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terça-feira, 10 de setembro de 2019

Procurador que reclamou de salário de R$ 24 mil recebe, em média, R$ 68 mil - CB

Somente em março, mês em que obteve o menor valor, foi mais que o dobro de R$ 24 mil

O procurador de Justiça Leonardo Azeredo dos Santos, que se queixou em uma reunião com colegas de receber o 'mizerê' de R$ 24 mil por mês, ganha, na verdade, bem mais que o reclamado, segundo dados do portal da transparência do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Isso, devido a indenizações e outras remunerações que se somam ao salário. Somente em março, mês em que obteve o menor valor, foi mais que o dobro de R$ 24 mil. Nesses sete meses, a média recebida por ele foi de R$ 68.275,34.

As informações que constam no portal da transparência do MPMG mostram que o rendimento líquido total do procurador é, realmente, um pouco abaixo de R$ 24 mil. Mesmo assim, outros valores se somam ao salário. Em julho, por exemplo, que é o último mês com os dados disponíveis para consulta, Leonardo recebeu indenização de R$ 9.008,30, e remunerações retroativas/temporárias, de R$ 32.341,19. Ao todo, o valor recebido, incluindo o salário, foi de R$ 65.152,99. 

Em janeiro, ainda segundo os dados que constam no setor de transparência do MPMG, os valores foram ainda mais alto. Além do rendimento líquido total, de R$ 23,803,50, o procurador recebeu indenização de R$ 42.256,59, e o valor de R$ 21.755,21, relativo de outras remunerações retroativas/temporárias. Os procuradores ainda têm outros benefícios, como o auxílio-alimentação, de R$ 1,1 mil, e o auxílio-saúde, valor equivalente a 10% do subsídio.

Insatisfação
Mesmo assim, o salário mensal de aproximadamente R$ 24 mil vem provocando indignação entre os procuradores. Em um áudio publicado no site do Ministério do Público do estado, alguns integrantes expuseram opiniões sobre a atual remuneração, com direito a desabafo e apelo. “Um salário relativamente baixo, sobretudo para quem tem filhos. Como o cara vai viver com 24 mil reais?”, questionou Leonardo Azeredo dos Santos, em reunião extraordinária da câmara de procuradores que debatia o orçamento do Ministério Público para 2020.

Na hipótese de Minas Gerais assinar o acordo de recuperação fiscal, o Estado corre risco de ficar impedido de realizar reajustes salariais, assim como fez o estado do Rio de Janeiro. Esse acordo, se confirmado, afetará também o Ministério Público. Em um áudio de uma hora e quarenta minutos, divulgado no site do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), pode-se ouvir, aos 31 minutos de reprodução, o momento em que Leonardo solicita direito de palavra e desabafa diante do procurador-geral de Justiça, Antônio Sérgio Tonet, e de outros colegas. No discurso, ele diz estar baixando “seu estilo de vida” para sobreviver. 

“Quero saber se nós, no ano que vem, vamos continuar nessa situação ou se vossa excelência já planeja alguma coisa, dentro da sua criatividade, para melhorar nossa situação. Ou se vamos ficar nesse mizerê. Quem é que vai querer ser promotor, se não vamos mais ter aumento, ninguém vai querer fazer concurso nenhum?", disse Leonardo Azeredo. O membro do Ministério Público ainda revelou que vem usando remédios controlados e antidepressivos para aguentar a situação atual e que já reduziu seu “estilo de vida” para conseguir arcar com as contas.

“Estou fazendo a minha parte. Estou deixando de gastar R$ 20 mil de cartão de crédito e estou passando a gastar R$ 8 (mil), para poder viver com os meus R$ 24 mil. Agora, eu e vários outros já estamos vivendo à base de comprimidos, à base de antidepressivo. Estou falando desse jeito aqui com dois comprimidos sertralina por dia, tomo dois ansiolíticos por dia e ainda estou falando desse jeito. Imagine se eu não tomasse? Ia ser pior que o ‘Ronaldinho’. Vamos ficar desse jeito? Nós vamos baixar mais a crista? Nós vamos virar pedinte, quase?”, conclui.

Resposta do MP
Em nota, o MPMG confirma que na sessão "houve manifestação de cunho pessoal de um dos integrantes do colegiado sobre a política remuneratória da instituição". Afirma, porém, "que não há nenhum projeto em andamento sobre a adoção de benefícios pecuniários para a carreira de membros (procuradores e promotores de Justiça) ou de servidores, em vista da grave crise financeira vivenciada pelo estado e da necessidade de observação da Lei de Responsabilidade Fiscal para gastos com pessoal".

O texto informa ainda que o órgão "vem tomando medidas de austeridade para aumentar a eficiência administrativa e reduzir os gastos, principalmente com pessoal". Segundo a nota, as medidas têm se mostrado eficiente para manter o Ministério Público dentro do limite legal de 2% da Receita Corrente Líquida.

Política/Economia - Correio Braziliense
 

sábado, 9 de junho de 2018

Remédios apreendidos na Papuda poderiam levar à morte de Geddel, diz laudo

Em abril, centenas de comprimidos foram encontrados na cela do ex-ministro, que se recusou a passar por uma perícia de urgência 

Os remédios apreendidos com o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB) na cela em que ele está preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, poderiam causar a morte do emedebista se ingeridos de uma só vez. A conclusão é de laudo do Instituto Médico Legal (IML) enviado à Justiça do Distrito Federal.  A juíza da Vara de Execuções Penais, Leila Cury, reproduziu trecho do documento em despacho publicado na terça-feira, 5, após solicitar uma apuração sobre centenas de medicamentos encontrados na cela do ex-ministro, sem que ele tivesse receita médica.

Geddel está preso desde que a Polícia Federal encontrou em um apartamento em Salvador caixas e malas de dinheiro vivo, somando 51 milhões de reais. A fortuna é atribuída a Geddel Vieira Lima e a seu irmão, o deputado federal Lúcio Vieira Lima.  “O ilustre perito signatário do laudo e seu aditamento afirmou que ‘se todas essas substâncias forem ingeridas em sua totalidade (todos os comprimidos encontrados de todas as substâncias), poderia causar a morte do periciando'”, cita a juíza.  Os peritos informam que “alguns medicamentos possuem o mesmo princípio ativo, e, por isso, podem ser potencialmente perigosos se tomados em conjunto, a depender da posologia de cada um”.

Outros transtornos potenciais levantados pelo laudo do IML são “hepatite tóxica medicamentosa, insuficiência hepática, insuficiência renal aguda, arritmia ventricular cardíaca (com potencial evolução para assistolia), síndrome de Stevens Johnson, síndrome convulsiva), hipersonia medicamentosa e insuficiência respiratória, entre outros”.
Em abril, centenas de comprimidos foram encontrados em posse de Geddel na Papuda. Ele se recusou a passar por um exame pericial de emergência, após ter sido visto com comportamento alterado por funcionários do setor de saúde do presídio. Os agentes penitenciários apreenderam centenas de comprimidos dos medicamentos antidepressivos, contra insônia, tranquilizantes, analgésicos e para tratamento gástrico, além de uma pomada.
A defesa de Geddel disse que os remédios foram repassados a ele pela equipe médica do Centro de Detenção Provisória (CDP) e que não procede que ele não possuísse autorização. “Os medicamentos são preceitos e dados pela penitenciária”, afirmou o advogado Gamil Foppel.

Controle de remédios
Na terça-feira, 5, a juíza Leila Cury determinou que a direção do CDP controle o acúmulo excessivo de remédios prescritos a Geddel Vieira Lima, que está preso provisoriamente. Ela também afirma que o político pode ter necessidade de acompanhamento de psiquiatras. “Embora Geddel não tenha sido submetido a exame psiquiátrico e, em razão disso, não tenha havido qualquer conclusão psicopatológica, resta inegável que a apreensão de diversos medicamentos e em quantidades que extrapolavam as respectivas ingestões diárias, requer cuidados, sobretudo quando uma das possibilidades resultantes de eventual de ingestão concomitante seria a morte”, anotou a magistrada.

Ela ainda comunicou ao Ministério Público e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre a conduta de um estagiário do escritório que atua na defesa do ex-ministro. Ele é apontado como responsável por orientar expressamente Geddel a não se submeter ao exame pericial e psicopatológico de emergência, quando o flagrante ocorreu, em abril. A juíza diz que ele agiu como alguém que “tenta impedir procedimento médico que visa salvar vidas, por motivos religiosos”.

Veja
 

domingo, 30 de julho de 2017

Violência muda comportamento de quem vive no Rio

Apenas mais um dia no Rio - Medo provoca cada vez mais transtornos psiquiátricos 

Com medo de se identificar, um bancário sequestrado por bandidos sabe que algo mudou dentro dele. Os hábitos de antes, mais leves, bem ao estilo carioca, perderam a naturalidade e a apreensão tomou conta de sua rotina. Ele próprio diz que ficou com uma cicatriz psicológica.  — É uma cicatriz que se reflete em todos pormenores, da hora em que acordo até a hora de dormir. Interfere no que eu faço ou deixo de fazer. Você aprende a olhar para essa marca no espelho e a lidar com ela. Mas não esquece.

A falta de paz tem levado cada vez mais cariocas e pessoas que escolheram viver na cidade para os consultórios de psicanálise e psiquiatria. Médicos do Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ constatam que as pessoas, submetidas à pressão das ruas, estão adoecendo. A pesquisadora do Ipub Herika Cristina da Silva afirma que, além de sobressaltadas, hipervigilantes e ansiosas, as vítimas ou testemunhas da violência podem desenvolver depressões e crises de pânico. Ou ainda ter sequelas mais graves, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), com sintomas como pesadelos, lembranças perturbadoras, insônia, distanciamento ou perda de interesse por atividades.

Um estudo da nossa equipe constatou que 86% dos moradores do Rio e de São Paulo já tinham sido expostos a pelo menos a um evento traumático ao longo da vida. No Rio, a prevalência de TEPT chegaria a 8,7% da população (o que equivaleria a cerca de 500 mil pessoas) — afirma.

Aprovado num teste para um musical no Rio, o ator Júlio Ferreira, do Amazonas, desembarcou no Rio cheio de esperança porque realizaria um sonho. A euforia nem tinha passado quando a cidade lhe deu as “boas-vindas”. Ele teve o dinheiro roubado num táxi, ao sair do aeroporto, e, mal deixou as malas na casa de um amigo, no Engenho Novo, teve que correr de um tiroteio entre policiais e traficantes. Abruptamente, foi apresentado à violência cotidiana.  — A cidade perdeu o brilho. Não tenho coragem de sair à noite, nem de ir à peça de teatro. É de casa para o trabalho. E só — diz o ator recém-chegado.

Os temores se espalham e tornam ruas e bairros inteiros proibitivos. O resultado é que muitos optam por ficar dentro de casa, esvaziando a cena boêmia que era uma característica tão nossa. Presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes (SindRio), Pedro de Lamare diz que, conjugada à crise, a violência reduziu em 25% a 30%, em média, o movimento dos restaurantes. Alguns têm fechado mais cedo. Pela primeira vez, afirma ele, a queda é maior nos estabelecimentos de rua do que nos shoppings. E afetou em cheio redutos da noite, como Lapa e Santa Teresa:
— Os clientes optam por ficar mais perto de casa. Quem mora no Jardim Botânico repensa se vai a um bar na Zona Norte, mas também a Ipanema ou ao Leblon. O Rio está retroagindo à velha cidade partida. As pessoas têm se isolado, no máximo, em ilhas mais movimentadas, onde se sentem um pouco mais seguras, como o polo gastronômico de Botafogo ou a Avenida Olegário Maciel, na Barra.

Especialista nas causas do transtorno, a psiquiatra Mariana Luz, também do Ipub, não tem dúvidas: a violência interpessoal urbana é o trauma com maior potencial de gerar a doença.
Um ato de violência contamina muitas pessoas, não apenas quem o sofreu. Os traumas que chegam até nós estão ligados a atos cada vez mais violentos, cruéis e que estão disseminados por toda a sociedade.
Boemia abalada. Rua Almirante Alexandrino, Santa Teresa,  às 20h30m de quinta-feira passada: bares e restaurantes vazios - Pablo Jacob / Agência O Globo


O silêncio em Santa Teresa, com bares e restaurantes vazios às 20h30m da última quinta-feira, sintetizava as inquietações que assombram o Rio. A violência, associada à crise, tem tirado o carioca de circulação, quando não contribui para fazê-los desistir da cidade. Este domingo será o último dia da publicitária Isadora Prado em Botafogo. Amanhã, ela se muda para São Paulo, seguindo o caminho já trilhado por seu namorado e por amigos. — Recentemente, estava numa farmácia de Botafogo quando adolescentes entraram quebrando tudo. Antes, tinha sido assaltada duas vezes, na Barra e em Jacarepaguá. E essa última vez me deixou muito traumatizada. Passei a olhar para trás e para os lados, com medo de ser atacada de novo. Nunca imaginei que pudesse ter uma sensação de mais segurança em São Paulo. Mas, aqui, chegamos ao absurdo. Esse foi um dos fatores que pesaram na minha decisão — diz Isadora.

Já Leonardo Moraes, estudante de gastronomia, resolveu ir mais longe. Tios e primos dele trocaram o Rio pelos Estados Unidos e Portugal. Ele deixará Padre Miguel para tentar a sorte na Europa. Sempre defendi meu país, minha cidade. Mas, agora, tenho mais motivos para ir embora, e a violência é um deles. Um monte de amigos está fazendo o mesmo — afirma. — Fui roubado duas vezes em menos de um mês. Em um dos assaltos, levaram até meus chocolates'.

Os relatos se multiplicam: pânico de motos e bicicletas, muito usadas por assaltantes; receio de abrir o portão de casa ou do prédio; pavor dos túneis e vias expressas. Medo que acompanha a oficial de justiça Gyzele Tuber, moradora do Itanhangá e que trabalha em Duque de Caxias:  — Preciso passar pelas linhas Vermelha e Amarela e me sinto encurralada. Se o trânsito está engarrafado, acho que está acontecendo algo. Se está livre demais, também. Esse temor já chegou à minha vida pessoal. Restringi minhas saídas de casa. Depois das 20h, só se for algo muito especial. Vivemos como reféns.

Nas favelas, nervos à flor da pele 
K. tinha 13 anos quando a polícia invadiu sua casa e apontou um fuzil contra seu peito. V., de 17, perdeu o avô baleado numa operação na favela. M., aos 19, tem sua laje usada como rota de fuga de bandidos. E C., de 17, cai no choro toda vez que lembra da amiga que encontrou morta, vítima de um estupro. Para esses jovens moradores de Acari, a violência é devastadora. Eles ficam no meio do fogo cruzado, acuados por confrontos do tráfico, desmandos da polícia e ataques de criminosos que os perseguem até dentro da escola. As marcas dessa rotina, eles carregam aonde vão. — O barulho de helicóptero é assustador. Parece o começo da guerra. O chão perto da minha casa é todo furado pelos disparos feitos das aeronaves — diz V., que precisou fazer terapia após a morte do avô. — Desenvolvi pressão alta e comecei a engordar. Meu grande receio é sair de casa e não voltar mais. Tenho medo de ir para a escola. Afeta até a minha procura por um emprego. 

Esconder-se de tiroteios não é para eles algo excepcional. E as histórias para contar são assim mesmo, no plural. Outro adolescente, de 16 anos, diz que tenta aparentar calma sempre que se depara com um confronto. Mas, no fundo, fica aterrorizado:  — Uma vez me rastejei pelo chão para escapar. Pensaram que eu estava morto. Ando sempre alerta. De um segundo para outro, tudo pode mudar brutalmente.

E a polícia, que deveria defendê-los, também amedronta. — Já presenciei um policial matando uma pessoa. Era bandido, sim. Mas não deveria ser morto — indigna-se C. [pensamento errado o de C. Entende que o bandido deveria permanecer vivo para matar uma pessoa de bem. BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO.]  Tenho trauma de polícia desde pequena. Quando os vejo, não consigo nem falar, só chorar. Fico paralisada — relata K.
Todos participam de um programa para jovens da Secretaria municipal de Assistência Social. Ao fim de cada encontro, independentemente das crenças de cada um, rezam pela paz.

Mulheres de PMs relatam pânico
Terça-feira passada. Às 4h, o marido de Mara Gomes sai para o trabalho, e ela não dorme mais. Chora, entra em pânico, porque dois dias antes ele era um dos policiais militares encurralados por bandidos no Vidigal, onde um colega dele, o terceiro-sargento Hudson Silva de Araujo, tornou-se o 91º PM morto no Rio este ano.  — Tem sido apavorante. Nós, parentes de policiais, não conseguimos mais ter orgulho da profissão deles. Temos medo. Não sabemos quem será a próxima viúva — dizia Mara, que horas depois prestaria condolências à mulher de Hudson no enterro do PM, em Sulacap.
 Indignação. Enterro de 91º PM morto no Rio este ano: marido de Mara Gomes estava com policial assassinado - Domingos Peixoto / Agência O Globo

Tomada pelos mesmos temores de Mara, Carine Diniz precisou de antidepressivos. Escutava o interfone de casa tocar o tempo inteiro, sem que houvesse ninguém na porta. Era a apreensão de que chegasse alguma notícia ruim do marido. — Telefonar para ele, e a ligação cair na caixa postal é desesperador. Estamos vivendo pela fé, literalmente — diz.

Sair para se divertir, sobretudo à noite, virou um martírio. No caso de Claudenice dos Santos, algo impensável por quase seis meses, depois de o marido ter sido executado na frente de um dos filhos do casal:  — É devastador. Por meses, não colocava o pé fora de casa, a não ser que um amigo me pusesse dentro de um carro e me levasse. Estou tentando retomar minha vida. Mas ainda não vou nem ao mercadinho da esquina sozinha.

E quando essas famílias encaram as ruas, levam o medo de carona. A filha adolescente de um policial conta que entra em restaurantes procurando onde se esconder. Sobressalto sem fim também vivido por Darla Nascimento:  — Meu marido está dando aulas de táticas de fuga, a mim e à minha filha. É como se vivêssemos uma guerra.

 Palavra de especialista: Herika Cristina da Silva

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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Guerra síria também se alimenta de anfetaminas

Desde 2013 dispararam a produção e o consumo de estimulantes - Combatentes usam drogas para suportar o desgaste no campo de batalha

Depois de quatro anos de guerra, a Síria se tornou centro produtor e mercado consumidor para o lucrativo negócio do contrabando. Com as forças de segurança sobrecarregadas pelo esforço bélico e pelo menos 40% do território fora do controle do Estado, os senhores da guerra lucram com o comércio de armas e, desde 2013, também com as drogas. Uma anfetamina, popularmente conhecida como Captagon (sua antiga marca comercial), tornou-se a primeira em vendas entre as substâncias ilegais. Sua produção, assim como seu consumo, aumentou vertiginosamente no país, onde os combatentes apelam a esse estimulante para resistir ao desgaste no campo de batalha.

"Em pleno fronte, um comprimido de Captagon permite aguentar até 48 horas sem comer nem dormir nem sentir frio", relata via Skype, do Norte da Síria, Abu Mazen, combatente de seus trinta e tantos anos de uma facção rebelde. "Em um confronto em Alepo meu companheiro foi ferido na perna e não sentiu nada por uma hora", diz o miliciano. Alguns soldados afirmam que, entre as forças regulares sírias, também há o consumo. "É menos habitual, mas às vezes aqueles que perderam um companheiro ou não conseguem administrar o estresse recorrem ao Captagon", diz Elias, ex-membro da Defesa Nacional Síria.

A cobiçada pílula é vendida por 12 a 55 reais a unidade, nada acessível para a paupérrima economia síria. Produzida no Ocidente nos anos sessenta, era usada como remédio para tratamento de hiperatividade e de depressão. Foi proibida nos anos oitenta por gerar dependência. Desapareceu do mercado europeu para ressurgir no Oriente Médio. Os países do Golfo se tornaram seus principais consumidores. A polícia saudita apreende 55 milhões de comprimidos por ano, cerca de 10% do total das vendas, segundo relatórios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC).

O ano de 2013 é um divisor de águas no tráfico de Captagon. A Síria emerge como exportador regional de uma variação da substância, barata e fácil de fabricar, o que fez cair em cerca de 90% a produção libanesa. As porosas fronteiras com o Líbano e com a Turquia são as rotas preferidas para sua exportação para o Golfo. "Em agosto de 2013 realizamos uma importante operação antidrogas em Bekaa (região de fronteira com a Síria), apreendendo 5 milhões de comprimidos de Captagon produzidos na Síria e escondidos em um caminhão. Vale 100 milhões de dólares (270 milhões de reais) no mercado", diz o general Ghassan Chamseddine, diretor da Unidade Antidrogas das Forças de Segurança Interior libanesas. "Antes de 2013, eram interceptadas pequenas quantidades, de 50.000 unidades. Mas nossa luta na época se concentrava no tráfico de cocaína trazida de países da América Latina e na exportação de haxixe para o Norte da África e para a Europa", acrescenta.

Os senhores da guerra diversificaram suas receitas obtidas com a venda ilegal de petróleo, fazendo do narcotráfico uma importante fonte de financiamento para compensar a desvalorização da libra síria e o encarecimento das armas. Segundo dados do jornal norte-americano Christian Science Monitor, o preço do popular rifle de assalto russo AK-47 passou de cerca de 2.000 reais para mais de 4.500 reais desde o início do conflito, em março de 2011.

O consumo de anfetaminas e antidepressivos se estende também à população civil, exasperada por uma guerra sem fim. "Há boatos sobre o consumo de Captagon, mas normalmente se trata de antidepressivos ou ansiolíticos, como o Prozac. O consumo aumentou muito em Damasco, refúgio da maioria dos deslocados, portadores de graves traumas psicológicos", afirmou em novembro um voluntário de uma ONG local em Damasco.

Fonte: El País