Pelo que consegui colher de informação, meia dúzia de PECs que tratam da redução da maioridade penal, com foco na penalização dos crimes hediondos, encontram-se parados no Congresso por força dos mesmos artifícios retóricos. Nos últimos dois anos, conseguiram matar o assunto. O “humanismo” zarolho, de quem que só vê o bandido e desconsidera a vítima, entra em êxtase quando nossas ruas se enchem de criminosos. Agora, até um vírus serve para isso.
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"Reduzir a maioridade penal não vai acabar com a violência!", proclama o
debatedor em tom veemente. Ninguém afirmou uma tolice dessas, mas o
sujeito passa a detonar a frase que ele mesmo fez como se, assim,
estivesse demolindo a proposta de redução da maioridade penal. Um
criminoso de 16 anos, ou um “adolescente autor de ato infracional”
(fazem misérias com o idioma da gente!) tem que ser preso sob regras
rígidas e ser submetido a penas do Código Penal por uma série de razões.
E acabar com a violência não é uma delas. Seja como for, essa é uma das
bem conhecidas e nada honestas artimanhas empregadas em debates:
atribuir à tese adversária argumentos que não foram empregados em seu
favor, para dar a impressão de que ela é destruída quando tais
argumentos são desmontados.Outra artimanha é a de levar a tese adversária a um extremo jamais cogitado, tornando-a ridícula. Por exemplo: "Os que defendem a redução da maioridade penal logo estarão querendo reduzi-la novamente para 12 anos. Daqui a pouco estarão encarcerando bebês". E, assim, um rapagão de 17 anos, do tamanho de um guarda-roupa, estuprador e assassino, fica parecendo tão inocente quanto uma criança de colo.
Outra, ainda, envolve a apresentação, em favor da própria tese, de um argumento competente que com ela não se relaciona. A coisa fica assim: "Nossos cárceres são verdadeiras escolas do crime, que não reeducam". Esse argumento escamoteia dois fatos importantíssimos:
1º) a ressocialização é apenas uma (e sempre a mais improvável) dentre as várias causas do encarceramento de criminosos e
2º) o preso não entrou para a cadeia inocente e saiu corrompido. Foi fora da cadeia que ele se desencaminhou.
Por outro lado, a pena privativa de liberdade tem várias razões. A principal, obviamente, é a de separar do convívio social o indivíduo que demonstrou ser perigoso. A segunda é a expiação da culpa (fator que está sendo totalmente negligenciado no debate sobre o tema). Quem comete certos crimes paga por eles com a privação da liberdade. Ao sair da prisão, dirá que já pagou sua pena, ou seja, que já acertou as contas com a sociedade. A expiação da culpa é o único motivo, de resto, para que nos códigos penais do mundo inteiro as penas de prisão sejam proporcionais à gravidade dos delitos cometidos. A terceira razão da pena privativa de liberdade é o desestímulo ao crime (dimensão de eficácia incerta, sim, mas se as penas fossem iguais a zero a criminalidade, certamente, seria muito maior). Pois é a relativa impunidade assegurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que tem estimulado o uso de menores para a prática de muitos crimes.
O assunto é importante, bem se vê, mas pressupõe honestidade intelectual, porque a deliberação democrática fica comprometida quando ela se faz ausente.
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.