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terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Soberba tucana - Folha de S. Paulo

Opinião

Doria, com ida a Miami, e Covas, com alta salarial, não atentam para simbolismo

Descaso e soberba uniram os tucanos João Doria, governador de São Paulo, e Bruno Covas, prefeito da capital paulista, em erros políticos cometidos nos últimos dias. Doria frustrou expectativas que ele próprio criara ao adiar a divulgação de dados relativos à eficácia da Coronavac, o imunizante contra a Covid-19 produzido em parceira com a chinesa Sinovac. Descobriu-se, ademais, que o governador havia viajado a Miami, com a mulher, para alguns dias de lazer. [na Flórida não usou máscara, sendo que sua ilustre esposa tentou justificar dizendo ser ele um asmático.]

Na mesma semana de Natal, Covas deu-se de presente um reajuste salarial de 46,8%, ao sancionar texto aprovado pela Câmara Municipal que beneficia ainda o vice-prefeito e os secretários municipais, além de elevar o teto para os vencimentos do funcionalismo.

É o governador quem tem mais a perder, sem dúvida, com a desatenção arrogante ao impacto simbólico de seus atos. Afinal, no afã de se fortalecer como postulante ao Planalto em 2022, ele busca se diferenciar do padrão de irresponsabilidade, despreparo e ausência de empatia de Jair Bolsonaro.

Ganhou valiosa oportunidade de assumir o papel de protagonista e equiparar-se aos governantes internacionais que agiram com presteza para dar início à vacinação —e também a chance de desfazer as impressões de oportunismo e individualismo que deixou em sua ainda curta trajetória na vida pública. O empresário que abraçou a política já havia se desgastado ao abandonar o mandato de prefeito para concorrer ao governo do estado. Na campanha, em que pese a vitória, acumulou desconfianças sobre a retidão de suas convicções ao associar-se à maré bolsonarista.

A viagem desastrada a Miami foi devidamente explorada por Bolsonaro e repudiada até mesmo por correligionários. Na tentativa de minimizar os danos, o tucano divulgou um vídeo com um pedido pouco convincente de desculpas.

Sucessor de Doria no governo municipal, Covas tem decerto ambições menores —o que não autoriza a ligeireza com que tratou do próprio contracheque num cenário de pandemia, desemprego elevado e contas públicas em frangalhos.

Em outro momento poderiam soar razoáveis argumentos como a defasagem salarial acumulada desde 2012 e o reajuste ter sido inferior à inflação acumulada. Agora, a medida reduz a credibilidade de um prefeito que precisa pedir sacrifícios à população. Elitismo e imodéstia são defeitos desde muito apontados pelos críticos do PSDB, nem sempre justamente. Desta vez, de fato, nomes que encabeçam a renovação do partido não se ajudaram. [destaque-se que além de viajar a lazer enquanto seus governados são confinados por determinação sua, Doria se associou ao prefeito Bruno Covas - que se autoconcedeu reajuste salarial, em tempos de pandemia - para retirar dos idosos gratuidade de passagens em transporte coletivo municipal e intermunicipal

Enquanto o presidente Bolsonaro tenta romper a manifesta má vontade do Congresso, ainda sob Alcolumbre e  Maia, e conseguir algum tipo de ajuda para milhões de brasileiros necessitados, o João Doria e Bruno Covas retiram dos idosos, faixa de 60 a 65 anos de idade, beneficios que recebem (recebiam) desde 2013.]

Opinião - Folha de S. Paulo

 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

E os interesses de São Paulo e sua população? - O Estado de S. Paulo

Bruno Covas e Guilherme Boulos mantêm no segundo turno baixo nível das discussões da campanha

O segundo turno das eleições que vão escolher o prefeito de São Paulo pelos próximos anos oferece tão pouco para os interesses da cidade e da sua população quanto foi oferecido a ambos durante a campanha eleitoral.

Definidos os nomes de Bruno Covas e Guilherme Boulos, ficou tudo como sempre esteve ao longo de toda essa disputa: os 13 candidatos, incluindo os dois que sobraram, não foram capazes de dizer absolutamente nada de útil, nem de sério, e nem de inteligente, para o encaminhamento dos verdadeiros problemas que os 12 milhões de paulistanos têm diante de si, no presente e no futuro.

Entende-se o baixo nível das discussões da campanha – não seria mesmo possível esperar algo diferente de uma disputa em que a maior parte dos candidatos era formada por fracassados, nulidades absolutas e aventureiros, todos financiados pelos “fundos partidários” que o cidadão paga através dos seus impostos. Mas os dois nomes que realmente vão disputar a Prefeitura não falaram, no fundo, nada de melhor que os outros. Continuam não falando, como se poderia esperar – e como ficou comprovado com o seu primeiro debate cara a cara.

A conversa continua a mesma. O argumento mais notável de Boulos é acusar Covas de ser “bolsonarista” e afilhado do governador do Estado - mas o que uma coisa ou a outra tem a ver com as necessidades dos moradores do município de São Paulo? Por acaso o eleitor vai votar em Jair Bolsonaro ou em João Doria para prefeito? Ambos colocam como uma questão monumental, acima de quase qualquer outra, a situação dos moradores de ruacerca de 25 mil pessoas no total, ou 0,2% da população. A denúncia básica, aí, é a seguinte: quem, Covas ou Boulos, fez menos pelos moradores de rua – ou pelos viciados da Cracolândia? [do Covas nada sabemos, quanto ao Boulos, muitos ainda lembram  lembram daquele edifício invadido pela turma do Boulos, que mandou os invasores invadires para morar e após a invasão para a cobrar aluguel dos invasores?]

Boulos acusa Covas de ter uma “tara” pelo “mercado”. Covas acusa Boulos de não ter nenhuma experiência num cargo público. Boulos responde que tem 20 anos de experiência como invasor de terrenos e imóveis em situação enrolada na Justiça. Covas se propõe a fazer “justiça social”, diminuir “a desigualdade” etc. Mas não dá nenhuma pista, como não deu nesse tempo todo em que está na Prefeitura, sobre o que vai fazer, de concreto, para tornar mais cômoda a vida das pessoas - a única tarefa que de fato se espera de um prefeito.

Covas e Boulos foram assim durante toda a campanha. Estão sendo assim na disputa do segundo turno. Serão assim depois da eleição.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 30 de abril de 2020

Caminho pedregoso - Merval Pereira

Há políticos que chegaram ao poder pelo voto, como na Venezuela, e conseguiram controlar as instituições

Faltam condições práticas, mas há premissas para impeachment 

Jair Bolsonaro está cumprindo uma espécie de via-Crucis a que é obrigado todo presidente que enfrenta um processo de impeachment sem que haja, no entanto, condições práticas de transformá-lo em realidade, embora todas as premissas estejam dadas.  A Covid-19, que o presidente tanto desdenhou, impede que o Congresso se reúna presencialmente para discutir o tema, e também faz com que as ruas vazias não reverberem o sentimento majoritário.

Bolsonaro deveria ser a favor do distanciamento social, que faz com que manifestações populares pedindo sua saída se transformem em panelaços quase diários. Simbólicos, porém ineficazes. [insignificantes mesmo; impeachment é aprovado quando tem pessoas nas ruas querendo a medida. 
Falta povo nas ruas e razões para impedir o presidente.
Não podemos esquecer que se não houvesse a pandemia o 'daí' não teria ocorrido.] Se não houvesse esses obstáculos impostos por uma trágica pandemia, as ruas explodiriam diante do “E daí?” dito pelo presidente sobre as mais de cinco mil mortes de brasileiros, todos sem direito a velório, muitos enterrados em covas rasas.

A busca de apoio no Congresso, que todos os que sofreram impeachment fizeram e apenas Michel Temer concretizou, é uma dessas etapas, e nessa Bolsonaro tem desvantagem, pois sai de quase zero para conseguir uma maioria defensiva que evite o impeachment. Vai sair muito mais caro, e não há certeza de final feliz. [172 votos a favor de Bolsonaro arquivam qualquer pedido de impeachment;
342 votos a favor aprovam o impeachment.
DETALHE: a sessão só é aberta com a presença de 342 parlamentares.]  A cada bolsonarice que diz ou faz, abala a confiança que por acaso ainda exista em setores da classe média que o apoiou em 2018. Agora mesmo está fazendo mais uma de suas bravatas para agradar seu núcleo duríssimo de apoiadores quando diz que vai insistir no nome do delegado Alexandre Ramagem para chefiar a Polícia Federal.

De nada adiantaria recorrer, porque o recurso cairia para o mesmo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que suspendeu a nomeação por desvio de finalidade. [o instituto da 'prevenção' é que torna possível que um único ministro trave um processo, impedindo pelo tempo que quiser sua chegada ao Plenário.
Tem um detalhe: com a revogação do decreto presidencial na parte que efetua a nomeação combatida, não existe nada impedindo nova nomeação de Ramagen.
E, ocorrendo nova nomeação  não se aplicaria o instituto da prevenção caso a nova nomeação fosse contestada - seria um processo novo.] Além disso, depois que a nomeação foi tornada sem efeito pelo próprio presidente, que devolveu Ramagem para a chefia da Abin, não haveria do que recorrer.

Se não encontrar um substituto ideal para Ramagem, Bolsonaro tem duas opções: 
ou deixa como interino o delegado Disney Rossetti, que Moro gostaria de ver substituindo Mauricio Valeixo, ou tenta encontrar alguém que aceite o cargo, o que está sendo difícil. Há na corporação o temor de que qualquer delegado que seja nomeado terá pela frente um presidente ávido por informações sobre inquéritos em andamento, especialmente os que se referem a membros de sua família. Ou forçar uma nova investigação sobre o atentado que sofreu, como se uma grande conspiração estivesse protegendo os supostos mandantes do crime.

Provavelmente somente depois que o inquérito aberto a pedido do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, sobre interferência de Bolsonaro na Polícia Federal denunciada pelo ex-ministro Sérgio Moro terminar é que poderá novamente nomear Ramagem para o cargo, caso não exista nenhuma denúncia contra o presidente da República. O presidente Bolsonaro manteve a nomeação de Ramagem para a Polícia Federal, mesmo sabendo que havia o risco de ela ser barrada, porque quer um delegado no cargo de diretor-geral da Polícia Federal que passe informações para ele. Mas a PF não é órgão da presidência da República, precisa ter autonomia para as investigações.

Mas enquanto as instituições estiverem funcionando e puderem barrá-lo, a democracia está preservada, apesar de todo o tumulto que ele provoca. É preciso ficar atento, porque há casos de políticos autoritários que chegaram ao poder pelo voto, como na Venezuela, e conseguiram controlar as instituições. Boa parte do aumento das mortes pela Covid-19 deve-se ao comportamento do presidente, que vai para a rua desmoralizar o distanciamento social, entra em disputa com o ministério da Saúde e quer impor a adoção de remédios dos quais não se sabe o efeito. Bolsonaro vive num mundo próprio, paranóico, isolado da realidade.

O que obriga seus ministros a fazerem papeis ridículos como o atual da Saúde, Nelson Teich, que só faz repetir, como disse ontem, que “estamos navegando às cegas”. Não é culpa dele, é a verdade que se repete em todos os países. O problema é que Teich fica impossibilitado de terminar sua frase, dizendo aos brasileiros: “Porque não sabemos nada, a única coisa a fazer é ficar em casa”.

Merval Pereira, jornalista - O Globo