Os que estão no governo querem mesmo é censura prévia ou, como se diz por aí, controle social da mídia
“Sim, eu sei o que fazem os
editores, eles separam o joio do trigo e publicam o joio". A frase
clássica de Adlai Stevenson, político americano do Pós-Guerra, pode ser
utilizada com variadas intenções. Trata-se, claro, de uma divertida
crítica à qualidade da imprensa. Por aí, as verdadeiras notícias
estariam na lata de lixo das redações e, lógico, a sociedade ficaria
sempre mal informada.
Mesmo quando não admitem, políticos de todas
as tendências concordam com Stevenson. Os que estão no governo, então,
acham que a frase é perfeita e justifica medidas corretivas. Não é
censura, dizem, apenas encontrar meios para melhorar a qualidade da
imprensa. Conversa. O que querem mesmo é censura prévia ou, como se diz por aí, controle social da mídia.
Jornalistas
estão o tempo todo decidindo, primeiro, o que se vai apurar, segundo, o
que se vai publicar e, terceiro, como se vai apresentar a notícia. Tudo
considerado, caímos na mais antiga questão da profissão: o que é
notícia? Há várias respostas clássicas produzidas por jornalistas: — Se o cachorro morde o homem, não é notícia, se o homem morde o cachorro, é;
— Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado, o resto é propaganda;
— Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados (Millôr Fernandes);
Examinamos
essas teses em coluna aqui publicada em 22/12/2011, com o título “O
povo não é bobo". Também pode ser encontrada no arquivo de
www.sardenberg.com.br. A questão hoje é anterior: quem decide o
que é notícia? Os patrões, os donos dos jornais, rádios, TVs e sites —
diz o pessoal que quer introduzir a censura prévia, perdão, o controle
social.
Sim, há veículos nos quais as redações são instruídas a
publicar apenas o que os patrões consideram a notícia correta. Exemplo?
Todos os veículos cujo patrão é o governo — a conhecida imprensa
chapa-branca.
Somos contra a censura prévia e/ou “controle social"
— o leitor já terá notado — mas se a regra for introduzida, a aplicação
tem que começar pelos veículos do governo. Estes publicam um enorme
joio, as versões oficiais: ninguém rouba nada, não há mensalões nem
petrolão, tudo funciona e, se não funciona, é por causa da seca, do
azar, do mundo, da oposição ou da imprensa do contra.
Ainda tem aí
uma baita farsa. O verdadeiro patrão é o povo, que paga os impostos e
assim financia a chapa-branca. Mas os políticos, governantes de plantão,
usurpam o papel de patrões e controlam essa mídia no interesse dos
respectivos partidos. Sim, foram eleitos, e por isso representam a
população. Mas, numa democracia, não podem esquecer que tiveram o voto
de parte dos eleitores, havendo, pois, uma outra parte que merece
respeito — e informação não partidária.
A saída — segundo uma
velha tese — é colocar os veículos do governo sob controle de um comitê
com representantes dos diversos partidos, em número proporcional aos
votos por eles conseguidos. Esqueçam. Não funciona. Um veículo
público assim dirigido vai noticiar não uma, mas várias versões
oficiais, o joio do governo e o da oposição. Duplo desperdício de
dinheiro do povo.
Há quem recomende a proibição legal: governos,
federal, estaduais ou municipais, não poderiam editar veículos de
informação geral — de suposta informação geral, no caso. A TV pública,
por exemplo, divulgaria apenas programas educativos, cursos e informação
efetivamente pública, como campanhas para combater a dengue, chamada
para vacinação, previsão do tempo, instruções para agricultores e assim
por diante. Seria mais barata e mais útil.
Outros sugerem
que os veículos do governo sejam, afinal, dirigidos como os da imprensa
privada de qualidade — aquela cujos jornalistas são guiados por um
código formal ou informal, com o objetivo de apurar e publicar o que é
notícia ou opinião relevante.
Na prática, é difícil conseguir tal
isenção no setor público. Além disso, se a TV pública vai fazer a mesma
coisa que a TV privada faz, por que gastar dinheiro do contribuinte com a
primeira?
O que retorna a questão: como garantir que os jornalistas escolham o trigo? Ou como a lei pode garantir a qualidade da imprensa? Não
pode. A lei tem que garantir a liberdade da imprensa e, sim, dos
jornalistas. A qualidade — ou, a notícia de interesse, publicada de
forma correta, isenta e independente —, isso depende do público, do
leitor, ouvinte, telespectador e internauta.
O povo não é bobo,
sabe onde buscar a informação. Olhem as audiências. É eloquente a
audiência zero dos noticiários das TVs públicas. É evidente a baixa
credibilidade dos veículos que só divulgam a voz do dono, seja o governo
ou a empresa privada. O tema seguinte é: como distinguir e quem pode distinguir entre ofensa e crítica? Na próxima.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo