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segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O malabarismo de Lula pelo ‘governo de reconciliação’ após ataques

Governo enfrenta a difícil missão de colocar em prática o mote "União e Reconstrução" no tratamento aos atos golpistas

De um lado, políticos do PT, artistas e estudantes que defendem punição severa aos manifestantes que invadiram e depredaram as sedes do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, no dia 8. É o movimento “Sem Anistia”. 
Do outro, políticos que defendem anistia para os manifestantes presos nos presídios da Papuda e da Colmeia, em Brasília, mais de 1.000 pessoas, muitas delas mães de família sem histórico de criminalidade. O governo do presidente Lula, que prega a conciliação, está diante de pressão dos dois lados.

Na semana passada, movimentos sociais, sindicalistas e partidos de esquerda fizeram atos em defesa da democracia e pela punição dos culpados em pelo menos 16 capitais. Durante um ato em defesa da democracia, estudantes da histórica Faculdade de Direito da USP gritavam: “Sem Anistia”. A faculdade é conhecida por formar boa parte do pensamento jurídico do país. Nas redes sociais, é grande o número de pessoas que defendem a prisão e o cumprimento de longas penas para os manifestantes, principalmente os que estão envolvidos diretamente no patrimônio público na Praça dos Três Poderes. Do outro lado, há os que defendem anistia para os acusados de depredação e terrorismo.

Um dos políticos que mais tem defendido a punição severa aos manifestantes é a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann. “Saldo positivo hoje nas investigações contra os golpistas. Ex-ministro de Bolsonaro e comandante da PM de Brasília têm que pagar pela sabotagem nas operações policiais do domingo. Próximo passo é pegar os financiadores do crime contra a democracia”, diz uma das postagens de Gleisi na semana passada.[só que ela mesmo, codinome "amante" nas planilhas da Odebrecht, se livrou de uma boa cadeia, por corrupção.]

Um dos argumentos dos que tentam culpar o atual governo é que a segurança do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo não é feita pela PM, mas pela “segurança orgânica” destes palácios, que possuem polícias próprias. No Palácio do Planalto, a segurança é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o GSI, que já estava sob o comando do governo Lula. No Congresso, a segurança é responsabilidade da Polícia Legislativa. O Supremo também tem sua polícia. [polícia judicial, criada por uma Resolução do CNJ, quando a CF determina que organismos policiais  devem ser criados por Lei.]  Os três órgãos também falharam em conter os manifestantes. 
Por enquanto, o preso mais famoso envolvido na segurança do governo é o ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, que foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro. 
O senador Marcos Do Val (Podemos-ES) tem feito uma verdadeira campanha pela prisão do ministro da Justiça, Flávio Dino. O senador diz que tentou alertar Dino sobre os ataques dias antes, mas foi ignorado. Dino nega.
 
A pressão dos dois lados recai sobre o presidente Lula e também sobre o ministro Alexandre de Moraes, que determinou a prisão dos manifestantes e do ex-ministro Anderson Torres e o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. 
Já há juristas ligados ao petismo que acharam duras as decisões de Moraes.

A preocupação na cúpula e partidos de esquerda é quanto a futuras decisões de Moraes frente a manifestações de movimentos sociais, que no passado também foram chamados de terroristas. Até mesmo o radical Partido da Causa Operária, o PCO, publicou mensagem na semana passada se dizendo contra as punições severas. “Manifestantes não são terroristas. Não importa se você é contra a pauta da manifestação ou não concorda com seus métodos. A ‘guerra ao terror’ é uma ideologia criada nos EUA par aumentar a repressão no mundo inteiro”, diz a mensagem do PCO.

Os manifestantes também ganharam o apoio do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que criticou o poder absoluto de Moraes. “Existe agora, ou já existiu, uma democracia moderna onde um único juiz exerce o poder que Alexandre de Moraes possui no Brasil? Não consigo pensar em nenhum exemplo sequer próximo”, diz publicação de Greenwald nas redes sociais. 
Greenwald foi responsável pela divulgação dos diálogos entre procuradores da Operação Lava-Jato. 
A principal crítica é que Moraes toma muitas decisões sem ouvir o Ministério Público Federal ou a Polícia Federal.
 
 
 Após a invasão e depredação das sedes dos três poderes, principais autoridades da República se reuniram para definir o destino de acampamentos golpistas
 
Política - Revista VEJA
 
 
 
 

A origem do poder de Moraes - O Estado de S. Paulo

Captura bolsonarista da PGR abriu um caminho enviesado para o superpoder monocrático de Moraes

A reação aos atos golpistas de 8 de janeiro uniu lideranças dos três Poderes contra reacionários aloprados e exibicionistas, dispostos não apenas a cometer crimes publicamente, mas também a divulgar imagens deles, como fizeram durante invasão e depredação de Congresso Nacional, Palácio do Planalto e STF.

Os autores de crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, geralmente, não são tão imbecis. Eles subornam, são subornados ou desviam recursos públicos longe das câmeras, e disfarçam a propina ou a verba desviada sob a forma (e reforma) de imóveis, remuneração por palestras, contratos advocatícios de serviços jamais prestados, sobrepreços, joias, chocolates, entre outros esquemas tão ou mais complexos.

A falta de confissões e imagens desses crimes (seja de acerto, pagamento ou desvio), somada ao poder político e econômico dos agentes usualmente investigados, abre um vasto flanco não somente de defesa jurídica, mas de blindagem dos alvos por autoridades complacentes e de sequestro da narrativa no debate público por influentes porta-vozes.

Jair Bolsonaro aloprou durante anos no Executivo, inclusive ao longo da pandemia, sob as omissões de um Congresso com orçamento secreto e um procurador-geral da República pró-sistema, escolhido pelo então presidente em meio à investigação de seu filho Flávio. [impõe destacar  que os filhos de Bolsonaro são investigados desde antes da eleição de Bolsonaro, e nada, absolutamente nada, foi encontrado contra eles.]

Augusto Aras agradou tanto ao sistema com a extinção da Lava Jato que foi reconduzido ao cargo pelo Senado com aval do PT de Lula, mas, como sua complacência com o bolsonarismo foi muito além dos casos de peculato, o STF aproveitou para contornar a Procuradoria em inquéritos relatados por Alexandre de Moraes, um dos quais usado para suspender apurações da Receita que atingiram ministros da própria Corte.

Curiosamente, apesar dos esclarecimentos técnicos do Sindifisco Nacional, o relator criticou a Receita na ocasião por ter utilizado “notícias na imprensa” em investigação de “supostos atos ilícitos de agentes públicos com prerrogativa de foro”; mas, tempos depois, ele mesmo determinou operação de busca e apreensão, com base exclusivamente em notícia na imprensa, em endereços de agentes privados sem foro no Supremo – no caso, empresários bolsonaristas que falaram de golpe em conversas privadas de grupo de WhatsApp.

A captura bolsonarista da PGR, com a conivência da velha política para escapar da Lava Jato, abriu um caminho enviesado para o superpoder monocrático de Moraes, que agora faz da necessária punição de golpistas uma nova etapa do eterno debate nacional sobre abusos de todos os lados.

Felipe Moura Brasil, colunista do Estadão e analista de assuntos políticos

 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Para onde vai a investigação do STF sobre os atos de 7 de setembro

Gazeta do Povo

STF - Alexandre de Moraes assumiu o inquérito porque já havia conduzido outras investigações sobre “atos antidemocráticos”, apesar da PGR ter pedido sorteio entre os ministros

Passadas mais de duas semanas das manifestações do dia 7 de setembro, a favor do governo de Jair Bolsonaro e contra o Supremo Tribunal Federal (STF), o inquérito aberto na Corte para investigar a eventual ocorrência de atos violentos contra ministros ou senadores chegou a poucos resultados concretos
A Gazeta do Povo teve acesso às mais de 1,6 mil páginas dos autos, que tramitam sob sigilo, ouviu advogados e investigadores do caso, e verificou que o relator, Alexandre de Moraes; a Polícia Federal, que toca as diligências; e a Procuradoria-Geral da República (PGR), que pediu a apuração, ainda não chegaram a conclusões sobre a real ameaça das manifestações contra a democracia e as instituições, motivo principal da investigação.

O sinal mais claro disso foi uma decisão do próprio ministro, do último dia 9, revogando, de ofício, a prisão preventiva do jornalista Oswaldo Eustáquio, que havia sido determinada no dia 5 de setembro. Afirmou que "naquele momento", a medida se justificava em razão da divulgação de "mensagens, agressões e ameaças" contra o Estado de Direito, mas que, passado o feriado, não estariam mais presentes "os requisitos fáticos necessários à manutenção da decretação da prisão preventiva". Como se sabe, não foram registrados atos violentos, invasões do STF e do Congresso, em Brasília, nem depredações a edifícios públicos ou rebeliões policiais nas capitais onde ocorreram os atos.

"Não existia razão nenhuma para ter aberto esse inquérito. Os crimes que eles estão sendo acusados é de opinião. Mas vamos dizer que o inquérito fosse justo. Não houve qualquer depredação, foi ordeira no Brasil inteiro a manifestação de 7 de setembro. Qual era a preocupação? A integridade física dos ministros e senadores, bem como evitar depredação. Isso nunca aconteceu", disse à reportagem o advogado Levi de Andrade, que defende Oswaldo Eustáquio e o caminhoneiro Zé Trovão.

Mesmo dentro da PGR, de onde partiu o início da investigação, há dúvida sobre o resultado do inquérito. Nos bastidores, subprocuradores que se opõem ao caso dizem que ele não deveria estar tramitando no STF. "O objetivo é mais dissuasão que punição", disse um deles à reportagem, sob condição de anonimato. "É o que se chama de 'direito penal do inimigo' ou 'direito penal da emergência'. Guantánamo é direito penal do inimigo", completou, referindo-se a investigações ilegais que, a pretexto de combater extremistas, suprimem direitos básicos de defesa dos investigados.

Neste mês, chegaram ao STF os resultados das buscas e apreensões realizadas pela Polícia Federal antes dos atos. Num relatório apresentado a Moraes no dia 6 de setembro, dia de diligências, o delegado Dhiego Almeida listou 11 endereços, dos alvos da investigação, visitados pelos policiais em busca de provas. Em nove deles, o resultado foi "negativo", ou seja, a pessoa nem morava no local e nada foi recolhido. Nos demais locais, foram apreendidos computadores e celulares, cujo conteúdo ainda está sendo analisado pela PF. As perícias, que ainda não estão prontas, poderão indicar o caminho para onde seguirá a investigação.

Um dos alvos de maior interesse do inquérito é a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), pela suspeita de que teria patrocinado as manifestações. Um dos endereços em Brasília era um espaço de coworking, onde a entidade alugava espaços esporadicamente e no qual não foram encontrados documentos sobre seu funcionamento. Em sua filial no Mato Grosso, os policiais vasculharam o computador na sala da presidência. "Não se encontrou nenhum elemento que pudesse ser de interesse da investigação [...] Na sala do vice-presidente nada de relevante foi encontrado", registraram em relatório enviado a Moraes.

Num computador, foi encontrada "apenas uma imagem isolada de apoio ao voto impresso". Os únicos objetos dignos de registro encontrados foram 3 mil máscaras nas cores verde e amarelo com a inscrição "Brasil verde e amarelo". A gerente da associação mostrou ao delegado documento comprovando que eram doações que seriam distribuídas à população junto com outros brindes (pulseiras, canetas, bonés, copos, camisetas e blocos de anotação) no fim de semana seguinte às manifestações, 11 e 12 de setembro. "Diante dos fatos e da apresentação de documento comprovando a campanha de doação de brindes desvinculada de cunho político ou de atos antidemocráticos, deixou-se de apreender qualquer objeto encontrado como forma de brinde", registrou o delegado Antônio Freire.

Em âmbito nacional e em sua unidade matogrossense, a entidade também teve as contas bloqueadas para saques. Moraes determinou ainda que fossem identificados todos os valores acima de R$ 10 mil transferidos de suas contas para outras pessoas ou empresas. Surgiu a suspeita de que a Aprosoja estivesse desviando dinheiro de contribuições obrigatórias que recebe para financiar os atos de 7 de setembro. "Quando veio a notícia pela imprensa do que fizeram, entrei em contato com os dirigentes. Ouvi 'ainda bem que fizeram isso, porque não vão achar nada, não tinha nenhum patrocínio'", disse à reportagem o advogado Néri Perin, que, até o início da investigação, fazia a defesa do presidente da Aprosoja, Antônio Galvan, um dos alvos. Ele deixou de advogar no caso por não conseguir acesso aos autos e às suspeitas que pesavam sobre Galvan, de quem é amigo há mais de 30 anos. "É um inquérito de exceção, foi criado com outra finalidade. O povo no Dia da Independência, pedindo liberdade, é ato antidemocrático? Minha preocupação é que quando vem de cima, o que pode acontecer lá em baixo?", protestou, ressalvando que, apesar de considerar o inquérito ilegal, Galvan foi tratado com bastante respeito e gentileza pelos policiais.

Em agosto, quando depôs à PF, o agricultor negou "qualquer relação com movimentos que tentam abolir o Estado Democrático de Direito". Disse integrar o Brasil Verde-Amarelo, formado por produtores rurais que, segundo ele, protestam contra uma decisão do STF de 2017 que os obrigou a pagar contribuições previdenciárias sobre a receita bruta da comercialização de seus produtos, o chamado Funrural. "É um movimento democrático, que prega os valores de liberdade, democracia, independência dos poderes, fim da corrupção e apoio ao presidente da República", afirmou Galvan, negando que o movimento contra o Funrural seja financiado pela Aprosoja.

O bloqueio das contas da entidade deveria durar até o dia 8 de setembro, mas acabou perdurando sem maiores explicações, apesar de vários pedidos para liberação apresentados por advogados ao STF.

Objeto e alvos da investigação do STF
A investigação sobre os preparativos do 7 de Setembro foi pedida ao STF em 16 de agosto pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araujo, braço direito na área criminal do procurador-geral, Augusto Aras. No pedido, afirmou que, por meio de postagens e vídeos nas redes sociais, um grupo de 10 pessoas estava convocando a população para um protesto pedindo a aprovação do voto impresso, proposta que já havia sido derrotada na Câmara; bem como a destituição dos 11 ministros do STF, por meio da pressão sobre o Senado para avançar com processos de impeachment contra eles. Entre os principais alvos estavam o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, e o cantor e ex-deputado Sérgio Reis, em razão de declarações gravadas em julho, principalmente.

Numa live, por exemplo, Zé Trovão falou em "fechar Brasília", "invadir" o STF, "partir para cima" dos senadores na manifestação. Para isso, dizia que haveria apoio de empresários do agronegócio para bancar viagem, alimentação e hospedagem de manifestantes. Sérgio Reis, por sua vez, aparece em gravações, durante reuniões em São Paulo e Brasília, com caminhoneiros e agricultores, em que fala em "intimação" do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para iniciar processos de impeachment dos ministros. Se nada ocorresse, disse que "ninguém anda[rá] no país", "a cobra vai fumar", sugerindo uma paralisação dos caminhoneiros pelas estradas do país.

(...............)

A PGR ainda incluiu no inquérito o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), apoiador fiel de Bolsonaro, por causa de um post em que falava em "forçar o Senado" a abrir processo de impeachment de Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Por causa da inclusão do parlamentar, o inquérito foi levado ao STF. Lindôra pediu que fosse sorteado um ministro para relatar o inquérito, mas a Secretaria Judiciária da Corte decidiu entregá-lo a Moraes porque ele já havia conduzido investigação semelhante.  No dia 18 de agosto, dois dias após o pedido de abertura do inquérito, o ministro autorizou buscas e apreensões contra todos os alvos, proibiu que eles se aproximassem de ministros e senadores, impediu que recebessem doações e bloqueou seus perfis nas redes sociais, proibindo-os de usá-las e de aparecerem fisicamente nas manifestações.

No início de setembro, a pedido da PGR, Moraes mandou a PF prender Zé Trovão, Wellington Macedo e Oswaldo Eustáquio por causa da participação deles numa nova live, no fim de agosto, chamando as pessoas para as manifestações. Eles estavam proibidos de usar as redes. Para a subprocuradora Lindôra, o propósito era "incitar a realização de atos violentos com fechamento de estradas para pressionar o Senado a aceitar o pedido de impeachment contra ministros do STF".

Em 5 de setembro, antevéspera das manifestações, também a pedido da PGR, Moraes incluiu novos personagens na investigação. Mandou prender Márcio Niquelati, um professor de Otacílio Costa (SC) que, num vídeo que circulou na internet, disse que tinha um "grupamento" para "caçar ministros em qualquer lugar que eles estejam" e que "um empresário grande" estaria oferecendo "uma grana federal pela cabeça do Alexandre de Moraes, vivo ou morto".

No mesmo dia, 6 de setembro, foi preso o policial reformado Cássio Rodrigues Costa Souza, morador de Conselheiro Lafaiete (MG). Nas redes sociais, em protesto contra a ordem de prisão de Zé Trovão, ele defendeu a morte de Moraes. "Terça-feira vamos te matar e toda sua família seu vagabundo [...] nós militares te eliminaremos [...] vou te dar um tiro de 762 no seu focinho e acabar com sua família", postou.

O jornalista Wellington Macedo, preso por participar de uma live, ainda está no presídio da Papuda, em Brasília, e há 18 dias faz uma greve de fome em protesto. Também permanecem detidos o professor Márcio Niquelati e o policial reformado Cássio Souza. Zé Trovão está no México, para onde viajou ainda no dia 28 de agosto, antes de seu decreto de prisão — ele pediu asilo político e cogita ir para os Estados Unidos. Apesar de não ter mandado de prisão, Oswaldo Eustáquio permanece no México e teme voltar ao Brasil.

O que dizem os investigados
Nos depoimentos que prestaram ainda em agosto, quando começou a investigação, os alvos do inquérito negaram intenção de promover um golpe. Interrogados pelos policiais, eles explicaram quais eram os objetivos e detalharam como se organizavam para os atos. O professor Márcio Niquelati e o policial reformado Cássio Souza, presos por proferirem ameaças graves, alegaram problemas psiquiátricos.

Zé Trovão foi questionado sobre um discurso, em 22 de março, num ato em Joinville, no qual defendia uma intervenção militar no país. Negou tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, disse que conheceu os outros investigados pela internet e que o objetivo dos atos de 7 de setembro era o impeachment dos 11 ministros do STF. Várias vezes, afirmou desconhecer como recursos doados seriam usados nas manifestações. Questionado depois sobre como pretendia "fazer a limpeza dos 11 ministros do STF", como havia dito em um vídeo, respondeu que não pretendia exercer qualquer ato de violência.

O caminhoneiro confirmou que no dia 9 de agosto, quase um mês antes das manifestações, encontrou-se, em Brasília, com o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional; o assessor especial da Presidência Mozart Vianna; o ministro do Turismo, Gilson Machado; e com os deputados federais do PSL Nelson Barbudo (MT) e Hélio Lopes (RJ), todos apoiadores e muito próximos de Bolsonaro.

Disse que o objetivo desta viagem à capital federal era organizar os atos de 7 de setembro, mas que os encontros com as autoridades foram "casuais". "O declarante esteve no Palácio do Planalto em reunião para tratar de assunto afeto à classe dos caminhoneiros; que não foi discutido o impeachment dos ministros do STF com essas autoridades", registra o termo do depoimento.

Em seu depoimento, também no final de agosto, Sérgio Reis negou participação em movimentos antidemocráticos, disse não ter relação próxima com outros investigados (que disse ter conhecido somente neste ano, em reuniões para tratar de assuntos ligados à agricultura) e afirmou ainda desconhecer detalhes da organização da manifestação de 7 de setembro. Ele confirmou que, em 9 de agosto, foi almoçar com Bolsonaro no Palácio do Planalto, onde estavam presentes os comandantes das Forças Armadas. "Não houve qualquer tipo de conversa sobre movimentos, que as conversas foram triviais", afirmou.

Depois, repetindo o pedido de desculpas que já havia feito numa entrevista na TV, o cantor disse que foi um erro sua fala, num áudio de WhatsApp vazado, em que dizia que manifestantes iriam "invadir, quebrar tudo e tirar [os ministros] na marra". "A frase foi uma força de expressão", disse, acrescentando que, se preciso for, iria pedir desculpas aos ministros do STF.  Em seu interrogatório, o deputado Otoni de Paula disse que suas manifestações nas redes, motivo de ser investigado, são críticas políticas e não antidemocráticas. "O impedimento [de ministros do STF] é um dos atos mais democráticos da democracia brasileira. O que seria antidemocrático seria tirar alguém do poder por força da violência, não pelo rito previsto na Constituição", afirmou.

Wellington Macedo, jornalista registrado, preso por participar de uma live, afirmou em depoimento que seu trabalho não é político. "Não costumo emitir minha opinião. Nunca ataquei com palavras e nem com vídeos qualquer instituição, pública ou privada. As coberturas que fiz se deram em razão do contexto atual e são meu ganha-pão", disse. A defesa já pediu sua soltura, mas ainda não há decisão. Familiares dizem que ele pode morrer na prisão, pois não consegue mais se alimentar.

O professor Márcio Niquelati, do interior catarinense, que disse que havia empresário pagando pela morte de Moraes, afirmou, em depoimento, que tem autismo, "problema nos nervos e de socialização". "Tenho problemas em ficar trancado, resultando em fobia e estresse", afirmou. O policial reformado Cássio Souza, do interior de Minas, que defendeu a morte de Moraes, afirmou que faz tratamento para depressão e ansiedade e já foi internado mais de 10 vezes por dependência alcoólica. Disse que foi reformado da PM por "incapacidade para o serviço policial militar sob o argumento de alienação mental".

República - Gazeta do Povo