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quinta-feira, 29 de abril de 2021

Ao STJ, PGR diz que governador do Amazonas chefiou organização criminosa - Radar - VEJA

 Por Mariana Muniz

Entenda como adega virou fornecedora de respiradores no Amazonas

Wilson Lima e outros integrantes do governo [evitando enganos: governo do Amazonas] foram denunciado por compras de respiradores durante a pandemia

Na denúncia que apresentou ao STJ na última segunda-feira, às vésperas da instalação da CPI da Covid-19 no Senado, a Procuradoria-Geral da República diz que o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), exerceu o comando de organização criminosa” ao menos no primeiro semestre de 2020.  “Organização criminosa liderada pelo primeiro denunciado, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, cujo objetivo era obter a obtenção de vantagem econômica”, narra a subprocuradora Lindôra Maria Araújo ao ministro Francisco Falcão, do STJ. 

Entre outras acusações, a denúncia diz que Lima, em conluio com então secretário da Susam, João Paulo Marques dos Santos, “em comunhão de esforços e unidade de desígnios, embaraçaram a investigação de infrações penais que envolvia organização criminosa, mediante adulteração de documentos”.

O esquema supostamente liderado por Lima e membros de sua equipe, segundo a PGR, funcionava por meio do direcionamento de licitações, superfaturamento e sobrepreço na compra de respiradores — material de primeira necessidade no tratamento da covid-19.

Esses artifícios e fraudes tinham o objetivo de inserir no contexto das compras dos equipamentos uma outra empresa, a loja de vinhos “Vineria Adega”. De acordo com a denúncia, a adega teria sido escolhida pelo próprio governador do Amazonas para servir de anteparo para a majoração arbitrária dos preços e desvio dos valores”. [além de uma adega de vinhos não ter a menor condição de participar de uma licitação pública para fornecimento de respiradores, a empresa superfaturou em 340% os respiradores vendidos, entregou apenas parte e parte do que entregou não funcionou devido defeitos.]

Na denúncia apresentada ao STJ, PGR detalha suposto esquema de loja de vinhos usado pelo governador do Amazonas

Um dos principais pontos abertos pela investigação da PGR contra o governador do Amazonas, Wilson Lima, é a transformação de uma loja de vinhos em importadora de equipamentos hospitalares necessários para o combate à covid, notadamente respiradores.

Na denúncia oferecida ao STJ nesta segunda-feira, os investigadores jogam luz sobre supostas contradições nas justificativas dadas por Lima para que os respiradores tivessem sido adquiridos por uma adega. Em entrevistas, o governador chegou a alegar que a empresa não fazia importação somente de material etílico, e tinha meios de trazer de fora os aparelhos.

Mas segundo a PGR, a “Vineria Adega” sequer tinha habilitação junto à Receita Federal para importar equipamentos e “os respiradores vendidos ao Estado do Amazonas foram adquiridos de empresas sediadas no Brasil”. De acordo com os investigadores, a adegaserviria como mero anteparo para a majoração arbitrária dos preços e desvio dos valores”.

Na narrativa elaborada pela PGR ao STJ, a loja de vinhos foi contratada pelo governador para comprar os equipamentos superfaturados em acordo com fornecedores que estavam no Brasil. “Conforme os diálogos acima transcritos, demonstrando os elementos subjetivos das ações de cada envolvido, WILSON MIRANDA LIMA, na condição de gestor, supervisiona toda a “montagem” do procedimento li- citatório (feito a posteriori) que gerou o contrato fraudulento feito em favor da VINERIA ADEGA”, diz a PGR, para quem Lima “aparece como o autor do planejamento que resultou na contratação da empresa VINERIA ADEGA”.

 VEJA  - Blog Radar


quarta-feira, 31 de maio de 2017

Respeito à Constituição

Não se pode usar a decisão contra o governador do Amazonas como precedente para o caso de Temer porque cada caso envolve marco jurídico específico. No caso do Amazonas, pautou-se pela Lei Eleitoral. No caso de Temer, vale a Constituição

Há quem tenha visto a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando o imediato afastamento de José Melo do governo do Estado do Amazonas como um elemento complicador para a situação do presidente Michel Temer, como se o que lá foi decidido pudesse balizar o julgamento da ação contra a chapa Dilma-Temer no TSE. Na verdade, é descabida a relação entre os dois casos já que a Constituição Federal dispensa um tratamento específico aos presidentes da República. Sempre, e especialmente em momentos de crise, é de grande importância para o bem do País que o cristalino texto constitucional prevaleça sobre extravagantes interpretações, que nada mais são do que reflexo de interesses particulares.

No dia 4 de maio, por 5 votos contra 2, o TSE determinou o imediato afastamento do governador do Amazonas, José Melo (Pros), e de seu vice, Henrique Oliveira (SD), em razão de compra de votos nas eleições de 2014, quando a chapa obteve a reeleição no segundo turno com 55,5% dos sufrágios. Na decisão, contra a qual ainda cabe recurso, o TSE estabeleceu que o novo governador deverá ser escolhido por meio de eleições diretas. Com tempos tão agitados como são os atuais, houve quem não tenha atinado para as diferenças entre os casos, fazendo uma indevida conexão do caso do governador do Amazonas com a ação que julga a chapa Dilma-Temer. Tentaram ver, na decisão que o TSE poderá adotar já no início do mês, uma brecha para que, em caso de eventual cassação do mandato de Temer, haja eleições diretas.

Não se pode usar a decisão contra o governador do Amazonas como precedente para o caso de Temer porque cada caso envolve um marco jurídico específico. No caso do governador, o Tribunal pautou-se pela Lei Eleitoral. No caso do presidente da República vale o tratamento que a Constituição dá à matéria. O art. 81 da Constituição determina que, “vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga”. Em seguida, no § 1.º do mesmo artigo, lê-se que, “ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Não cabe, portanto, convocação de eleição direta.

Como é natural, os constituintes de 1988 poderiam simplesmente ter deixado as eleições diretas como regra geral em caso de vacância dos cargos de presidente da República e vice-presidente. No entanto, decidiram expressamente criar uma regra específica, caso a vacância ocorresse nos últimos dois anos do período presidencial. Não se pode, portanto, ignorar a existência desse mandamento constitucional e criar, seja por qual motivo for, uma regra diferente.

Seria uma fraude ao Estado Democrático de Direito se determinado grupo político ou estrato social pudesse, diante de determinadas circunstâncias, mudar as regras do jogo simplesmente porque elas agora não lhe são apetecíveis. Quando os defensores da ideia de eleições diretas, em caso de cassação do presidente Michel Temer, vinculam sua bandeira à campanha das Diretas Já, ocorrida no final do regime militar, como se fossem causas semelhantes, estão fazendo uma contrafação. Então, nos inícios dos anos 80 do século passado, lutava-se pela volta do regime democrático e pelo estabelecimento de uma Constituição cidadã que estivesse acima da estrutura legal criada durante a ditadura militar. 


Agora, quem promove a bandeira das eleições diretas está lutando em sentido contrário, querendo que determinados interesses prevaleçam sobre o disposto na Constituição de 1988.  O rigor com o Direito e com os conceitos jurídicos não é um formalismo jurídico arcaico. Ele representa uma das garantias de que a vontade da população, expressa na lei – no caso, na Constituição –, será respeitada. Sem esse cuidado, não há democracia possível, restando apenas a voz dos mais fortes. Ou de quem grita mais alto.

Fonte: O Estado de S.Paulo - Editorial

sábado, 7 de janeiro de 2017

Os presídios e as masmorras

“Não havia nenhum santo. Eram estupradores, traficantes e pessoas ligadas a facções”, disse o governador do Amazonas, José Melo, a respeito da barbárie ocorrida em um presídio de Manaus, que resultou na morte de 56 detentos, a maioria deles decapitada. [o governador está certo; errou feio quando falou em indenizar os familiares dos bandidos abatidos - como indenizar familiares de bandidos, quando os familiares de cidadãos do bem, que morrem em assaltos não são indenizados? - mas se redimiu parcialmente do erro ao reconhecer que os bandidos mortos não prestavam. ] 

Na primeira semana do ano, as cenas de horror correram o mundo, envergonharam o País e deixaram os brasileiros apavorados, uma vez que nunca foi tão real a possibilidade de a guerra entre facções criminosas saltar as muralhas dos presídios e chegar às praças públicas. Uma guerra que em apenas cinco dias matou mais de cem pessoas. A frase do governador é assustadoramente desastrosa sob qualquer ponto de vista. Mas, infelizmente, ao proferi-la, Melo traduziu o sentimento silencioso de boa parte de uma sociedade cada vez mais intolerante. [será uma sociedade intolerante? ou apenas uma sociedade cansada das pessoas de bem terem que viver enjauladas em suas residências enquanto os bandidos ocupam livremente as ruas? se o conflito entre facções passar para as ruas, mais bandidos morrerão e para as pessoas de bem pouco vai mudar - afinal diariamente morrem dezenas de pessoas honestas, trabalhadores, em assaltos e outras ações de criminosos que permanecem impunes, na maior parte das vezes.]  

Embora não tenha sido a sua intenção, a declaração do governador também serve para explicar como o Brasil chegou a esse ponto, onde praticamente não há distinção entre os milionários, e quase sempre superfaturados, presídios erguidos em todos os Estados e as masmorras medievais. Desde que o Brasil é Brasil, seus presos são considerados e tratados como seres de “categoria inferior”, estorvos que precisam ser mantidos longe dos olhos e dos direitos dos cidadãos.


O problema é que, nas últimas décadas, aqueles que vivem do lado de fora dos presídios insistiam em não ver que os seres de “categoria inferior” se avolumaram e se organizaram e hoje constituem uma ameaça. Como resposta, especula-se a construção de novas masmorras. Trata-se de uma alternativa não apenas paliativa como simplista diante de um problema muito mais complexo. O crime organizado nasceu a partir da omissão do Estado nas comunidades mais carentes do País, cresceu com a conivência e até cumplicidade do Estado, e atualmente, em muitos casos, principalmente nas periferias das grandes cidades, exerce o papel do próprio Estado. No que diz respeito à segurança pública, por exemplo, não é preciso ser especialista para saber que as facções criminosas são mais eficientes do que muitos governos estaduais em conter a violência. Construir novas masmorras e não mudar o que acontece dentro delas não vai resolver o problema. Tão frios quanto imparciais, os números são claros. Há um déficit de vagas em nossas prisões que soma 250 mil. Há, também depositados em nossos presídios, cerca de 250 mil pessoas que ainda aguardam julgamento. Manter esse contingente nos mesmos corredores de homicidas qualificados apenas aumenta o poder dos exércitos do PCC, CV, FDN e outras siglas que atuam dentro e fora das penitenciárias.

Na semana passada, ao procurar encarar o que vem ocorrendo nos presídios, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, acabou representando uma luz de esperança no fim dos túneis dessas masmorras. É uma boa notícia saber que dessa vez o Judiciário parece assumir parte de sua responsabilidade nesse submundo. Não dá mais para manter encarcerados durante anos a fio pessoas não condenadas. Não dá mais para manter, sob o mesmo teto, homicidas e desempregados que deixaram de pagar pensão alimentícia. A Justiça precisa ser mais célere e o acompanhamento dos presos sob a guarda do Estado precisa deixar de ser um instrumento de faz de conta. Isso é muito mais efetivo do que qualquer muralha, seja ela pública ou privada.

Experiências internacionais mostram que quando o Estado assume seu papel, o crime organizado perde força. E isso vale para dentro e para fora das prisões.

Fonte: Editorial - Isto É -  Mário Simas Filho, diretor de redação