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terça-feira, 5 de abril de 2022

Nenhuma democracia séria do mundo defende o voto obrigatório - Gazeta do Povo

J.R. Guzzo

De todas as deformidades impostas ao Brasil pela Constituição de 1988, poucas são tão estúpidas quanto o voto obrigatório. O que se entende por “democracia brasileira”, como nos provam todos os dias o ministro Alexandre de Moraes e seus colegas do Supremo Tribunal Federal, é apenas uma contrafação – basicamente, uma salada de regras que dá poderes de ditador (e nenhuma responsabilidade) a gente como eles e outros ocupantes dos galhos mais altos da máquina do Estado.

urna eletrônica - tse - militares - forças armadas

Voto obrigatório é um dos “direitos” legados pela Constituição Cidadã de 1988 aos brasileiros -  Foto: Abdias Pinheiro/TSE

É inevitável, assim, que se multipliquem como ratos os assaltos do aparelho estatal às liberdades individuais dos cidadãos. Um deles, o voto obrigatório, tornou-se especialmente absurdo neste momento, em que o naufrágio da terceira via entre Bolsonaro e Lula está deixando muita gente sem candidato para as eleições presidenciais de 2022. As pessoas não querem votar em ninguém. Mas são obrigadas a ir até a seção eleitoral para apertar o botão de uma máquina que mostrará, se tudo correr bem, que elas não querem votar em ninguém.

Por que raios o cidadão tem de votar se ele não quer votar em nenhum dos candidatos disponíveis? Já é um delírio, do ponto de vista puramente mental, que alguém seja obrigado a exercer um direito – é mais ou menos como obrigar o sujeito a se casar, ou a ir à missa, ou a guiar um carro. Direito é uma coisa, obrigação é outra: direito é sair de casa quando você quiser, obrigação é pagar imposto.

Mas os pais da pátria que empurraram essa Constituição para cima do Brasil misturaram de propósito as duas coisas. De um lado, queriam obrigar as pessoas a votar para explorarem, em seu favor, a ignorância maciça da maior parte dos eleitores. De outro, quiseram criar mais um mandamento para reforçar a situação de vassalo que o cidadão brasileiro tem em relação ao Estado.

Não há nada mais hipócrita do que ouvir um magnata que anda por aí dando entrevista, ou um “cientista político”, ou um desses editoriais edificantes que a imprensa publica sobre o voto obrigatório
Todos dizem que a obrigação de votar “protege” e “melhora” a democracia. Mentira. Ele apenas protege e melhora a vida dos que, de um jeito ou de outro, mandam na máquina públicaao impedir que abstenções extremas deixem claro o desprezo fundamental da população brasileira por seus políticos e suas instituições
Não existe voto obrigatório em nenhuma democracia séria do mundo. 
Por que teria de existir no Brasil?

Neste momento, o que a Constituição e as elites que mandam na vida pública estão impondo é um disparate. “Você, que não quer votar em nenhum dos candidatos, tem o direito de votar em branco ou anular o seu voto”, dizem. “Não perca a oportunidade de exercê-lo no dia da eleição, sob pena de multa e de outras perseguições mesquinhas por parte dos agentes do Estado”.

Mas não seria muito mais simples, nesse caso, o sujeito ficar em casa, ou fazer o que lhe der na telha, como ocorre em todos os países realmente democratas? É óbvio que sim.  
Só que aqui não pode ser assim, porque nós temos uma “Constituição Cidadã”. Nosso direito é obedecer. Vivemos sob o comando de ditadorzinhos. Este é o Brasil 2022.
 
J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Mais uma desgraça para o sistema eleitoral: as regras das redes sociais - Gazeta do Povo

“O sistema eleitoral do Brasil está desenhado para produzir tudo o que pode existir de pior na atividade política”, escreve J.R. Guzzo

Esse sistema, que passa por ser o modelo de “democracia” praticado no Brasil, criou o senador e o deputado “suplentes”, que compram seus lugares sem receber um único voto. Aumentou os senadores de dois para três por Estado, unicamente para inventar mais um emprego publico milionário. Permite que os parlamentares tenham a seu dispor uma porção do orçamento nacional, que gastam através das “emendas” aprovadas em seu próprio favor. Ganham salários e benefícios extravagantes; têm direito, inclusive, à aposentadoria, depois de caírem fora dos seus cargos por ter perdido eleições. Têm “imunidades” que os mantêm fora do alcance da lei penal.

A possibilidade de se mudar um único milímetro em tudo isso, e no restante de toda a calamidade, é três vezes zero. Ao contrário: deputados e senadores não perdem uma única oportunidade para piorar tudo em que põem a mão. A última mudança que fizeram foi criar o “Fundo Partidário-Eleitoral” que transfere bilhões de reais do bolso do cidadão diretamente para o bolso dos políticos. (Podem fazer o que quiserem com esse dinheiro – até comprar imóveis.)

Seria desgraça suficiente, mas não é. Em cima de tudo isso, o brasileiro ainda tem de pagar uma “Justiça Eleitoral” que jamais melhorou em absolutamente nada a qualidade das eleições, dos eleitos e da política nacional – basta ver os políticos que estão aí. Pior: essa confederação de burocratas não-eleitos por ninguém dá cada vez mais ordens ao eleitor. Faça isso. Não faça aquilo. Isso não pode. Isso não vale. Isso dá cassação. Vote nesse. Não vote naquele.

Já seria desgraça mais do que suficiente para um país só, mas agora tem mais – e esse “mais” vai mostrar sua cara, e todo o seu peso, nas eleições de 2022. Trata-se das “redes sociais”, controladas por monopólios privados de capital estrangeiro, que terão poder de legislar como bem entenderem sobre as comunicações de campanha, sabotar candidatos que não aprovem e baixar sentenças, sem apelação, proibindo tudo o que os seus diretores, aqui ou no exterior, não gostem.

É realmente uma maravilha. Os políticos são esses que você conhece. As regras vão ser feitas, em comum acordo, pelo TSE e pelas “big techs”.

E se, ainda assim, der algum problema, tudo bem – é só chamar o Supremo, que manda na “justiça eleitoral”, e correr para o abraço.

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Com todas as desconfianças, creio que temos mais segurança nos resultados que os americanos

Alexandre Garcia

"Com todas as desconfianças, creio que temos mais segurança nos resultados que os americanos. Com toda a confiança que temos nos carteiros, preferimos nós mesmos digitar o nosso voto, sem intermediários"

[Defendendo os carteiros: além da sempre possível desonestidade de alguns funcionários dos correios, cabe lembrar que  carteiros sofrem investidas de bandidos, traficantes, etc. Além da ECT não possuir o poder investigatório do Serviço Postal dos EUA, existe no Brasil, por suprema decisão do STF, áreas que estão fora do alcance da atuação das forças policiais - o ingresso da polícia em favelas do Rio, está sujeito a rígidos protocolos que quando atendidos o sigilo da operação já era.]
 
Quem se impacienta com a demora de uma decisão definitiva na eleição americana não deve ter acompanhado a eleição de George W. Bush, em 7 de novembro de 2000. No dia seguinte pela manhã, a apuração já mostrava que o democrata Al Gore tinha 255 delegados e o republicano Bush, apenas 246. Imagino se o presidente do Brasil, Fernando Henrique, tivesse se adiantado e já cumprimentasse Gore, que estava mais perto dos 270 delegados que significam vitória. Mas ainda faltavam os 25 votos da Flórida. 
 
Dias depois, Bush estava ganhando por 300 votos na Flórida. No dia 26 de novembro, o conselho eleitoral da Flórida proclamou o resultado pró-Bush, numa diferença de 537 votos. Aí, o democrata Gore entrou na Justiça e pediu recontagem de 70 mil votos, cancelando a declaração do resultado. Em 12 de dezembro, a Suprema Corte, por um apertado 5 a 4, convalidou a decisão do conselho eleitoral, e Bush estava eleito presidente. Demorou 35 dias, e se discutia apenas um estado. O eleito teve 50 milhões 460 mil votos; o perdedor, 51 milhões e três mil. É isso mesmo. O perdedor teve 543 mil votos acima do vencedor.
 
 Agora, Trump denuncia fraude e se declara vitorioso. De 160 milhões de votos facultativos, mais de 100 milhões vieram pelo correio. O provável eleito, Biden, argumenta que foi uma vitória clara e convincente. Já fez discurso como eleito, falando em erradicar a covid e o racismo. Para erradicar a covid, a Pfizer, talvez, tenha esperado o momento certo para anunciar o resultado de sua vacina. Para erradicar o racismo, vai ser difícil. Está impregnado até no noticiário. Das características da vice Kamala Harris, a mídia americana destaca que ela é negra e sul-asiática. A mente brilhante da procuradora e senadora ficou secundária. Depois.

Enquanto eles, por lá, se dividem quase ao meio, nós, por aqui, vamos às urnas eletrônicas no próximo domingo, Dia da República. Voto obrigatório, com resultados nas horas seguintes ao encerramento das urnas, e segundo turno nos municípios mais populosos, onde não ficar clara uma maioria. Com todas as desconfianças, creio que temos mais segurança nos resultados que os americanos. Com toda a confiança que temos nos carteiros, preferimos nós mesmos digitar o nosso voto, sem intermediários. Se eles acompanhassem o nosso processo eleitoral, assim como nós acompanhamos os deles, nunca mais se refeririam ao Brasil como um exótico país tropical. Yes, nós temos banana; mas (graças ao Havaí) eles têm muito abacaxi, que pode levar tempo para descascar.

Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense