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terça-feira, 26 de setembro de 2017

Recibos de aluguel apresentados por Lula têm datas inexistentes no calendário

Advogados do ex-presidente dizem que erros são irrelevantes e documentos comprovam pagamento

Recibos apresentados pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro nesta segunda-feira têm datas inexistentes no calendário. No texto, dois dos documentos citam como vencimento as datas de 31 de junho de 2014 e 31 de novembro de 2015 - meses que têm apenas 30 dias. Seis recibos também apresentam o mesmo erro de digitação: São “Bernanrdo” do Campo, no lugar de São Bernardo
 O aluguel refere-se à cobertura vizinha ao apartamento da família, em São Bernardo do Campo, que está em nome de Glaucos Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai. Para o Ministério Público Federal, Costamarques é uma figura interposta e o imóvel foi comprado pela Odebrecht para beneficiar o ex-presidente com propinas decorrentes de contratos da Petrobras. Costamarques disse em interrogatório que só passou a receber aluguel depois da prisão de Bumlai, em novembro de 2015.


Os advogados de Lula afirmam que Costamarques alugou o imóvel para a família, num negócio fechado com a ex-primeira-dama Marisa Letícia, já falecida. Com os recibos, ressaltam, dona Marisa recebeu expressamente quitação dos aluguéis, “sendo isso o que basta para rebater todos os questionamentos indevidamente formulados ao ex-presidente Lula” durante interrogatório.

Ao ser interrogado por Moro, Lula disse que tentariam localizar os recibos de pagamento. Os documentos entregues nesta segunda-feira à Justiça vão de agosto de 2011 a dezembro de 2015, mas não correspondem a todos os meses do calendário.  A defesa de Lula diz que não há qualquer elemento que dê "sustentação à fantasiosa tese" de que Lula foi beneficiado com recursos provenientes de contratos com a Petrobras e que "a Força Tarefa da Lava-Jato elegeu artificialmente uma relação privada de locação entre o Sr. Glaucos da Costamarques (locador) e D. Marisa Letícia Lula da Silva (locatária)"


Em nota, a defesa do ex-presidente Lula afirmou que os dois recibos contém erro material em relação às datas dos vencimentos dos aluguéis, mas que isso não tem qualquer relevância para o valor probatório dos documentos. "Pela lei, bastaria à Defesa ter apresentado o último recibo com reconhecimento de quitação, sem qualquer ressalva de débitos anteriores, para que todos os demais pagamentos fossem considerados realizados. É o que estabelece o artigo 322, do Código Civil. Mas a Defesa apresentou todos os recibos a que teve acesso, a fim de afastar qualquer dúvida", afirmaram os advogados.

"A tentativa de transformar os recibos no foco principal da ação é uma clara demonstração de que nem o Ministério Público nem o juízo encontraram qualquer materialidade para sustentar as descabidas acusações formuladas contra Lula em relação aos contratos da Petrobras", disse a defesa.

Fonte: O Globo


domingo, 6 de agosto de 2017

Lula joga com a morte

Lula joga com a morte na disputa eleitoral. O ex-presidente Lula, na sua campanha para poder se candidatar à Presidência em 2018, tentando assim escapar de uma possível prisão, deu uma declaração em conversa gravada em vídeo com um deputado petista que resume bem sua disposição política atual. Embora bombástica, não teve a repercussão que provavelmente buscava, talvez pela desimportância do interlocutor, talvez pela postura claramente eleitoreira.  ‘Deixa eu dizer uma coisa a quem me persegue: eu posso ser um bom candidato a presidente da República, se for candidato; eu posso ser um grande cabo eleitoral se não me deixarem ser candidato; e se morrer como mártir, eu serei um grande cabo eleitoral”.

Fazendo uso de sua morte como um instrumento eleitoral,
assim como já fizera na morte de dona Marisa e, dias antes, havia repetido que a Operação Lava-Jato a matou, o ex-presidente Lula chega a uma situação paradoxal em que especula sobre a morte como mártir político justamente para tentar evitar essa situação limite.  Simula mais uma vez Getúlio Vargas, que já foi seu alvo e hoje é seu espelho. O Lula líder sindicalista defendia o fim da Era Vargas, de quem dizia que, se foi o “pai dos pobres”, era também “a mãe dos ricos”. Chegou a chamar a CLT, no início de seu primeiro governo, de “AI-5 dos trabalhadores”.

Ser ou não ser mártir político pode ser uma fabricação, lembra Maria Celina D'Araujo, cientista política do departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio e estudiosa do período varguista desde os tempos do CPDOC da FGV. “O conceito de mito político é uma criação do início do século XX, recuperando a mitologia clássica e medieval. No contexto da crítica à liberal-democracia, um grupo de pensadores, autoritários e corporativistas, julgou necessário recuperar o peso dos símbolos e dos mitos na ordenação política das sociedades humanas. A democracia de massas, a quem se atribuía a responsabilidade pelos graves problemas da sociedade capitalista, deveria ser substituída pelo ‘culto à personalidade.’ As massas, o povo, precisavam de líderes para conduzi-los e protegê-los”.
Quando Lula afirma poder tornar-se um mártir, ressalta a cientista política, ele sabe que poderá construir essa imagem por meio de seu partido e de intelectuais e jornalistas que o apoiam caso seja condenado pela Justiça, ou impedido de concorrer a novas eleições. Poderá ser imortalizado como “vítima das elites contrárias aos interesses do povo”.  O mais importante para Maria Celina, no entanto, é indagar se a política brasileira precisa acionar conceitos tão antigos e tão pouco democráticos para pensar o seu futuro. “O lamentável é continuar pensando a política em termos de revanche e vingança, de mártires e infiéis, e não como instrumento para administrar o tão difícil entendimento em busca do bem comum”.

Tanto Celina quanto Lira Neto, o biógrafo de Getúlio Vargas, citam as vezes em que Getúlio ameaçou suicidar-se, ficando claro que era uma obsessão dele quando a situação parecia incontornável. Lira Neto lembra que Getúlio sempre manteve a ideia do que chamava de “sacrifício pessoal” como alternativa para sair, com honra, sempre quando confrontado em situações limite: em 1930, quando comanda tropas contra o governo de Washington Luiz, em 1932, quando irrompe a Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1945, quando os militares o retiram do poder encerrando o Estado Novo e, finalmente, em 1954.

Para Celina, foi um suicídio planejado, partilhado entre aliados, anunciado em bilhetes espalhados por seu escritório. Foi consumado naquela ocasião porque, ao contrário das anteriores, não havia alternativa de ganhar pelas armas, como em 1930 e 1932, nem havia a possibilidade de “voltar nos braços do povo" como em 1945. Do ponto de vista político, o suicídio foi um golpe de mestre. Fixou-se como mártir e mito. O impacto disso sobre a democracia brasileira, contudo, foi mais radicalização.

Mas Lira Neto acredita que a fala de Lula faz lembrar muito mais o “Ele disse”, quando Getúlio, derrubado do poder em 1945, execrado do poder, transformado em mártir pelos adversários, recomendou que seus eleitores votassem em Dutra.  O chamado mudou o rumo das eleições, ressalta Lira Neto, quando faltava menos de uma semana para o povo ir às urnas. O candidato favorito, Eduardo Gomes, antigetulista ferrenho, que todos já consideravam eleito, foi derrotado clamorosamente. Getúlio, assim, comprovou sua imensa popularidade.

“Lula, talvez, venha a fazer o mesmo. Se Moro prende Lula, o candidato que o líder petista apontar como seu representante nas urnas terá imensa possibilidade de ser o próximo presidente da República. Em suma: os adversários de Lula, que parecem desconhecer História, estão brincando com fogo”, diz Lira Neto. [não tem sentido comparar a popularidade de Lula com a de Getúlio Vargas;
Getúlio ainda tinha liderança quando morreu; Lula agora é um fantoche, um condenado, um nada.
Ainda é lembrado como criminoso sentenciado e compará-lo a Getúlio ou a qualquer outra pessoa é ofensa ao que tiver a infelicidade, a desonra, de ser comparado com Lula. 
Lula só merece e só terá o desprezo dos brasileiros.]

Fonte: Merval Pereira - O Globo

 

terça-feira, 16 de maio de 2017

Ele nunca sabe de nada

Perdoem o réu Luiz Inácio. Ele não sabe de nada. Não sabe o que faz. Não sabe o que tem. Não sabe de onde vem o que recebe. Não sabe por que lhe deram. Não sabe quem pediu para ele ou em nome dele. Não sabe quem são ou o que fazem pelas costas os auxiliares que lhe prestam vassalagem

Gente de boa alma. Nem o que a sua falecida mulher, Dona Marisa, desejava com um tríplex – se para investir ou para abrigar a família estava no escopo de seu conhecimento. Ou interesse. Suprema desfaçatez, Luiz Inácio, o réu, alegou sequer influenciar nas decisões do PT. Não se metia nas deliberações da agremiação que criou e na qual é, até hoje, o plenipotenciário manda-chuva. Por aí, nessa toada, dá para se tirar uma medida do grau de verdades que emitiu a cada trovejante reação contra as acusações que lhe pesam sobre os ombros. O réu Luiz Inácio parece ter seguido assim a vida inteira. Alheio. Na presidência da República, em casa, entre os parceiros de partido, no âmbito dos assessores, aliados e colaboradores mais diretos. Conveniente alienação de sentidos. 

 Aproveita o jatinho dos outros, as regalias e rapapés que lhe trazem. Mas se o sujeito tem contas a pagar ao cartório, problema dele! Mal comparando, Adriana Ancelmo, a ex-primeira-dama fluminense, mulher do ex-governador enjaulado, Sérgio Cabral, também depôs dizendo desconhecer de onde vinha tanto dinheiro.

Ela adorou as joias, bolsas de grife, viagens em primeira classe, propriedades fabulosas. Porém a culpa sobre a origem ilícita dos recursos que bancavam a farra não é dela. Quem não almeja tamanha benevolência despojada de responsabilidade? O que é mais incrível e improvável é que mesmo sendo tão ausente de percepção do que faziam de errado às suas fuças estava ele, Luiz Inácio, sempre como elo de quase todas as tramoias. 
Presente ou participando de vários dos entendimentos que levaram a malfeitos escabrosos. 

Histórias cabeludas de favorecimento, lautos desvios de dinheiro público, benesses para os amigos e dos amigos para ele. No conjunto, Luiz Inácio, o réu, responde hoje por crimes que lhe renderão, caso julgado culpado, centenas de anos de cadeia. Dentre os quais, a propina em forma de tríplex, é apenas um deles. O primeiro da lista. Provavelmente com essa violação de conduta – pela profusão de provas documentais e testemunhais e pelas evidências que não param de fluir – será condenado. Luiz Inácio, o réu, continua mesmo assim como aquele “showman” de comício. Faz um carnaval danado de qualquer aparição, com direito a picadeiro e plateia de áulicos seguidores. Esbanja incongruências. Diz para a turba de bajuladores que vai comparecer sempre que a Justiça o chamar. Arranca aplausos efusivos pela demonstração de coragem. Nos bastidores, entretanto, aciona pedidos de habeas corpus para evitar as audiências. Exige afastamento do juiz por suposta perseguição. Adota o mais variado leque de recursos protelatórios, empurrando com a barriga o confronto da verdade. A arguição dos fatos. 

A procrastinação de processos e a tentativa de politizar toda e qualquer investigação, diz muito do Luiz Inácio que sonha ser mais Lula dos palanques, folclórico, incoerente e trovador de fanfarras para evitar as grades. Seriam Lula e Luiz Inácio a mesma pessoa? Quem sabe até nisso podem pairar dúvidas no entorno do líder bufão e no íntimo dele mesmo. Das duas, uma: ou será o réu, Luiz Inácio, um ladravaz contumaz, ou um abduzido da realidade que o cerca. Sua estratégia de defesa não traz argumentos para contrapor as acusações. Reside nos discursos, nas bravatas, nos ataques àqueles que apontem seus desvios, o modelo de revide. Pobre alternativa. Não é no gogó que Lula – perdão a falha, o réu Luiz Inácio – levará a Justiça. Pode iludir cegos seguidores e cupinchas de rolo. Jamais a lei que pune os crimes gritantes. Mas talvez, até isso, Luiz Inácio, o réu, não saiba o que é.

Fonte: Editorial - Isto É -  Carlos José Marques


segunda-feira, 15 de maio de 2017

Marli Gonçalves: Reality show de pobre

Feche os olhos. Imagine que beleza o João Santana e o Delcídio do Amaral, nus, dentro de uma sauna, batendo papo e combinando ações

Não dá para escapar, tipo como a gente faz com os BBBs da vida. Não adianta trocar de canal. Na internet é a mesma coisa. Nem adiantaria mudar de cidade, Estado ou país. Não adianta. Espalhou-se. Não se fala em outra coisa. Todo mundo sabendo, o mundo inteiro está acompanhando, talvez nem com tanto interesse quanto a gente, mas está. Especialmente na América Latina, que está vendo por que esse continente nunca sai da miséria. Só entra nela, como no caso da Venezuela.

Mais de dois anos. O novelo da novela começou a se desenrolar e agora parece que não vai acabar é nunca mais. Cada vez se embaraça, trança mais gente. Não me lembro de um dia sequer que não tenha havido notícias, mentidos e desmentidos. Depois, como agora, chegam na tevê mais elaboradas, com imagens, sons e até — pasmem duas câmeras ambiente, como foi a gravação do depoimento daquele senhor arrogante e convencido chamado Lula e o seu séquito de advogados de uma família só. Pai, filha, genro. O pai, Roberto Teixeira, o compadre de velhas denúncias que jamais foram bem esclarecidas; por exemplo, a da nebulosa venda da Varig. O genro, o enjoado Cristiano Zanin, agora famoso, finalmente, figura tinhosa, casado com a empertigada Valeska, ex-gorda, como ela própria declarou à época dos embates com Denise Abreu, que foi quem em 2008 mostrou as provas do conluio e que já apontava que eles usavam Lula para tudo. 

Se à época das denúncias sobre a venda estas tivessem sido levadas a sério como deveriam, babau. Não teria havido Dilma presidente, e o ciclo da lambança talvez não alcançasse em um estágio tão sério assim. Já havia mensalão, a maldição da Casa Civil, fatos questionáveis como os da área de energia por onde também Dilma passou. E passou Lobão, Os Três porquinhos, outros chapeuzinhos vermelhos. Mas o vento soprou e a casa caiu. Ou melhor, está caindo, lentamente, desmoronando, caçando um a um em todos os aposentos. 

São capítulos imperdíveis, narrados com cenas pitorescas que atiçam nossa imaginação. Estamos assistindo diariamente a um seriado sobre como funcionam os intestinos do poder. O que comem, como processam, como se reproduzem, e o que regurgitam. Mais a parte que usaram para criar a gordura dos seus luxos, os excessos que os deixavam felizes e ao qual chamavam Projeto de Poder. Projeto de poder popular, alguns ousavam dizer. Pior, tem por aí quem ainda acredite nisso. 

Quando pensávamos que Lula seria o ápice, surpresa! Tem mais. Vai ao ar uma descontraída Monica Moura que, ao lado do marido, João Santana, privou da maior intimidade com todos eles, já que foram os responsáveis, ao fim e ao cabo, por tê-los posto lá. Agora sabemos melhor o quanto custou sermos enganados durante mais de uma década pela propaganda. Vê-los ganhar mais de uma campanha presidencial mentindo, jogando areia nos olhos, prometendo mundos com nossos fundos

Nesse reality só está faltando edredom. Quero dizer, está faltando que saibamos detalhes, porque no meio da história já apareceram vários casos bem amorosos, com apelidos bastante significativos. Feche os olhos. Imagine que beleza o João Santana e o Delcídio do Amaral, nus, dentro de uma sauna, batendo papo e combinando ações. O Fernando Pimentel, atual governador de Minas, sempre suspeito, chegando com uma malinha recheada de dinheiro em um flat, e Monica Moura, linda e loura, lá, só esperando ele chegar para contar a bufunfa que lhe era devida. 

Também gostei de imaginar a cena dela passeando com Dilma pelos jardins do Palácio, imaginar a confusa Dilma (no caso, Iolanda) escrevendo um e-mail em código tentando avisar algo. Adorando imaginar o Zé Eduardo Cardozo se contorcendo de ódio porque foi dito o óbvio sobre o vazamento (para os alvos) das operações. E o sisudo Franklin Martins? Até sumiu para não ter de explicar os milhões de dólares que cobrou para ir sacanear as campanhas lá na África. 

Quanta coisa já vimos ou ficamos sabendo nesses últimos tempos, enquanto por causa disso tudo temos de tentar, com muita dificuldade, nos manter com a cabeça fora d’água. A política toda está de cabeça para baixo e não sei se as pessoas se deram conta do significado disso e do quanto penaremos ainda para reconstruir o país e a confiança nesses tempos tão agitados. Como nos reality shows mais conhecidos, teremos de eliminá-los, um a um. Mas sem vencedores, porque esses participantes já levaram escondido o prêmio de muito mais de um milhão, um milhão e meio. Pensam em dólares. E já ganharam casas, apartamentos, lanchas, sítios, viagens com tudo pago.
Deve ter sido tudo obra da Dona Marisa.

Fonte: Coluna do Augusto Nunes - VEJA


 

segunda-feira, 17 de abril de 2017

A fome dos crocodilos

A cada mordida de 98 políticos e aliados, milhões de reais passaram de mão em mão 

A conversa animal se deu entre dois gigantes, na era pré-­Dilma. O presidente da maior empreiteira, Emílio Odebrecht, disse ao pai dos pobres, Lula, o presidente mais popular do Brasil:  “Seu pessoal está com a goela muito aberta. Eles estão passando de jacaré a crocodilo”. Os crocodilos são maiores, mais pesados e de focinho mais longo que os jacarés, e seu quarto dente do maxilar inferior aparece mesmo com a boca fechada. Diz-se que crocodilos não existem no Brasil. Parece que sim. Saíram do Planalto Central. Rastejam.

Seria menos penoso para nosso país carcomido se os crocodilos fossem apenas vermelhos ou azuis, se pertencessem a só uma espécie. Seria mais fácil erradicá-los. Mas as delações de 77 executivos da Odebrecht – incluindo a mais explosiva, do ex-presidente da empresa, Marcelo, preso há quase dois anos pela Operação Lava Jato – expõem a crocodilagem do sistema político brasileiro. A cada mordida de 98 políticos e aliados, milhões de reais ou dólares passaram de mão em mão, de conta em conta, de gaveta a mochila. Os crocodilos são insaciáveis.

Nem percamos tempo com a declaração bombástica do empresário de que “não existe eleito no Brasil sem caixa dois”. Dois terços dos casos investigados se referem a corrupção mesmo, não a caixa dois. Atingem oito ministros, 24 senadores e 39 deputados, além de governadores e ex-presidentes. Os casos mais chocantes envolvem venda de medidas provisórias e propinas em obras para favorecer a empreiteira. 



Michel Temer não pode ser investigado por ser presidente da República e ter imunidade. Mas foi acusado pelo executivo Márcio Faria de presidir em seu escritório de vice-presidente uma reunião em julho de 2010. Segundo Faria, Temer delegou a Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves a missão de pedir da Odebrecht 5% de um contrato internacional de US$ 800 milhões da Petrobras. Temer se ausentou entre a sobremesa e o cafezinho. Foram US$ 40 milhões de propina.

Os casos mais prosaicos envolvem mimos para parentes, como a mesada de R$ 5 mil para um irmão de Lula, o financiamento para o filho de Lula criar uma liga de futebol americano (que não deu em nada) e o pedido pessoal de Lula para financiar o estádio de seu time de coração, o Corinthians, cujo valor dobrou de R$ 400 milhões para R$ 800 milhões para servir de sede para a Copa do Mundo. É surreal escutar isso no Brasil de hoje.

O ministro de Lula e Dilma Guido Mantega usou o expediente de escrever “50” num papel e mostrar para Marcelo Odebrecht, já sem ousar pedir de viva voz R$ 50 milhões para a primeira campanha de Dilma Rousseff em 2010. Também redigiu a letra “V”, pedindo dinheiro para João Vaccari Neto, então tesoureiro do PT. Era só o começo, porque depois pediu mais R$ 100 milhões. Segundo Emílio Odebrecht, não dava para chamar essas solicitações de “pedidos”. Eram “exigências”. Em troca, a Odebrecht levava vantagem nas obras e nas isenções fiscais. O montante desses acordos choca a nação.

Deve ser complicado um ministro da Fazenda e do Planejamento não poder falar o que quer, com medo da prisão. Mantega chama os vídeos e áudios das delações de “vazamentos criminosos”. Não são. São autorizados pelo Supremo Tribunal Federal. Deve ser complicado para Dilma ver, na televisão, Marcelo Odebrecht dizer que ela sabia de tudo. Não que restasse alguma dúvida na imensa maioria da população. Mas deve doer. Mexeu com ela. Mexeu com o Lula ouvir que Dona Marisa pediu a reforma no sítio de Atibaia, que custou R$ 700 mil segundo Marcelo Odebrecht.

Deve ser complicado para o senador Aécio Neves, do PSDB, aquele mineirinho que um dia sonhou em ser presidente do Brasil, ouvir seu grande amigo Marcelo dizer que ele pediu e recebeu pelo menos R$ 50 milhões em troca de vantagens indevidas para a Odebrecht na área de energia. Fica clara, na delação gravada, a simpatia de Marcelo Odebrecht por Aécio, que ele considerava “o futuro” do país. Os tucanos passados, entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também não foram poupados.

Pode parecer mesmo o fim do mundo. Talvez não. Se juntarmos a lista do relator da Lava Jato Edson Fachin à Operação Fatura Exposta no Rio de Janeiro, com a prisão da quadrilha encabeçada pelo médico e ex-secretário de Saúde Sergio Cortes acusado do crime hediondo de subtrair R$ 300 milhões de doentes –, torço para o país estar velando um defunto em decomposição. 


Aqui jaz o velho Brasil. Trinta anos de uma República corrompida. O sentimento é de luto, mais que indignação. Mas só uma democracia consegue desvendar tanta sujeira. Por enquanto, são inquéritos. Que se condenem os crocodilos culpados. Que o dinheiro do roubo seja repatriado. Que nasça um novo Brasil. Boa Páscoa para quem tem consciência limpa.

Fonte: Ruth de Aquino - Época

 

sábado, 3 de outubro de 2015

Reforma do triplex foi paga por empreiteira envolvida no escândalo do Petrolão

Lula e a Dinda do Guarujá

A reforma do apartamento tríplex do ex-presidente — que incluiu a instalação de um elevador privativo — foi paga por uma das empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras

Bancar melhorias na Casa da Dinda, a residência de Fernando Collor, no Lago Norte, em Brasília, era uma das muitas maneiras de agradar ao então presidente, deposto do cargo por corrupção em 1992. A mesma tática foi e está sendo usada por empreiteiras para demonstrar afeição ao ex-presidente Lula. Em meados de 2014, depois de quase dez anos de espera, a ex-primeira-­dama Marisa Letícia viajou à Praia das Astúrias, no Guarujá, para buscar as chaves do apartamento dos sonhos da família. O refúgio dos Lula da Silva no litoral é um tríplex de 297 metros quadrados. São três quartos, suíte, cinco banheiros, dependência de empregada, sala de estar, sala de TV e área de festas com sauna e piscina na cobertura. 

Ah, sim, para um eventual panelaço das elites, o tríplex tem varanda gourmet no 1º andar. O plano de comemorar o réveillon no imóvel foi adiado pela decisão de fazer ali uma reforma. O porcelanato e os acabamentos de gesso foram refeitos, a planta interna foi modificada para abrigar um escritório e um elevador privativo, interligando os ambientes do 1º andar com a ala dos quartos, no 2º nível, e a área de festas, na cobertura. Acompanhada de perto por dona Marisa, a obra não custou um centavo à família do ex-presidente. Do primeiro parafuso ao último azulejo, tudo foi pago pela OAS, uma das empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras.

VEJA teve acesso a documentos e a fotos (em VEJA.com) que detalham a reforma do tríplex presidencial e mostram que os serviços foram contratados pela empreiteira. O trabalho foi feito pela Tallento Inteligência em Engenharia, uma empresa conhecida no mercado por executar obras de alto padrão em prazos curtos - duas exigências dos contratantes, mas não as principais. A exigência maior era a discrição. As investigações da Lava-Jato revelariam meses depois as razões disso. Iniciada em 1º de julho de 2014, a reforma transcorreu sob medidas de segurança incomuns. A fechadura da porta de acesso era trocada toda semana. A reforma da cobertura tríplex chamou a atenção dos moradores do prédio.

"Nos dias em que eles marcavam para visitar a obra, a gente tinha de parar o trabalho e ir embora. Ninguém era autorizado a permanecer no apartamento. Só ficamos sabendo quem era o dono muito tempo depois, pelos vizinhos e funcionários do prédio, que reconheceram dona Marisa e o Lulinha (Fábio Luís Lula da Silva, o filho mais velho do ex-presidente)", disse a VEJA um dos profissionais que colaboraram na reforma. O ex-presidente Lula esteve no tríplex algumas vezes. O segredo durou até dezembro do ano passado, quando o jornal O Globo publicou detalhes de uma investigação sobre a Coo­pe­rativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop). Controlada pelo PT, a entidade faliu e deixou 3 000 famílias sem receber seus imóveis. O tríplex destinado a Lula, com uma das melhores vistas do Guarujá, avaliado em 2,5 milhões de reais, foi um dos poucos a ser entregues. 

VEJA revelou em abril passado que, depois de um pedido feito pelo próprio ex-presidente a Léo Pinheiro, executivo da OAS, seu amigo, preso na Operação Lava-­Jato, a OAS assumiu a construção do prédio, que estava parada. Além de Lula, parentes do tesoureiro petista João Vaccari Neto, também preso, sindicalistas e familiares de Rosemary Noronha, a amiga íntima de Lula, foram contemplados com apartamentos em outros prédios da Bancoop assumidos pela OAS. 

Revelado o privilégio, e diante da repercussão negativa, desapareceu o entusiasmo da família Lula pelo imóvel.

O ex-presidente passou a negar ser o proprietário do tríplex, embora admita que sua esposa seja dona das cotas de um apartamento no mesmo edifício, o Solaris. Não é mentira. É apenas uma meia verdade. No papel, o tríplex ainda está em nome da OAS. Funcionários da empreiteira procurados por VEJA confirmaram que o apartamento pertence aos Lula da Silva, está parcialmente mobiliado, permanece fechado e está à venda por 2,3 milhões de reais. "Para entrar aí, só com autorização da cúpula da construtora. Só eles e o Lula têm a chave", disse a VEJA, na semana passada, um funcionário da própria OAS.

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Leia mais e curta fotos do triplex:  

http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/lula-e-a-dinda-do-guaruja