Cristina Graeml
Ditaduras
nem sempre começam com golpe como costumeiramente se pensa. Nem sempre partem
de uma ação orquestrada por grupos poderosos com apoio das Forças Armadas e às
vezes até da população. Há
tiranos eleitos disfarçados de democratas, que depois não abrem mão do poder e
nele se perpetuam corrompendo os demais poderes e promovendo eleições
fraudulentas. E há tiranias veladas, infiltradas em democracias, que se firmam
conforme vão minando as liberdades individuais e depois avançam sobre o poder.
Trago
para a coluna de hoje, com versão em vídeo, parte da história de um imigrante
venezuelano no Brasil que já contei nesta coluna em artigo publicado nesta quinta (18). Ela me fez
ver semelhanças entre a tirania praticada pelo governo de Nicolás Maduro e o
cada vez mais claro autoritarismo de parte do Judiciário brasileiro.
Essa
história traz lições importantes sobre o que pode acontecer a uma nação sem
liberdade sequer para se manifestar. E justamente na semana em que vimos os
ministros do Supremo Tribunal Federal avançarem sobre a liberdade de expressão e
a imunidade parlamentar, num claro desrespeito à Constituição.
Ditadura na Venezuela Se você leu
a entrevista com o professor universitário Pedro
Pérez (nome fictício por questões de segurança) sugiro que avance no texto, mas
trago um pequeno resumo aqui, com a recomendação a quem não leu para que volte
à coluna e conheça melhor a história.
“Venezuela não é socialista, aquilo é comunismo”, diz
professor que fugiu de Maduro
Na
Venezuela, onde morou até novembro de 2018, o professor tinha um segundo
emprego como agente penitenciário. Com a recessão, que trouxe fome e miséria
extrema, as manifestações contra o governo se tornaram comuns e Maduro decidiu
resolver o problema com seguranças armados. Foi assim
que agentes penitenciários foram convocados a trabalhar na rua, usando a força
contra quem protestasse e atuando junto às milícias armadas, os chamados
coletivos - formados por criminosos que foram soltos sob a promessa de combater
ataques ao governo.
Como
recusou-se, Pedro foi acusado de traição à Pátria, crime com pena prevista de
30 anos de prisão. E passou a ser perseguido. Decidiu fugir às pressas em
direção à fronteira mais próxima (Roraima) no dia em que teve a casa incendiada
pelas milícias. Veio
acompanhado apenas dos filhos. Não houve tempo sequer de encontrar a esposa ou
outros parentes. Há dois anos vive escondido, trabalhando em subempregos, já
que é impossível tirar a 2ª via dos diplomas universitários para tentar
validação no Brasil.
É apenas
uma entre centenas de milhares de histórias de dor e injustiça. Segundo a ONU
pelo menos 3 milhões de venezuelanos, o equivalente a 10% da população,
deixaram o país nos últimos anos. Nem todos por causa de perseguição política;
mas todos, sem exceção, fugindo da fome e da miséria nesse lugar que alguns
ainda tentam vender como paraíso socialista.
Mentiras e verdade Muitos brasileiros não entendem a dimensão da tragédia da Venezuela,
porque são enganados por narrativas mentirosas de políticos de esquerda aqui do Brasil, que apoiam o ditador venezuelano
. É gente
que se deixa doutrinar por uma alucinação ideológica e parece perder por
completo a empatia; fica incapaz de se colocar no lugar de uma população que corre atrás dos
caminhões de lixo para procurar o que comer. A fome chegou a esse
ponto na Venezuela!
É um país
onde nem os necrotérios funcionam mais por falta de energia para manter as
câmaras frigoríficas ligadas; onde o salário mínimo é equivalente a 60 centavos
de dólar, mais ou menos uns 3 reais. E onde um quilo de frango custa 10
dólares, mais de 50 reais. O salário
de um ano inteiro não é suficiente pra comprar um quilo de frango. A situação
de miséria do povo deixa claro que esse socialismo dos discursos da esquerda é
uma mentira: não socializa nada, só a pobreza. E na Venezuela é tirano,
violento, usurpador de direitos da maioria em proveito de poucos.
A
Venezuela segue nas mãos de milícias comandadas por um ditador que não tem
qualquer respeito pelo Estado Democrático de Direito. Maduro é acusado de
corromper generais para ter o controle do Exército e de fraudar eleições. Ele tomou conta da Assembleia Nacional e sabe-se lá a
que custo, conseguiu o apoio da Suprema Corte. Não à toa ninguém mais confia no
Judiciário venezuelano, que manda soltar presos condenados ao mesmo tempo em
que faz vista grossa para prisões arbitrárias de adversários políticos, cada
vez mais comuns.
Viu
alguma semelhança aí com o Brasil?
Ameaças às liberdades e à democracia A essa altura todos sabemos que a vida na Venezuela virou um inferno. Quem se informa não se deixa enganar pelos discursos da esquerda, que tentam amenizar o estrago feito pelo populismo de Hugo Chávez, depois t
ransformado em ditadura pelo
sucessor Nicolás Maduro. Mesmo com
o fechamento de jornais e emissoras de rádio e TV e todas as tentativas de
esconder o óbvio, há muita fonte de informação disponível: de vídeos no YouTube
a relatos nas redes sociais, quase todos publicados pela imprensa estrangeira
ou por venezuelanos que fugiram do país.
Não há
mais imprensa livre na Venezuela e ainda que a cobertura da mídia estrangeira
seja esporádica, é impossível não entender no que deram os ataques às
liberdades de expressão, manifestação e de imprensa. Está tudo descrito nos relatórios
produzidos pelos observadores da ONU: perseguições, prisões arbitrárias,
desemprego e fome estão por trás da fuga em massa da população.
Aqui cabe
um parênteses. A situação parece distante, por isso pouca gente se dá conta,
mas a imigração de 3 milhões de pessoas num país em que a população era de
cerca de 30 milhões é algo assombroso. É como se 20 milhões de brasileiros
saíssem do Brasil, caso vivêssemos uma crise de proporções venezuelanas. O Brasil
já enfrentou períodos de hiperinflação, falta de emprego, de segurança e saúde.
Mas mesmo com crises econômicas severas, a maior delas bem recentemente (da
qual ainda nem conseguimos nos livrar, porque a pandemia segurou o crescimento
que vinha sendo registrado), nunca tivemos uma fuga em massa.
Olhando
as atuais ameaças às nossas liberdades, porém, não é difícil pensar no que o
Brasil pode se transformar, não por força de um governante tirano, mas de um
Judiciário autoritário. Na
Venezuela a deterioração da democracia não aconteceu de uma hora para a outra.
Foi resultado de várias políticas erradas, que no início eram aceitas pela
população. Escolheram governantes que fizeram o Estado ficar gigante,
estatizaram as empresas para que o governo fosse “dono” da maior parte dos
empregos e assim ficasse com a população na mão. É praxe
governos populistas se apoderarem de tudo, transformarem estatais em cabides de
emprego e, com isso, ganharem legiões de militantes cegos. Depois vem a fase de
sugar as riquezas do país com uma gestão corrupta e irresponsável. De repente
estão tomando até a liberdade das pessoas. Sem liberdade ninguém tem força ou
voz para reclamar de nada.
Semelhanças com o Brasil Agora pense no Brasil deste início de 2021 e lembre das atitudes arbitrárias do Judiciário, especialmente no caso mais recente, do deputado que falou demais e foi calado à forç
a. Não vou entrar no mérito do que ele disse, mas no que o STF fez, fingindo não saber que deputados têm imunidade parlamentar e decretando uma prisão inconstitucional.Não foi a
primeira vez que ministros do Supremo Tribunal Federal rasgaram a Constituição.
Em 2016, presidindo o julgamento do impeachment da então presidente Dilma
Rousseff, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu manter os direitos políticos
dela, ignorando o que está previsto na lei como punição para políticos que
cometem crime de responsabilidade fiscal.
Foi um
agrado para o grupo político que pôs no STF a maior parte dos atuais ministros;
o mesmo grupo que quase transformou o Brasil numa Venezuela, com corrupção em
órgãos e empresas públicas, inflando e endividando o Estado, afundando o país
numa crise econômica sem precedentes e gerando desemprego recorde. Ao perder
o poder esse grupo passou a chamar os adversários políticos e todos os seus
apoiadores de fascistas e tiranos. É sempre a mesma ladainha.
E o engraçado (se
é que dá para usar essa palavra numa situação assim) é que de repente começamos
mesmo a ver algo parecido com tirania e fascismo, mas não vindo de quem eles
acusam de ser tirano e fascista e sim, da Suprema Corte.
Não à toa
falam hoje em ditadura da toga, aquela que solta bandidos condenados e
perigosos ao mesmo tempo em que persegue e manda prender quem cometeu o
"crime hediondo" de falar demais, mesmo que tenha imunidade
parlamentar. Para isso
existem outras punições, até perda de mandato por falta de decoro, mas prisão
por crime de opinião só existe em ditaduras. Viu como as coisas começam? Na
Venezuela as primeiras perseguições também foram por crime de opinião
"cometidos" por adversários políticos. A
diferença é que lá o Judiciário decretava prisões de adversários políticos do
governo e não de partidários do governo, como está acontecendo no Brasil.
Ditadura de direita?
Estranhamente os adeptos da tirania por aqui agora tentam confundir a população com um
discurso novo sobre a Venezuela, dizendo que o país está sim sob um regime
ditatorial, mas é uma “ditadura de direita”. A
declaração, feita pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso nem chegou a
surpreender. Sim, esta é a pior parte: a gente nem se surpreende mais quando
ouve uma declaração desse tipo vinda de um ministro do Supremo. Surpreendente é
alguém defender essa ideia.
Como pode
ser de direita um ditador que comemora publicamente o aniversário de nascimento
de Karl Marx?
Maduro fez isso no Twitter.
Como pode ser de direita alguém que
faz parte do Foro de São Paulo, a aliança dos esquerdistas radicais da América
do Sul?
Ou que tem fotos com todos os líderes esquerdistas dos países vizinhos?
O
ministro Barroso tentou associar o fracasso da Venezuela à forma
de governar da direita, mas não conseguiu.
A esquerda brasileira vive declarando apoio ao regime tirânico da Venezuela, justamente por ser de esquerda. A declaração do
ministro Barroso foi tão absurda que os deputados do PT não tinham como concordar,
preferiram o silêncio mesmo. A
pergunta que ficou no ar é: se o PT apoia abertamente o governo Maduro, que é
uma ditadura (o próprio ministro Barroso reconheceu), mas de direita, então o
PT apoia a direita desde que seja uma ditadura?
Como
vimos, de novo sem nenhuma surpresa, petistas e demais representantes da
esquerda ficaram calados. Só voltaram a gritar para apoiar a atitude
autoritária, sem sentido e inconstitucional dos ministros do STF contra o
deputado que abusou das palavras e foi preso por emitir opinião sobre a
politização dos ministros da Suprema Corte.
[o mais constrangedor, assustador, imobilizador e outras definições adequadas, que quase sempre terminam em dor, é que toda a matéria, expressa a verdade e mesmo assim não temos a quem reclamar.
Quem está acima do Supremo?
Uma hipótese: se a prisão da da autora da matéria fosse decretada por crime contra a Lei de Segurança Nacional (afinal ela ousa criticar o Supremo) a quem poderíamos recorrer? ao próprio Supremo?]
Isso num
momento em que estão soltos o deputado flagrado com dinheiro na cueca e a
deputada acusada de mandar matar o próprio
marido, amparados pela imunidade
parlamentar que não serviu ao colega sem papas na língua. Está cada
vez mais claro o que é uma tirania de verdade (e não um fascismo imaginário). E
como começa uma ditadura: com ataques à liberdade de expressão, depois à
liberdade de manifestação, de ir e vir, de estudar ou trabalhar. Não fique
calado. Fale enquanto é possível. Ou vamos deixar o Brasil virar uma Venezuela?
Cristina Graeml, colunista - Gazeta do Povo - VOZES