Morte de Maria Eduarda escancara problema da guerra de gangues em Ceilândia
Criança morreu
quando ia buscar milho para pipoca. Tiros saídos de um carro preto
também atingiram um dos irmãos dela, de 19 anos. Crime seria mais um
entre tantos em decorrência da rivalidade entre jovens moradores de
quadras vizinhas
Maria Eduarda Rodrigues de Amorim morreu com um tiro na cabeça e outro no abdômen, no quintal de casa
Uma menina de 5 anos é uma das mais recentes vítima de uma guerra
entre gangues em Ceilândia. Maria Eduarda Rodrigues de Amorim morreu em
casa, com um tiro na cabeça e outro no abdômen, quando saía para buscar
milho para fazer pipoca. Outra vítima é o irmão dela, Marcos André
Rodrigues de Amorim, baleado na perna. Ele seria o alvo dos criminosos
que mataram a criança, segundo investigadores. O rapaz de 19 anos
sobreviveu. No domingo, outro, de 17, tombou, também com uma bala na
cabeça, em uma parada de ônibus, ao lado da irmã de 12 anos, na QNO 17.
A
polícia apura a relação desses crimes com muitos outros envolvendo
jovens moradores da região. Enquanto no Rio de Janeiro, por exemplo,
crianças morrem com balas perdidas nas batalhas entre quadrilhas rivais
pelo controle do tráfico de drogas ou em operações das polícias contra
esses bandos e as milícias, a guerra da Ceilândia não tem uma causa
clara. Alguns jovens morreram só por morarem em território inimigo, em
consequência da matança sem origem definida, em um efeito dominó.
Maria Eduarda era a caçula, de
cinco irmãos, a única menina. Ela completaria 6 anos em agosto. Morava
em um lote do Conjunto 36 da QNO 18, onde há duas casas. Na da frente
moram a mãe e os quatro irmãos da menina. Nos fundos, moravam três tios.
Ela sempre dormia no barraco dos fundos, na mesma cama da tia Cleide da
Silva, 34 anos. Ambas conversavam antes do crime, por volta das 18h30
de segunda-feira. “Ela me pediu pipoca, e eu disse para ela pegar (o
milho) na casa dela. Assim que saiu, ouvi os tiros e corri. Ela estava
caída no corredor”, relatou Cleide, inconsolável, ao Correio. A tia e outros parentes levaram a menina e o irmão ao
Hospital Regional de Ceilândia (HRC), mas ela não resistiu e morreu logo
após dar entrada. Ele continua internado, até a noite de ontem,
aguardando cirurgia.
As balas que atingiram Maria Eduarda e Marcos André saíram de um Voyage
de cor preta, que passou devagar pela quadra, segundo testemunhas. Os
tiros deixaram marcas nas grades e na janela da casa das vítimas. Até a
noite de ontem, nenhum suspeito desse crime e do assassinato de domingo
havia sido preso. No entanto, o delegado Ricardo Viana, chefe da 24ª
Delegacia de Polícia (Setor O, Ceilândia), garantiu que agentes
identificaram suspeitos e estavam à procura deles, na noite de ontem.
Disse ainda que havia três pessoas no veículo de onde partiram os tiros.
“O que pudemos avaliar é que os disparos teriam saído do banco
traseiro”, explicou Viana.
Teriam sido disparados ao menos oito tiros. O carro usado no crime havia
sido roubado cerca de 20 minutos antes do tiroteio na QNO 18. Policiais
civis encontraram o Voyage abandonado em frente a um supermercado da
QNO 17. O Correio localizou o dono do veículo, na delegacia. “Eu tinha
acabado de descarregar compras do carro, quando dois menores, magros e
armados, renderam eu e a minha sobrinha”, contou o homem, que pediu o
anonimato. O roubo aconteceu na porta da casa da sobrinha dele, na
QNP15.
Antecedentes
Tio de Maria Eduarda e
Marcos André, Sérgio Rodrigues, 37 anos, reforça as suspeitas.
“Tem uma
guerra de gangues na região. Eu era criança e ela já existia. Nunca
teve um motivo específico. A coisa foi crescendo. Agora, está mais
frequente. O meu sobrinho não tinha a ver com essa guerra. Já tinham
tentado pegar ele antes (dispararam tiros contra ele, que estava no
quintal)
, porque ele mora aqui (na QNO 18)
. Minha sobrinha foi vítima de
uma rixa em que os menores vão assumindo uma briga que ninguém sabe
como começou”, contou. Outros parentes e vizinhos apontam outro possível
alvo dos ocupantes do Voyage preto, outro irmão de Maria Eduarda, que
tem 15 anos e saiu de casa há cerca de dois meses.
Marcos André
estava em liberdade provisória desde 26 de março. Ele foi preso por
receptação de produto roubado. Em outubro de 2016, quando o jovem tinha
18 anos, a polícia também o prendeu por roubo, associação criminosa,
porte ilegal de arma de fogo e corrupção de menor de 18 anos. Nesse
processo, ele conseguiu liberdade em 30 de maio de 2017. Pai de Marcos
André e Maria Eduarda, Hilário Éric de Amorim morreu vítima de arma de
fogo. O crime foi um acerto de contas em 26 de agosto de 2012. Os
familiares não contaram o motivo.
Inocentes
A
mãe das vítimas estava transtornada, ontem. Cláudia Rodrigues passou a
madrugada arrumando as roupas de Maria Eduarda, depois pegava os
brinquedos da filha e caía em prantos, segundo familiares. À tarde foi
ao Instituto de Medicina Legal (IML), para liberar o corpo da filha. A
menina estava aprendendo a ler e a escrever. Ela cursava o segundo
período da educação infantil na Escola Classe 56 de Ceilândia, onde o
muro está pichado com as ameaças entre as gangues. As aulas serão
suspensas hoje para que a comunidade escolar possa participar do velório
da menina. Ela será velada na Capela 3 do Cemitério de Taguatinga,
entre 14h30 e 16h30, e o enterro será às 17h.
Outros moradores,
além de policiais, confirmam que a matança entre grupos rivais da QNO 17
e da QNO 18 dura
“há anos”, mas ninguém sabe precisar quando ela
começou nem o número de mortes de cada lado.
Mas é certo que houve
outros inocentes. Um deles seria o rapaz executado no domingo. Sem
passagem pela polícia, ele estudava e jogava futebol em um time amador
de Ceilândia. Esperava um ônibus na parada, na companhia da irmã, quando
dois homens de bicicleta os abordaram.
Os suspeitos teriam perguntado à
vítima se ela estava envolvida na guerra entre os moradores da QNO 17 e
da QNO 18. Mesmo após negar, levou quatro tiros, um deles na cabeça. O
garoto morava na QNO 16.
Amiga do jovem morto domingo, uma
adolescente lamentou que a guerra de gangues “já não mata apenas os
envolvidos”. “Meu amigo não tinha nada a ver com a rixa. O sonho dele
era jogar futebol e ele era uma pessoa tranquila, que organizava festas
na igreja. O povo se revoltou aqui (na QNO 17). Em junho, ele chegou a
fazer uma viagem para jogar bola. Ele só estava indo buscar a irmã na
parada. Não usava drogas e nem gostava de beber”, ressaltou, em
lágrimas.
Acompanhada do pai, outra adolescente moradora da QNO
17 relatou o medo até de ir para a escola.
“Está todo mundo com medo.
Hoje, a minha mãe não queria nem deixar a gente ir ao colégio.” O pai
emendou:
“As mortes estão mais frequentes. Quem não tem relação com essa
briga não pode nem sair mais. Eu me preocupo com a minha filha.”
A vítima
Maria Eduarda Rodrigues de Amorim, 5 anos
» Filha caçula, de cinco irmãos
» Estava aprendendo a ler e a escrever
» Cursava o segundo período da educação infantil na Escola Classe 56 de Ceilândia
» Morreu em casa, com um tiro na cabeça e outro no abdômen, quando saía para buscar milho para a tia fazer pipoca
Saiba mais, clicando aqui - Irmão de menina morta com tiro na cabeça estava em liberdade provisória - Marcos André Rodrigues de Amorim, 19 anos, tinha sido preso em março por receptação, mas estava livre
Correio Braziliense