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sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Faltou alguém no debate - Revista Oeste

Augusto Nunes

Alexandre de Moraes e seu acervo de arbitrariedades ficaram fora do duelo entre os candidatos à Presidência 

Nos minutos iniciais do debate que reuniu seis candidatos à Presidência da República, o jornalista Eduardo Oinegue quis saber de Jair Bolsonaro e Simone Tebet o que farão, caso vençam a disputa nas urnas, para restabelecer a harmonia perdida no convívio entre os três Poderes. Boa pergunta. A poucas semanas da eleição presidencial, nenhum tumor no organismo democrático é mais perigoso que o alimentado por sucessivas intromissões do Supremo Tribunal Federal em territórios e atribuições pertencentes ao Legislativo e ao Executivo.

Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, Simone Tebet e Jair Bolsonaro, durante o debate de presidenciáveis na Band (29/08/2022) | Foto:  Suamy Beydoun/Agif/Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, Simone Tebet e Jair Bolsonaro, durante o debate de presidenciáveis na Band (29/08/2022) | Foto: Suamy Beydoun/Agif/Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

A ofensiva expansionista tornou-se evidente em 2019, quando o presidente da Corte, Dias Toffoli, pariu o inquérito das fake news. 
 O aleijão constitucional nascido meses depois da posse de Bolsonaro foi entregue aos cuidados de Alexandre de Moraes. 
De lá para cá, na gerência da usina de arbitrariedades, decisões insolentes, chicanas e outras agressões ao Estado de Direito, Moraes vem caprichando no papel de Supremo Capataz do Brasil.  
Depois de assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o impetuoso artilheiro do Timão da Toga aparentemente concluiu que isso tudo ainda é pouco. Haja arrogância.
 
Não é o que pensa a senadora mato-grossense Simone Tebet. Primeira a comentar o tema, a candidata do MDB confirmou que certas manifestações de covardia requerem mais coragem que atos de bravura praticados no clímax de um combate. “É muito simples”, recitou ao iniciar o espancamento do idioma e da verdade. “A harmonia depende excessivamente de um presidente da República que saiba cumprir a Constituição e o seu papel.” 
Sem pausas, acusou o adversário de ameaçar a democracia o tempo todo, por menosprezar a imprensa livre e a independência do Supremo, fora o resto. “A política é que está judicializando o Poder Judiciário”, ficou de cócoras Simone.
Em um minuto, Bolsonaro sepultou o falatório da senadora no jazigo das fantasias. 
Lamentou o ativismo judicial da maioria dos ministros, que transforma qualquer corte em comitê político-eleitoral. Criticou a ingerência do Judiciário em territórios alheios
Deixou claro que o Palácio do Planalto é não a fonte, mas o destinatário das provocações. 
E introduziu no debate, realizado neste 28 de agosto, um fato que em qualquer país sensato teria dominado o debate. 
Dias antes, por ordem do ministro que acumula no monstrengo rebatizado de inquérito do fim do mundo os papéis de vítima, detetive, delegado, promotor, juiz e relator, a Polícia Federal cumprira mandados de busca e apreensão em propriedades de oito empresários que trocam mensagens numa rede social. 
Pena que Moraes se tenha dispensado de participar do debate na Band. Ele não precisa de um único voto para achar que manda no Brasil — e fazer o que lhe dá na telha destelhada.
Na versão do Supermagistrado, baseada em outro atentado à língua portuguesa e ao raciocínio lógico cometido por um sherloque de estimação, evidências robustas demonstram que os alvos da prepotência dormem e acordam sonhando com um golpe de Estado que colocaria Bolsonaro no lugar que já ocupa. 
Depois do flagrante perpétuo, da prisão preventiva sem prazo para terminar, do inquérito sem data para ser concluído, da punição de parentes do autor de crimes secretos, da liberdade de expressão algemadae depois de resolver que falar mal de ministros do STF é crime hediondo —, Moraes surpreendeu o mundo com outra assombrosa brasileirice: o golpe de Estado modelo WhatsApp, planejado em recados eletrônicos e executado sabe Deus como. 
Ainda em sua primeira fala no debate, enfim, o candidato à reeleição constatou que a insistência de Moraes em castigar o deputado federal Daniel Silveira é um desafio à graça constitucional concedida ao parlamentar pelo chefe do Executivo.

Sobre a epidemia de vigarices protagonizadas por integrantes do Supremo, nem um pio

O país finalmente vai tratar de perigos reais e imediatos, animaram-se profissionais da esperança. 
A violência que alvejou empresários inocentes,  cujas redes sociais continuam confiscadas, fora considerada excessiva até por editorialistas da imprensa velha, até por jornalistas que se escondem sob rotativas desativadas quando ouvem o nome do carrasco togado, até por entidades de classe que murmuram “amém” ao toparem com qualquer manifesto de rebanho. Os semideuses do Egrégio Plenário enfim seriam confrontados com críticas públicas dos demais participantes do debate, estimulados por perguntas que estão na ponta da língua de profissionais sem medo.
 
Quem sonha com tão improváveis surtos de altivez deve esperá-los sentado. Nenhum outro jornalista formulou outras perguntas vinculadas ao assunto mais importante do ano eleitoral. Nenhum outro candidato desperdiçou seu tempo com genuínos golpistas. Alexandre de Moraes não teve o nome mencionado uma única vez. O que se ouviu foi o estridente silêncio dos cúmplices. Além dos previsíveis ataques a Bolsonaro, prontamente rebatidos pelo alvo preferencial de novo condenado por crimes futuros, a noitada apresentou aos espectadores o imposto único louvado por Soraya Thronicke, o pungente esforço de Simone Tebet na CPI em que estreitou a amizade com Renan Calheiros e Omar Aziz, o calote sideral planejado por Ciro Gomes em favor dos brasileiros endividados
A pandemia que acabou há muitas semanas foi revisitada várias vezes. Sobre a epidemia de vigarices e patifarias protagonizadas por integrantes do Supremo e seu atrevido puxadinho batizado de Justiça Eleitoral, nem um pio.
Desde 2019, com o endosso do Alto Comando do Pretório Excelso, Moraes tenta repetir que gente contemplada com o dom da onisciência identifica com clareza solar a mentira e a verdade, o fato e o boato, a informação correta e a notícia enganosa, o que esclarece e o que desinforma. Se é assim, o que espera o ministro que tudo sabe e tudo vê para confirmar, como prometeu no discurso de posse no TSE, que seria “implacável” com difusores de fake news? ]
Até bebês de colo sabem que, desde o tempo das cavernas, seres humanos que se enfrentam em duelos verbais fazem afirmações opostas. Como não há duas verdades antagônicas sobre a mesma coisa, uma afirmação é a certa, a outra é errada. Portanto, uma fake news.
Um Lula cada vez mais bisonho, por exemplo, jurou no debate que foi inocentado pelo Judiciário
Foi informado que a Lei do CEP inventada por Edson Fachin não anulou as condenações aprovadas por nove juízes em três instâncias. Alguém mentiu e Moraes está obrigado a enquadrar o pecador. Também garantiu que Bolsonaro anda vendendo estatais a preço de banana e privatizou a Petrobras, além de uma BR cujo nome não conseguiu lembrar. 
E lembrou que, ao contrário do que fez Ciro Gomes, não fugiu para Paris quando começou o segundo turno da eleição de 2018. Nem poderia, retrucou Ciro: para tanto, teria de escapar da cadeia em Curitiba.  
Gente assim merece ser levada a sério? 
Qual candidato será enquadrado pelo implacável juiz de palanque?
 
Simone Tebet revelou que, quando vê uma mulher tratada com dureza, primeiro procura descobrir em quem vota. 
Se desejar a morte do Grande Satã do Planalto, socorre bravamente a vítima da misoginia. 
Caso a agredida simpatize com o chefe do governo federal, como a doutora Nise Yamagushi, repassa o serviço para a senadora Leila. [por respeito ao nobre esporte praticado por Ana Paula Henkel e a própria, suprimimos o termo do vulgo da senadora do DF.]  
Está certo isso, doutor Moraes? 
No momento, o presidente do TSE não tem tempo para responder a tais miudezas. Está ocupado demais. Precisa impedir que Roberto Jefferson e Daniel Silveira sejam candidatos a qualquer cargo. 
Ou que golpistas digitais usem o 7 de Setembro para desencadear a quartelada que levará Bolsonaro ao cargo que já ocupa. 
Ou, ainda, que extremistas conservadores insistam em difamar a urna eletrônica promovida a orgulho nacional por gente que envergonha o Brasil que pensa e presta.

Terminado o duelo, entraram em cena os analistas de debate. Dez minutos mais tarde, decidiu-se que Simone Tebet triunfara, que Ciro levara a medalha de prata, que Lula só não vencera por falta de explicações para a roubalheira inexplicável. 

O perdedor, claro, fora Bolsonaro, abalado por duas fraturas expostas: a mania de maltratar mulheres que o maltratam e a economia fragilizada.  [o 'capitão do povo' não perdeu o embate, bem foi ao  bate-boca para ganhá-lo e sim para ganhar as próximas eleições.]

Nesta semana, o júri de galinheiro foi empurrado para as cordas pelo cortejo de boas notícias: o PIB cresceu, o desemprego diminuiu, a inflação caiu, o preço dos combustíveis baixou, a renda dos brasileiros aumentou. Os profetas catastrofistas tentaram reagir com um “mas”: no ano que vem as coisas vão piorar.  

Foram nocauteados na sexta-feira, quem diria, por uma pesquisa do Datafolha que finalmente permitiu a Bolsonaro ultrapassar a faixa dos 30%. Falta pouco para a eleição. A apuração dirá se Alexandre de Moraes consegue ser implacável com falsidades publicadas por companheiros de luta.

Leia também “Pedro III e a professorinha”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

terça-feira, 5 de abril de 2022

Nenhuma democracia séria do mundo defende o voto obrigatório - Gazeta do Povo

J.R. Guzzo

De todas as deformidades impostas ao Brasil pela Constituição de 1988, poucas são tão estúpidas quanto o voto obrigatório. O que se entende por “democracia brasileira”, como nos provam todos os dias o ministro Alexandre de Moraes e seus colegas do Supremo Tribunal Federal, é apenas uma contrafação – basicamente, uma salada de regras que dá poderes de ditador (e nenhuma responsabilidade) a gente como eles e outros ocupantes dos galhos mais altos da máquina do Estado.

urna eletrônica - tse - militares - forças armadas

Voto obrigatório é um dos “direitos” legados pela Constituição Cidadã de 1988 aos brasileiros -  Foto: Abdias Pinheiro/TSE

É inevitável, assim, que se multipliquem como ratos os assaltos do aparelho estatal às liberdades individuais dos cidadãos. Um deles, o voto obrigatório, tornou-se especialmente absurdo neste momento, em que o naufrágio da terceira via entre Bolsonaro e Lula está deixando muita gente sem candidato para as eleições presidenciais de 2022. As pessoas não querem votar em ninguém. Mas são obrigadas a ir até a seção eleitoral para apertar o botão de uma máquina que mostrará, se tudo correr bem, que elas não querem votar em ninguém.

Por que raios o cidadão tem de votar se ele não quer votar em nenhum dos candidatos disponíveis? Já é um delírio, do ponto de vista puramente mental, que alguém seja obrigado a exercer um direito – é mais ou menos como obrigar o sujeito a se casar, ou a ir à missa, ou a guiar um carro. Direito é uma coisa, obrigação é outra: direito é sair de casa quando você quiser, obrigação é pagar imposto.

Mas os pais da pátria que empurraram essa Constituição para cima do Brasil misturaram de propósito as duas coisas. De um lado, queriam obrigar as pessoas a votar para explorarem, em seu favor, a ignorância maciça da maior parte dos eleitores. De outro, quiseram criar mais um mandamento para reforçar a situação de vassalo que o cidadão brasileiro tem em relação ao Estado.

Não há nada mais hipócrita do que ouvir um magnata que anda por aí dando entrevista, ou um “cientista político”, ou um desses editoriais edificantes que a imprensa publica sobre o voto obrigatório
Todos dizem que a obrigação de votar “protege” e “melhora” a democracia. Mentira. Ele apenas protege e melhora a vida dos que, de um jeito ou de outro, mandam na máquina públicaao impedir que abstenções extremas deixem claro o desprezo fundamental da população brasileira por seus políticos e suas instituições
Não existe voto obrigatório em nenhuma democracia séria do mundo. 
Por que teria de existir no Brasil?

Neste momento, o que a Constituição e as elites que mandam na vida pública estão impondo é um disparate. “Você, que não quer votar em nenhum dos candidatos, tem o direito de votar em branco ou anular o seu voto”, dizem. “Não perca a oportunidade de exercê-lo no dia da eleição, sob pena de multa e de outras perseguições mesquinhas por parte dos agentes do Estado”.

Mas não seria muito mais simples, nesse caso, o sujeito ficar em casa, ou fazer o que lhe der na telha, como ocorre em todos os países realmente democratas? É óbvio que sim.  
Só que aqui não pode ser assim, porque nós temos uma “Constituição Cidadã”. Nosso direito é obedecer. Vivemos sob o comando de ditadorzinhos. Este é o Brasil 2022.
 
J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A tentação reacionária de banir o Telegram - Guilherme Fiuza

É assim a nova utopia reacionária: você pode usar uma premissa de depuração para escolher quais verdades você deixará circular

 O Tribunal Superior Eleitoral iniciou uma manifestação de hostilidade à rede social Telegram. Segundo o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, trata-se de um ambiente que tem sido utilizado para a propagação de informações falsas e teorias da conspiração. O TSE diz ter “parcerias” com as principais plataformas de internet para o controle de conteúdo indesejável e não quer que haja exceções. O TSE e seu presidente devem estar achando que estão numa colônia da ditadura chinesa.

A tentação de banir o Telegram do país só pode vicejar em mentes que tenham perdido por completo os referenciais de democracia. Estão confiando demais na retórica indigente do suposto combate a “fake news”, “onda de ódio”, etc. para embargar e suprimir o que der na telha, fazendo política a céu aberto com esse disfarce mal-ajambrado.

Vamos contribuir com essa utopia reacionária: por que não banir também o WhatsApp? Ali circula de tudo – até informação falsa extraída do perfil do próprio TSE, alegando que o projeto da instituição do voto auditável significaria o retorno a cédulas de papel. 
É ou não é terrível um ambiente suscetível a desinformações desse tipo?
 
Proíbam o Telegram e o WhatsApp. Mas não só eles. Há uma praça, numa grande cidade brasileira, onde pessoas se reúnem para dizer que o assalto à Petrobras não existiu e todos os bilhões de reais devolvidos foram apenas uma caridade dos ladrões
Por essa praça, passam milhares e milhares de pessoas todos os dias – um contingente expressivo de cidadãos permanentemente expostos a disparates desse tipo. A patrulha da verdade não vai interditar essa praça?

Mas o problema não termina aí. Algum tempo atrás, falou-se muito de um cidadão que trazia ideias estranhas – e nesses casos todo cuidado é pouco. Seu nome era Graham Bell. Como não foi detido a tempo, ele deixou por aí um aparelho perigoso – que tornava a comunicação muito mais rápida que as cartas levadas de navio ou em lombo de burro. Resultado: passou a ser possível a uma única pessoa passar trotes rapidamente para diversas outras afirmando, por exemplo, e jurando de pés juntos, que o sistema das urnas eletrônicas no Brasil é invulnerável. Como transigir com um risco de desinformação desta monta?

As “parcerias” que o TSE diz ter firmado com as principais plataformas de internet todos sabem de que tipo são e elas se estendem a toda uma rede de zeladores da verdade celestial. Com o auxílio das milícias checadoras – o braço armado do gabinete do amor – operam o banimento, por exemplo, de uma mãe que perdeu o filho jovem com um AVC pós-vacina de covid.  
Essa mãe contratou uma investigação clínica que atestou a causalidade, reconhecida pela autoridade de saúde do seu estado. 
Passou a usar as redes para tentar ampliar o conhecimento sobre efeitos adversos e foi banida.

É assim a nova utopia reacionária: você pode usar uma premissa de depuração para escolher quais verdades você deixará circular. O Telegram tem um mundo de informações e dados de todos os tipos ciência, filosofia, arte, política com toda a escala de precisão/imprecisão, confiabilidade/suspeição, boa-fé/má-fé que caracteriza qualquer ambiente livre. Para os delitos, existem as leis. Para os reacionários, não existe remédio.

Guilherme Fiuza, colunista - Metrópoles 

Este texto representa as opiniões e ideias do autor.


sábado, 6 de junho de 2020

De quem é a culpa na catástrofe da Covid-19 no Brasil? J.R. Guzzo

Gazeta do Povo

Houve até agora muito pouca cobrança – no mundo oficial, entre os “formadores de opinião” e no resto do Brasil que costuma se manifestar a respeito de tudo – sobre as responsabilidades pela catástrofe da Covid-19 no Brasil. Alguém tem alguma culpa nessa tragédia?

Os fatos estão aí, à vista de todos. O número de mortos, segundo os números oficiais, já passou dos 33 mil. A economia do país está em ruinas; as estimativas mais moderadas calculam que o PIB de 2020 vai cair em torno de 7%. As medidas de controle tomadas até agora paralisaram a produção, o trabalho e a vida em sociedade, sem afetar em nada a evolução da doença. Três meses depois de ter começado, a epidemia está matando mais de mil pessoas por dia. O que os responsáveis pela administração pública têm a dizer sobre isso tudo? “Fique em casa”. Só isso e nada mais.

As responsabilidades em torno da Covid-19 estão muito claras: o STF, desde o começo, entregou aos estados e prefeituras a exclusividade na administração da epidemia; 
ninguém, no governo federal ou no Legislativo, tem o direito de mexer uma palha a respeito do assunto. 

O governo pode tirar dinheiro do Tesouro para pagar as despesas que as “autoridades regionais” mandam para cima dele; não há nenhum limite quanto a isso. Mas está proibido de fazer qualquer outra coisa, e se tenta fazer é ignorado, simplesmente, pelos 27 governadores e 5.500 prefeitos do Brasil.

Muito bem: na conta de quem, então, devem ser debitados as mais de 33.000 mortes da epidemia? 

Muito bem: na conta de quem, então, devem ser debitados as mais de 33.000 mortes da epidemia? Se as “autoridades locais”, como decidiu o STF, têm poderes de ditadura para fazer o que lhes dá na telha em relação à doença, também tem de ter a exclusividade nas culpas.

Quem manda e desmanda em relação à epidemia (no Brasil de hoje o cidadão morre de “coronavírus” por decreto do governador) acha que a culpa é da cloroquina, da população que não entende o “distanciamento social”, da falta de patriotismo e sabe lá Deus o que mais – de qualquer um, em suma, salvo deles próprios, que tomam todas as decisões. É óbvio que governadores e prefeitos estão obtendo resultados calamitosos na sua ação de combate ao vírus.

Os seus três meses seguidos de plenos poderes, seus confinamentos e proibições, suas multas e ameaças, suas agressões aos direitos individuais e suas compras sem licitação produziram, até agora, uma montanha de mortos. Talvez seus nomes fiquem na memória da população, quando vierem pedir votos outra vez.

J.R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo


segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Por que a Lava-Jato era unanimidade e não é mais. E o foco de instabilidade na conjuntura estável. E um pouco de humor - Alon Feuerwerker

O sucesso da Operação Lava-Jato vinha sendo produto, antes de mais nada, da correlação de forças políticas extremamente favorável. Platitudes como “o povo não aceita mais a corrupção sistêmica”, ou “o eleitor quer virar a página da velha política” servem para brilhareco retórico, mas escondem o essencial. Sergio Moro et al só chegaram onde chegaram por reunir apoio político amplíssimo, inclusive entre potenciais acusados de corrupção e próceres da política tradicional. Inclusive no poder muito bem constituído.

A Lava-Jato na sua primeira etapa
(2014-2018) era útil para amplos segmentos do poder, real ou na expectativa de. Servia para quem desejava apear o PT. Mas também para quem, no PT, gostaria de trocar a hegemonia. Servia ao PSDB, mas também para quem ali sonhava com destronar os tucanos ditos de alta plumagem. E servia muito a quem imaginava reforçar seu próprio cacife político ou comercial investindo na luta contra a corrupção. Era muita gente. E foi faca na manteiga.

E veio a ruptura de outubro de 2018. Só que não do jeito desejado pelo establishment que surfara na luta contra a corrupção, contra a política estabelecida e contra o governo do PT, nem sempre nesta ordem. A coalizão do impeachment tinha a hegemonia parlamentar da aliança PMDB-PSDB, coadjuvada pelo dito centrão e lastreada socialmente na elite do Sul-Sudeste. Mas em janeiro de 2019 quem subiu a rampa foi a aliança do bolsonarismo com Olavo de Carvalho e um amplo espectro de militares.

Essa assimetria é o principal foco de instabilidade numa conjuntura bastante estável. Note o leitor como as graves crises anunciadas passam sempre sem deixar rastro. A mais permanente, com episódios recorrentes, é a da “falta de articulação política”. Como se algum governo, qualquer um, conseguisse passar praticamente todo o seu programa econômico no Legislativo sem ter articulação política funcional. No popular, é o #mimimi da turma que ganhou, mas não levou.

Vêm daí também as teses de Jair Bolsonaro precisar “descer do palanque”, “livrar-se dos filhos”, “governar para todos”, “respeitar a autonomia das carreiras de Estado”. Como se o governante cioso de seu próprio pescoço em algum momento devesse deixar de falar aos eleitores dele, trocar os mais fiéis pelos menos fiéis, parar de enfraquecer os adversários, visíveis ou ainda escondidos, e deixar as corporações fazer o que dá na telha em defesa do poder, dos privilégios e dos interesses umbilicais delas.

De volta à Lava-Jato, o principal problema dela é não mais servir ao poder. Talvez a algumas expectativas frustradas de poder, mas não está sendo suficiente. O Poder (com maiúscula) nas três pontas da Praça dos Três Poderes precisa conter a Lava-Jato para conseguir governabilidade. E o pessoal que precisa dessa governabilidade para passar as mexidas legais do programa econômico liberal vitorioso nas urnas enxerga, cada vez mais, a operação como um estorvo. Agora, a ampla coalizão não é mais a favor, é contra.

*

O principal argumento dos defensores por aqui do impeachment (que lá ainda não é saída) de Donald Trump é que ele se associou a um governo estrangeiro para, a pretexto da necessidade de combater a corrupção, criar dificuldades políticas ao principal adversário dele na disputa pela Casa Branca em 2020.

Pedir coerência na política é amadorismo. Mas pelo menos rir ainda não está proibido. Só rindo mesmo. 


Análise Política -  Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


sexta-feira, 11 de março de 2016

Dilma, que já está fora do governo, diz que não renuncia. E volta a se atrapalhar com a lógica



Segundo a mestra, sugestão de renúncia é reconhecimento de que não há motivo para impeachment... Ela nunca ouviu falar em Nixon!

No dia em que Deus distribuiu a habilidade política, Dilma Rousseff não entrou na fila. Estava muito ocupada estudando o ciclo de reprodução da mosquita e a civilização derivada da cultura da mandioca.  Quem foi a primeira pessoa no governo que falou a palavra “impeachment” em público? Dilma! Quem concedeu uma entrevista coletiva nesta sexta para assegurar que não renuncia? Ora, Dilma!

Vale dizer: a presidente está pensando em renunciar.  Ela afirmou uma coisa óbvia e outra errada como sempre, tenta a síntese de paradigmas que não se cruzam. A coisa óbvia: “A renúncia é um ato voluntário”. Concordo. Ninguém pode fazê-lo em lugar de outro. Só uma antiga Constituição da Bolívia proibia o governante de cair fora voluntariamente…

Agora a coisa errada: “Aqueles que querem a renúncia estão reconhecendo que não há uma base real para pedir o impeachment”. Trata-se de uma bobagem brutal. É como dizer que Nixon renunciou em 1973 porque não corria o risco de cair… Eu fui o primeiro na imprensa a sugerir a renúncia apenas porque isso abreviaria o sofrimento do povo brasileiro. Como de hábito, o raciocínio da presidente não faz o menor sentido.

Mais uma vez, ela evocou a memória da militante de um grupo terrorista para justificar o presente. Indagada sobre uma suposta resignação diante do inevitável, afirmou: “Vocês acham que eu tenho cara de estar resignada? Que eu tenho gênio de estar resignada? Fui presa e torturada por minhas convicções. Não estou resignada diante de nada, não tenho essa atitude diante da vida e acredito que é por isso que represento o povo brasileiro”.

Vamos pôr os pingos nos is. Foi feita presidente pela segunda vez pela maioria relativa dos eleitores, mas já não representa o povo brasileiro, que a quer fora do poder.  Mais: deveria ter dito que foi torturada — o que é uma barbaridade em si — por suas convicções à época. Ou acaba sugerindo que as mantém ainda hoje, o que seria lamentável, não é mesmo?

De resto, naqueles tempos, havia uma ditadura no Brasil da qual Dilma discordava. Ela queria outra ditadura. Se renunciasse hoje, ela o faria numa democracia. E só seria levada a tanto porque seu partido tentou conspurcar o regime democrático com convicções cleptoditatoriais.

Num dado momento, confrontada de novo com a questão da renúncia, disse achar a pergunta “ofensiva”. Dilma chegou a esses fabulosos resultados no governo ofendendo-se fácil com perguntas… Afinal, ela é a mulher das respostas, certo?  Finalmente, foi ambígua sobre Lula ser ou não ministro. Tergiversou. Ou por outra: se ele quiser, ele será. E assumirá o ministério que lhe der na telha.

Síntese: Lula já deu o golpe. Ele está no comando, e ela é um títere de um sujeito acossado por seu passado, do qual ela própria é mera derivação.  A gente só sugere renúncia porque o governo já acabou. Mas que não renuncie, então. Que seja impichada se lhe parece mais digno.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo