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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O azeite verde-amarelo - Evaristo de Miranda

Evaristo de Miranda

Azeites nacionais começam a ganhar prêmios internacionais por qualidade. O Rio Grande do Sul é o maior produtor, com 75% da produção nacional, à frente de Minas e SP 

 Azeite, um alimento antigo, clássico da culinária contemporânea, regular na dieta mediterrânea | Foto: Shutterstock

Azeite, um alimento antigo, clássico da culinária contemporânea, regular na dieta mediterrânea - Foto: Shutterstock  

O azeite, apreciado por suas qualidades na dieta mediterrânica, é consumido cada vez mais. São mais de 3,3 milhões de toneladas anuais, produzidas em 64 países. 
 Na Espanha, maior produtor mundial, os subsídios governamentais ao olivicultor alcançam um terço do valor da produção! 
Os gregos são os maiores consumidores: cerca de 23 quilos de azeite por habitante/ano.  
O Brasil é o segundo consumidor e importador mundial: cerca de 90.000 toneladas de azeite e 120.000 toneladas de azeitonas de mesa. Só perde para os Estados Unidos, responsáveis por 36% das importações mundiais. 
 
Com a pesquisa e o empreendedorismo dos agricultores, cada vez mais, o Brasil planta oliveiras e produz azeites de excelente qualidade.          Os países produtores na América do Sul são Chile, Argentina, Uruguai, Peru e agora também o Brasil. 
Aqui a olivicultura tem uma longa história, desde os anos de 1940. 
A Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) foi pioneira nas pesquisas e desenvolveu as primeiras e únicas oito cultivares de oliveiras brasileiras, registradas no Ministério da Agricultura.

Em regiões montanhosas, como na Serra da Mantiqueira, ou no Sul, os produtores encontram as 300 horas abaixo de 12º necessárias para induzir a floração e a produção de azeitonas. Em 9 de fevereiro ocorreu a XI Abertura da Colheita da Oliva, no município gaúcho de Encruzilhada do Sul. No Rio Grande do Sul, a área cultivada já é de cerca de 6 mil hectares. São 321 produtores, e Encruzilhada do Sul possui mais de mil hectares, a maior área plantada com oliveiras no Brasil, onde a área total aproxima 10.000 hectares.

Oliveira centenária cultivada por monges do Mosteiro de Mar Elias, 
em Jerusalém, Israel | Foto: John Theodor/Shutterstock

A oliveira, a árvore eterna, é muito persistente. Sua capacidade de regenerar-se com vigor, mesmo se podada, cortada ou queimada, rebrota até a partir das raízes, é uma representação da perseverança. Com sua folhagem perene, ela resiste ao inverno sem queda de folhas e se destaca em meio à vegetação. Elogiada por Ulisses na Odisseia, de Homero (Canto VII), a perenidade da folhagem, as tonalidades dos frutos, o prateado das folhas e o ouro líquido do azeite conferem riqueza simbólica à oliveira: paz (pomba bíblica com ramo de oliveira), fecundidade, purificação, iluminação, força, vitória e recompensa. Uma coroa de oliveira selvagem, kotinos, cujos ramos eram cortados com uma tesoura dourada, era o prêmio do vencedor nos antigos Jogos Olímpicos e dos soldados triunfantes em Roma. Dois ramos de oliveira envolvem o globo terrestre no emblema das Nações Unidas! Não é pouco. 

Oliveira milenar, na Ilha de Creta, Grécia |
 Foto: Cortesia Liana John

A altura das oliveiras é da ordem de 5 metros e chega a 20 metros, sem podas. Pode viver mais de um século. Em Creta há árvores milenares e, talvez, uma das mais antigas, com cerca de 3.000 anos, no vilarejo de Pano Vouves. Milenar é a oliveira ao lado da Sé Velha, em Coimbra, uma das mais antigas igrejas de Portugal (1162). Todas vegetam e produzem azeitonas.

Oliveira milenar, ao lado da Igreja da Sé Velha, em 
Coimbra, Portugal | Foto: Reprodução

A azeitona é uma drupa, como o pêssego e a manga. Tem baixo teor de açúcar (2,6% a 6%) e contém um princípio amargo, a oleuropeína. Seus frutos não são diretamente comestíveis. As azeitonas de mesa, de intenso sabor, passam por um longo tratamento pós-colheita: a “queima” da oleuropeína com soda cáustica (hidróxido de sódio), a lavagem, a salmoura com sal, ácidos e bactérias láticas para fermentar por 90 a 120 dias, a última lavagem e o envase. Quando o destino das azeitonas é a produção de azeite, elas são esmagadas imediatamente após a colheita.

O azeite é rico em polifenóis, poderosos antioxidantes, eficazes contra o envelhecimento. Seu consumo traz benefícios atestados à saúde: redução de doenças cardiovasculares, da incidência do mal de Alzheimer e do envelhecimento cutâneo

“Azeite de oliva” é um pleonasmo. O azeite é sempre de oliva. O resto são óleos: de soja, algodão, milho etc. Há duas raízes nas palavras: óleo, oliva, oliveira, azeitona e azeite. Óleo, do cretense elaiwa, deriva do semítico ulu. Tornou-se oleum em latim e oli nas línguas romanas, como olio em italiano. Azeitona, zait em hebraico, também de origem semítica, tornou-se zaitum em árabe e azeitona em português. Os mouros designavam o sumo da azeitona az zait ou azeite, em português e espanhol. Oliveira, Olivier, Oliveros, Olivença e Oliva são nomes e sobrenomes nos países latinos. Eles nomeiam municípios em Minas Gerais (Oliveira), Alagoas (Olivença) e Bahia (Oliveira dos Brejinhos).

Oliveira sagrada de Atena, ao lado do Templo Erecteion, 
perto do Parthenon, na Colina da Acrópole, em Atenas, Grécia - 
Foto: Kirk Fisher/Shutterstock

Para a mitologia grega, a oliveira surgiu de uma disputa entre Atena (Minerva), a deusa da sabedoria, e Poseidon (Netuno), o deus do mar e dos rios, sobre qual a melhor proteção para uma nova cidade e seus habitantes. Para resolver essa disputa, Zeus (Júpiter) propôs a cada um oferecer o seu dom protetor. Os humanos decidiriam. Poseidon brandiu seu tridente, tocou uma rocha e surgiu um magnífico cavalo. Ele carregaria cavaleiros com suas armas, puxaria carros, arados e seria decisivo nas batalhas. Atena tocou a terra com sua lança e surgiu uma árvore florida, a oliveira. Ela forneceria alimento, unguento para ferimentos, óleo para lâmpadas e cozinha. Sempre verde, essa árvore seria eterna. Ela foi aclamada como o dom de maior utilidade. Atena obteve com ela a proteção e deu seu nome à cidade: Atenas. Os rebrotes de oliveira no entorno da Acrópole seriam descendentes da oliveira de Atena. Dizem. Nas mais belas fontes da Europa, em meio a jatos d´água, entre cavalos, ainda Poseidon ergue seu tridente. 

(...)

Desde o século 9 a.C., o azeite servia como combustível para iluminação artificial. Oleiros fenícios inventaram e difundiram a lâmpada a óleo. Os romanos o utilizaram para fins medicinais, em pomadas aplicadas em ferimentos e sobre a pele como protetor solar. Eles aperfeiçoaram o cultivo das oliveiras e foram os primeiros a classificar o azeite em função dos diferentes tipos de prensagem. O azeite era relativamente caro e consumido pelos mais ricos. Os pobres usavam banha e toucinho.

Na Idade Média ampliaram-se irrigação, enxertia e poda para melhorar a qualidade e aumentar a produtividade. Além de autores cristãos, médicos e agrônomos árabes, como Ibn Butlan (Bagdá) e Ibn Alwan (Sevilha), atestam o uso dessas técnicas nos séculos 11 e 12. No século 16, houve nova expansão, com a invenção da prensa hidráulica. No século 20 cresceu o consumo do azeite em função da gastronomia e dos benefícios para a saúde.

O azeite é rico em polifenóis, poderosos antioxidantes, eficazes contra o envelhecimento. Seu consumo traz benefícios atestados à saúde: redução de doenças cardiovasculares, da incidência do mal de Alzheimer e do envelhecimento cutâneo. Ele também é rico ácido oleico (ômega 9), matéria-prima de todas as membranas celulares. Além de reforçar as células humanas, facilita a “comunicação” entre elas e o bom funcionamento do organismo.

(.....)

Em 2022, a safra brasileira foi da ordem 445 mil litros de azeite. Produzir azeitonas exige investimento alto. Os olivais levam cinco anos para produzir. Cerca de um terço dos olivais brasileiros está em produção. Mais um terço produzirá nos próximos anos. Os plantios seguem em expansão. O Rio Grande do Sul é o maior produtor com 75% da produção nacional, à frente de Minas Gerais e São Paulo. Na Serra da Mantiqueira, uma associação de olivicultores reúne mais de 100 produtores num total de 2.000 hectares.

Os plantios de oliveiras são homogêneos. Os produtores plantam duas a três variedades, sem misturá-las no campo. A maioria dos azeites brasileiros são varietais, frutos de um tipo de oliveira. Entre as principais variedades estão Arbequina, Koroneiki, Picual, Arbosana e Frantoio. Sem interferência estatal, surge aos poucos um mercado de azeites extravirgens, diferenciados dos oferecidos pela grande indústria. E apreciado por gastrônomos, chefs e consumidores. Os equipamentos importados dos lagares são modernos e eficientes, inclusive do ponto de vista ambiental. Os subprodutos do esmagamento das oliveiras e da extração do azeite são reciclados.

Colheita com derriçadeira, em Creta, análoga à que se faz com o 
café no Brasil | Foto: Cortesia Liana John

Azeites nacionais começam a ganhar prêmios internacionais por qualidade. O Sabiá da Mantiqueira, azeite extravirgem premium, produzido na Fazenda do Campo Alto, em Santo Antônio do Pinhal (SP), foi classificado entre os dez melhores do concurso Evooleum de 2022 e incluído no Evooleum World’s Top 100 Extra Virgin Olive Oils. O produtor acumula 57 prêmios nacionais e internacionais. Depois do café, “ouro verde” dos séculos 19 e 20, haverá o milagre do “ouro líquido”? O futuro parece fluido e luminoso para o azeite nacional e, n’en déplaise, com muitos tons de verde-amarelo.

O azeite Sabiá é produzido no Brasil e foi eleito um dos dez melhores azeites do mundo | Foto: Divulgação/Azeite Sabiá

Sobre a sacralidade da oliveira, um relato pessoal. Num verão dos anos 1970, um agricultor no sul da França andava preocupado com uma víbora. Ela já havia matado um de seus cachorros. Eu era estagiário de agronomia na sua fazenda. Ele me avisou do perigo. Um dia, em plena colheita de feno, a víbora surgiu. Ele tentou matá-la. Grande e ágil, ela escapou entre palhas e capins. Logo, eu a vi parada sob uma velha oliveira, junto ao tronco. Quando preparei um golpe, o agricultor gritou: — Pare! Eu me detive. Temi mal maior. — Ela está sob a proteção da oliveira. Ele explicou: só essas árvores sagradas assistiram a Jesus em sua agonia no Jardim das Oliveiras, o Getsêmani. Em hebraico Gat Smanim significa lagar dos azeites. Recuamos em silêncio.


Leia também “Cuidado com a gripe, aviária”

 Evaristo de Miranda, colunista - Revista Oeste -

MATÉRIA COMPLETA, LIVRE

 

sábado, 23 de outubro de 2021

Não vou mais criticar o STF - Rodrigo Constantino

Revista Oeste

Vivemos num estado policialesco, numa “ditadura da toga”. Não há mais império das leis, até porque as leis podem ser inventadas do nada  

O recado foi dado. E compreendido. Há crime de opinião em nosso país. Grupos em redes sociais podem virar “milícias virtuais” perigosas se algum ministro supremo assim entender. Até mesmo um jornalista pode ser preso se subir o tom nas críticas contra o arbítrio do STF
Caso ele tenha ido para um país mais livre, com receio desse tipo de perseguição, isso poderá ser encarado como fuga da Justiça, e um pedido para extraditar o “fugitivo” será acatado pela Corte Suprema, apesar de a PGR discordar.

Traduzindo de forma direta, vivemos num estado policialesco, numa “ditadura da toga”. Não há mais Estado Democrático de Direito, império das leis, até porque as leis podem ser inventadas do nada. Não há, afinal, crime de opinião em nosso sistema, tampouco o de espalhar fake news — sabe-se lá por quem definidas essas mentiras. Logo, a lei hoje é aquilo que Alexandre determina. E o tucano não gosta muito de “bolsonaristas”. Conta com a cumplicidade da imprensa para persegui-los em paz, inclusive jornalistas, que serão chamados de “blogueiros” para não despertar a necessidade de uma reação das entidades de classe.

A corda não foi esticada; ela já arrebentou. Aquela conversa entre Bolsonaro e o ministro não foi um apaziguamento, mas uma rendição, pelo visto. E isso depois de milhões tomarem as ruas justamente para defender a liberdade, a Constituição. Foi um rugido forte, de um leão acuado. Mas foi só barulho. A montanha pariu um rato. O lado de lá continuou avançando, e subindo o sarrafo. 
Mudou de patamar, escolheu alvos mais relevantes, demonstrou todo o seu poder ilimitado. Ninguém mais está seguro, ao menos não quem enxerga graves defeitos na postura do atual STF.

Vou escrever sobre música, sobre culinária, sobre alienígenas

E o pior de tudo é ver a turma “liberal” aplaudindo, por não gostar do jornalista alvo do pedido bizarro de prisão. Essa gente não tem princípios, e não se dá conta de que a arma sem freios que hoje mira em seus adversários amanhã poderá se voltar contra qualquer um. O ambiente é tóxico, e a tática está produzindo o efeito desejado: aqueles independentes começam a praticar a autocensura, com medo das consequências de uma crítica mais dura.

Falo por mim. Muitos leitores elogiam minha coragem, mas não tenho vocação para mártir. Está claro que o arbítrio supremo não tem limites, e que ninguém tem como parar o homem. É por isso que decidi não mais criticar o STF. 
Está claro que se trata de um tribunal de exceção, de uma corte política, não constitucional. Impossibilitado de saber a priori o que configura crime ou não, já que não tenho como me calcar na Constituição ou no Código Penal, prefiro então simplesmente encerrar qualquer análise sobre o Supremo. Vou escrever sobre música, sobre culinária, sobre alienígenas.
 
Resolvo também só chamar os ministros de vossas excelências, ou mesmo deuses, se eles assim preferirem
Reconheço em Alexandre uma figura acima do bem e do mal, das leis, da Constituição. Admito sua vitória absoluta, assim como seu poder absoluto.  
E é por essa razão que comunico ao todo-poderoso que, a partir de hoje, ele tem total controle sobre a minha vida. 
Se Alexandre decidir que devo me tornar um vegano, adeus carne. 
Se Alexandre resolver que é para eu ser abstêmio, adeus vinho. 
Posso até ver o copo meio cheio: ao menos vou perder uns quilos…
 
Estou numa peregrinação espiritual que vem me aproximando mais de Deus, mas absorvi o alerta de Jesus Cristo, e saberei separar as coisas: a César o que é de César. E nosso César é Alexandre, o Grande. 
No Juízo Final terei um julgamento que, estou certo, será mais justo. 
Mas, aqui na Terra, nesta vida, abandonei as esperanças e entreguei minha liberdade ao homem mais poderoso do Brasil, quiçá do planeta. Espero apenas que Alexandre não ache ruim meu hobby de tocar bateria, pois isso seria triste de perder. Mas estou disposto a só tocar as músicas que agradam ao ministro.
 
De tempos em tempos lanço mão da ironia como artifício retórico, mas se Alexandre julgar isso inadequado, adeus ironia. A partir de hoje, prometo andar na linha. Qual? Difícil dizer, pois não tenho bola de cristal para inferir o que Alexandre pensa. Mas farei meu melhor para tentar antecipar seus passos e atender a suas expectativas. 
Reconhecer virtudes neste governo, por exemplo, está fora de cogitação. Já penso até mesmo em me filiar ao PSDB, só por precaução. Imagino que seja um ato merecedor de muitos pontos com o ministro. Se for necessário dizer uma ou duas palavras de elogio ao governador oportunista de São Paulo, tomo um Engov e digo. Alexandre é quem manda.

Tenho família para sustentar, filhos para criar e, como já disse, não tenho a menor vontade de ser mártir. Alexandre foi bem claro em transmitir seu recado. Captado, amado mestre. Diga-me o que pensar sobre cada assunto polêmico, e este será meu pensamento. Ou ao menos a minha expressão do pensamento em público. Manda quem pode; obedece quem tem juízo. Não vou mais criticar o STF ditatorial a partir de hoje.

Leia também “A constituição do atraso” 

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste