestidade de propósitos”.

O diplomata não havia sido convidado para o ministério e sabia que estava numa sabatina, mas disse ao general: “Mesmo assim, é preciso negociar”. Geisel negociou. Perón morreu sem que a ditadura brasileira encrencasse com seu governo ou com o de sua substituta, a vice Isabelita, uma ex-dançarina de cabaré panamenho. Coube a Saraiva Guerreiro, o chanceler de João Figueiredo, o melhor lance da diplomacia dos generais com a Argentina. Em 1982, ela era presidida pelo general Leopoldo Galtieri, um cavalariano chegado ao copo, que mantinha boas relações com Figueiredo. Em 1982, com a popularidade em baixa, Galtieri resolveu invadir a possessão britânica das Ilhas Malvinas. Se dependesse de Figueiredo e dos militares que o cercavam, o Brasil ficaria do lado da Argentina.

Coube a Guerreiro tomar distância. Não podia ficar perto da maluquice de Galtieri, mas também não podia se aproximar da inevitável vitória dos ingleses. Algo como tirar a meia sem descalçar o sapato, e Guerreiro conseguiu. (Meses depois, a diplomacia brasileira conduziu uma gestão para que os ingleses devolvessem o capitão Alfredo Astiz, que se rendeu nas Malvinas. Tremenda sorte a de Astiz, pois recebeu o tratamento que merecem os soldados. Ele havia sido um dos maiores assassinos da ditadura militar argentina que sucedeu a Isabelita Perón. Era apelidado de Anjo Ruivo da Morte. Está na cadeia.)

Médici, Geisel e Figueiredo tinham suas opiniões, mas sabiam que na Presidência deviam ouvir os profissionais. Por sorte, tiveram Gibson, Silveira e Guerreiro.
 
Elio Gaspari, jornalista - Folha de S. Paulo/O Globo 
 
 

sábado, 8 de junho de 2019

O insustentável peso real

Chance de união monetária é nenhuma

A moeda única não está sendo negociada e, do ponto de vista monetário, hoje tudo nos distancia da Argentina

A possibilidade de uma união monetária entre Brasil e Argentina é nenhuma. Os dois países são seres inteiramente diferentes nesta área. O presidente Bolsonaro falou que isso está em estudo, achando que assim ajuda o presidente Mauricio Macri na sua campanha eleitoral. O Brasil tem US$ 380 bilhões de reservas e contas externas equilibradas, a Argentina depende de empréstimos do FMI para cumprir seus compromissos cambiais. Eles têm 55% de inflação e nós estamos voltando aos 4%.

O mesmo ministro Paulo Guedes que, durante a transição, disse que o Mercosul não era nossa prioridade, agora ecoou o presidente e disse que tem realmente a ideia de união monetária, apesar de o Banco Central brasileiro não a estar estudando. Ter ideia para um futuro remoto é diferente de afirmar que isso está acontecendo após um encontro presidencial. Dá uma impressão de concretude ao projeto que ainda não existe. A ex-presidente argentina Cristina Kirchner cometeu todos os desatinos econômicos possíveis. A inflação voltou e como resposta ela interferiu no instituto de estatísticas argentino. Mentes autoritárias brigam com termômetros. Depauperou os cofres públicos e quis usar as reservas. Quando o presidente do Banco Central discordou, ela derrubou o presidente quebrando a lei de autonomia do BC. Mentes autoritárias não gostam da autonomia dos órgãos do Estado.

Mauricio Macri assumiu prometendo organizar a economia do país, tirar o Estado de onde ele não deveria estar, trazer de volta a verdade das estatísticas econômicas que haviam sido fraudadas. O problema é que ele fez os primeiros movimentos e depois parou. Apesar de se dizer liberal, recentemente decretou o congelamento de preços numa medida populista com olho nas urnas deste ano. As pesquisas, contudo, favorecem Kirchner. A ex-presidente finge ser candidata só a vice na chapa de Alberto Fernández. Nos anos 1970, Hector Cámpora se elegeu presidente para que Juan Perón pudesse voltar à presidência. A Argentina adora repetir erros e enredos.

O que fez Bolsonaro anunciar a união monetária, uma ideia ainda não concebida, e nem remotamente possível no momento, foi seu sonho de costurar uma aliança conservadora na América Latina. Alianças por razões ideológicas dão tão errado na direita quanto na esquerda. Os países se unem por razões menos efêmeras e menos conjunturais. O liberalismo de Macri não resistiu às agruras do poder, o liberalismo do Bolsonaro não existe. Ele nunca professou a mesma fé que o seu ministro da Economia e vai empurrado para a reforma da Previdência. O presidente brasileiro ao falar da reforma só repete frases feitas. Se fosse obrigado a explicá-la estaria em dificuldades.

Por outros caminhos, o Brasil deu um passo importante nesta última semana para uma economia com menor presença do Estado. Não foi do Executivo, mas sim do Judiciário. O STF, ao dar o veredito na quinta-feira depois de três longas sessões destinadas a discutir a liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowsky contra a privatização, favoreceu a interpretação mais liberal da Constituição. 

Para a maioria dos ministros, a exploração de atividades econômicas pelo Estado deve ser a exceção e não a regra. A venda de estatais matrizes exige um pedido ao Congresso, mas o mesmo não é necessário na alienação de suas subsidiárias. A venda pode ser de diversas formas, desde que haja ampla publicidade e competição entre os possíveis compradores. O debate foi acirrado. O que estava em jogo era que tipo de economia a lei maior favorece. As teses do estatismo ficaram vencidas, tanto nos votos, quanto na formulação do resultado.

Ter um caminho de maior integração regional é bom e vem sendo perseguido há muito tempo. Diminuir a presença do Estado na economia é tarefa à qual o Brasil se dedicou de 1990 a 2002, mas de forma lenta. Os governos Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique privatizaram e abriram um pouco a economia. As administrações petistas criaram tantas estatais quanto a ditadura militar. Os polos se assemelham. O melhor a fazer na atual administração é trocar a pregação liberal pela prática. E quanto ao proselitismo de fronteira é bom que fique bem longe da moeda que foi conquistada há 25 anos por um governo socialdemocrata.

Coluna da Miriam Leitão, jornalista - O Globo

 

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Geraldo Alckmin, o besouro voador



Ele parece ter saído de uma galeria da República Velha, mas poderá ir para o segundo turno, contra o PT

Besouro não deveria voar, mas voa. Geraldo Alckmin também. Aquele ex-deputado eleito vice-governador em 1994 na chapa de Mário Covas era um tucano inexpressivo. Ademais, Covas era um touro. Tão decorativo era o cargo de vice-governador que Alckmin decidiu se licenciar e disputou a prefeitura de São Paulo. Perdeu, mas o touro teve um câncer, e ele assumiu. Tornou-se o cidadão que por mais tempo governou São Paulo desde os tempos coloniais, mas evita tocar nesse assunto. Disputou a Presidência da República em 2006 e conseguiu ter menos votos no segundo turno do que no primeiro.


Geraldo Alckmin é candidato de novo. Sua posição nas pesquisas é pífia. Já sua capacidade de agregação no mundo político-partidário marcha para a aliança com uma poderosa coligação de caciques em cuja ponta final está Michel Temer.  É possível que Alckmin vá ao segundo turno, beneficiado por previsíveis autocombustões de Ciro Gomes e Jair Bolsonaro. Uma disputa final entre ele e o candidato de Lula espanta a banca que passou os últimos meses achando que a campanha eleitoral aconteceria num cenário de debates parecido com o dos seminários de universidades americanas. O susto da banca não vem de eventuais defeitos de Alckmin, mas da possibilidade de vitória do candidato de Lula, o temível “Poste”. [o poste do presidiário Lula não assombra ninguém;
Motivos: 
Lula e a corja petista não deixarão que surja o porte = não não haverá poste = não haverá candidato;
se houver candidato não será eleito;
se eleito, não tomará posse;
se tomar posse não governará e ainda será impichado.]


Geraldo Alckmin dispõe de um razoável patrimônio administrativo. Basta contrapor as administrações tucanas de São Paulo desde 2001, quando ele se sentou na cadeira de governador, com as do Rio de Janeiro. Naquele tempo estava lá o governador Anthony Garotinho, sucedido por um ano pela petista Benedita da Silva, e em seguida por Rosinha Garotinho (mulher de Anthony), Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. De um lado, cinco pragas, do outro, o picolé de chuchu tentando ser sorvete italiano.  Pelo estilo pessoal, Alckmin parece-se com um personagem da galeria de governadores da República Velha que adornam paredes do Palácio dos Bandeirantes. Pelo estilo político, também. Estacionado nas pesquisas, tornou-se uma potência televisiva costurando alianças por cima sem enunciar uma só ideia.


Num cenário de sonho ele teria ao seu lado as multidões que foram para a rua pedindo a deposição de Dilma Rousseff. Já no cenário do pesadelo ele encarna a maioria político-partidária que colocou Temer no Planalto. Trocou-se uma presidente impopular [e incompetente]  pelo campeão de impopularidade [porém, competente; tanto que começou a arrumar a economia até que maus brasileiros tentaram o 'golpe'.] . O andar de cima já flertou com a candidatura do apresentador Luciano Huck, e sua banda golpista sonhou com a alternativa apocalíptica de Jair Bolsonaro. Restaram-lhe Alckmin e o medo do “Poste”.


Lula na carceragem de Curitiba vem se transformando num Getúlio Vargas recluso em sua fazenda de São Borja. Consegue isso muito mais pela soberba e inépcia de seus adversários do que por suas qualidades. Noutra comparação, Lula encarna no Brasil o fantasma argentino de Juan Perón. Por mais de duas décadas, los hermanos cantaram: “Se siente, se siente, Perón está presente”.  Com o “centrão” aninhado na candidatura de Alckmin, resta-lhe a necessidade de fazer uma campanha capaz de ser ouvida no andar de baixo. Até agora, nada.



quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

A jararaca está viva

Temer despencou no Datafolha, e Lula foi de 17% para 25% em quatro simulações de um primeiro turno 

[a forma segura, infalível, de acabar de vez com uma jararaca é após matá-la, partir em diversos pedaços.]
 
Os números da pesquisa Datafolha foram claros. Em julho, 31% dos entrevistados achavam que o governo de Michel Temer era ruim ou péssimo. No início de dezembro, antes que se conhecesse o conteúdo da primeira colaboração da Odebrecht, eram 51%. Tudo bem, ele recebeu uma herança maldita, mas enquanto o PT paga sua conta com a Lava-Jato há mais de um ano, o PMDB de Renan Calheiros, Romero Jucá, Moreira Franco e Eliseu Padilha só agora começou a receber a visita dos cobradores. Quem sabe, um dia a economia começa a respirar, a Lava-Jato sai da ribalta e São Jorge ajuda. Prometendo uma “Ponte para o futuro”, Temer oferecia esperança, pedindo confiança. A ponte virou pinguela e, como diz Fernando Henrique Cardoso, é a que temos.

A mesma pesquisa informou que, entre março e dezembro, Lula pulou de 17% para 25%, nas preferências para um primeiro turno na próxima eleição presidencial, com variações desprezíveis dependendo do cenário. Atrás dele vem Marina Silva, com cerca de 15%, em queda em todos os cenários. Numa previsão de segundo turno, Marina derrota Lula e todos os outros. Nessas simulações, “Nosso Guia” (expressão cunhada pelo então chanceler Celso Amorim) derrota todos os outros, salvo Marina. A cruz de Lula é sua rejeição (44%), empatado com Temer (45%).

Pesquisa de opinião em 2016 para uma eleição que está marcada para 2018 vale pouco mais que um horóscopo, mas o sinal que vem do Datafolha é claro: o caminho de “todos os outros” será pedregoso. Marina Silva prevalece num segundo turno, contra Lula, Geraldo Alckmin, Aécio Neves e José Serra. Lula só perde para ela. Como ele mesmo disse, “a jararaca está viva”.

Não só viva, como tonificada por um governo que anuncia uma reforma da Previdência que mais se parece com um rebanho de bodes. Se isso fosse pouco, falta-lhe a humildade de reconhecer que a prometida (e indefinida) reforma trabalhista foi um balão de ensaio para enternecer o andar de cima, que acabou enfurecendo o de baixo.

A jararaca poderá morrer com uma sentença judicial, mas o acordão do Supremo Tribunal que manteve Renan Calheiros na presidência do Senado foi um presente para o comissariado. Só o tempo e os autos dirão se as culpas de Lula são suficientes para torná-lo inelegível. Para quem se esgoelou na Avenida Paulista gritando “Lula cachaceiro, devolve o meu dinheiro”, as notícias são ruins.

Os brasileiros olham com desdém para a política argentina e desprezam os vizinhos encantados pelo fenômeno do peronismo. Afinal, Juan Perón foi um general larápio deposto em 1955 que voltou ao poder, caquético, em 1973 e morreu em 1974, deixando o governo para sua mulher, Isabelita, uma senhora que conheceu num cabaré panamenho. 

O peronismo sobreviveu a dois golpes e, na sua última encarnação, chamou-se kirchnerisno. Quando Perón foi deposto em 1952, os militares fizeram uma exposição das joias e vestidos de sua mulher, Evita, morta pouco antes. Coisa para classificar o luxo do casal Sérgio Cabral como “periferia chic”. Vestidos? Christian Dior e Balenciaga. Joias? Uma tiara de brilhantes.

São muitas as teorias para explicar a resistência do peronismo. Seu oxigênio é a demofobia do andar de cima argentino. É uma gente finíssima, deu a duquesa de York à Inglaterra e a rainha Maxima à Holanda, só não entende um povo que vê em Evita uma princesa.

Fonte: Elio Gaspari, jornalista - O Globo



domingo, 13 de março de 2016

O cenário falso de Dilma



Dilma e Lula prometeram o impossível. Blefaram. O papel de parede e os eletrodomésticos se foram 

O sonho de Dilma é deixar explodir na mão de qualquer outro a massa falida em que seu governo transformou o Brasil e sair por aí de bicicleta. Só se fala de Lula. A presidente deve agradecer de joelhos à Justiça atabalhoada brasileira, que tem desviado o foco das denúncias contra seu governo. Dilma tentou ser populista e popular. Não conseguiu ser uma coisa nem outra. O “dilmismo” nunca passou de um cenário provisório e improvisado.

Um cenário falso como o do apartamento do Minha Casa Minha Vida, adquirido pelo casal Eliel e Adriane Silveira, em Caxias do Sul. No início, eles se sentiram num sonho. O casal foi informado de que Dilma, em pessoa, entregaria as chaves de seu apartamento. Os dois vibraram ao ver que seu apartamento estava mobiliado e decorado. Dilma foi filmada com o casal. Depois da visita presidencial, a decoração foi removida. Geladeira, fogão, televisão e máquina de lavar.

“Só não levaram o resto dos móveis porque a gente bateu o pé e não deixou”, disse Adriane. “O tapete, disseram que poderíamos ficar com ele, porque tinha sido muito pisado.” A Arcari Empreendimentos retrucou que ninguém havia prometido doar nada, mas, diante da repercussão negativa, os eletrodomésticos voltaram. “Nos avisaram que a presidente viria e que precisaríamos ambientar um apartamento para a visita”, explicou Francielle Arcari, do departamento jurídico da construtora. “Colocamos até papel de parede, e vamos deixar, mesmo não sabendo quem prometeu.”

A história de Eliel e sua mulher Adriane parece surreal, mas é a melhor metáfora para o governo Dilma. Não o final feliz – no qual ninguém acredita, especialmente a “presidenta” e os pobres. A história ilustra a fantasia populista brasileira. Dilma, Lula e o marqueteiro João Santana “ambientaram” um cenário grandioso na última eleição para inventar um país que só existia na propaganda político-partidária, sem compromisso com o futuro da economia e da população. Blefaram. Prometeram o impossível. Rasgaram depois até o papel de parede, os eletrodomésticos se foram, os empregos também, o país ficou no escuro.

Dilma e Lula juntos no Meu Tríplex Minha Vida, com fim de semana no Meu Sítio Minha Vida, tudo com a cumplicidade e as doações de empreiteiras. As construtoras pagavam palestras, viagens e imóveis do padrinho e, em troca, eram escolhidas para comandar os empreendimentos furados da afilhada. Eram um pouquinho maiores do que a Arcari Empreendimentos, aquela que botou, tirou e recolocou os eletrodomésticos na casa de Eliel e Adriane.

O populismo é a ideologia da ignorância. Confunde esquerda e direita, mistura promessas na mesma sopa. O populismo se sustenta em líderes carismáticos e se alimenta da manipulação da massa. A História tem exemplos com resultados dramáticos. O programa Sem fronteiras, da GloboNews, analisou ciclos de populismo no mundo e abordou alguns fenômenos atuais de ascensão e queda. Qual a diferença entre ser populista e popular? A quem serve o populismo, cuja retórica costuma ser o “nós contra eles”?

Donald Trump, o pré-candidato republicano nos Estados Unidos, é o mais exorbitante populista no momento. Quanto mais esbraveja, mais conquista a audiência e eleitores. Mesmo que seja com palavrões. Já viram algo parecido? Trump é uma celebridade, com seus livros, hotéis e cassinos, que fica “confortável diante das câmeras, fala como demagogo contra imigrantes ilegais, especialmente mexicanos”, e faz parecer simples combater o Estado Islâmico e os terroristas. A definição é de Michael Kazin, professor de História da Universidade de Georgetown, para o Sem fronteiras. Como muitos populistas, diz Kazin, “Trump gosta de reduzir a política a um conjunto simples de polarizações” porque o “populismo é um dispositivo para mobilizar o povo contra as elites”.

Na França, a populista mais popular é Marine Le Pen, com discurso social e nacionalista de direita, contra a imigração. Na América Latina de populistas de esquerda como Juan Perón e Getúlio Vargas, o movimento tem caído em desgraça – na Venezuela, no Equador, na Argentina, na Bolívia e no Brasil.  O populismo, quando surge, permite acentuar o que a democracia tem de positivo e de negativo. Se o populismo se consolida, é um sintoma de que havia gente que não se sentia representada. Pode criar, assim, fenômenos de inclusão social importantes”, disse ao jornalista Silio Boccanera, da GloboNews, o uruguaio Francisco Panizza, professor de política da London School of Economics e autor do livro Populismo e o espelho da democracia.

“Mas também há populismos extremamente destrutivos que levam a uma completa polarização social e a um conflito social muito difícil de resolver.” É, no mínimo, um alerta para este domingo 13.

Fonte: Ruth de Aquino - ÉPOCA