“Não havia nenhum santo. Eram estupradores, traficantes e pessoas
ligadas a facções”, disse o governador do Amazonas, José Melo, a
respeito da barbárie ocorrida em um presídio de Manaus, que resultou na
morte de 56 detentos, a maioria deles decapitada. [o governador está certo; errou feio quando falou em indenizar os familiares dos bandidos abatidos - como indenizar familiares de bandidos, quando os familiares de cidadãos do bem, que morrem em assaltos não são indenizados? - mas se redimiu parcialmente do erro ao reconhecer que os bandidos mortos não prestavam. ]
Na primeira semana do
ano, as cenas de horror correram o mundo, envergonharam o País e
deixaram os brasileiros apavorados, uma vez que nunca foi tão real a
possibilidade de a guerra entre facções criminosas saltar as muralhas
dos presídios e chegar às praças públicas. Uma guerra que em apenas
cinco dias matou mais de cem pessoas. A frase do governador é
assustadoramente desastrosa sob qualquer ponto de vista. Mas,
infelizmente, ao proferi-la, Melo traduziu o sentimento silencioso de
boa parte de uma sociedade cada vez mais intolerante. [será uma sociedade intolerante? ou apenas uma sociedade cansada das pessoas de bem terem que viver enjauladas em suas residências enquanto os bandidos ocupam livremente as ruas? se o conflito entre facções passar para as ruas, mais bandidos morrerão e para as pessoas de bem pouco vai mudar - afinal diariamente morrem dezenas de pessoas honestas, trabalhadores, em assaltos e outras ações de criminosos que permanecem impunes, na maior parte das vezes.]
Embora não tenha
sido a sua intenção, a declaração do governador também serve para
explicar como o Brasil chegou a esse ponto, onde praticamente não há
distinção entre os milionários, e quase sempre superfaturados, presídios
erguidos em todos os Estados e as masmorras medievais. Desde que o
Brasil é Brasil, seus presos são considerados e tratados como seres de
“categoria inferior”, estorvos que precisam ser mantidos longe dos olhos
e dos direitos dos cidadãos.
O problema é que, nas últimas décadas, aqueles que vivem do lado de
fora dos presídios insistiam em não ver que os seres de “categoria
inferior” se avolumaram e se organizaram e hoje constituem uma ameaça.
Como resposta, especula-se a construção de novas masmorras. Trata-se de
uma alternativa não apenas paliativa como simplista diante de um
problema muito mais complexo. O crime organizado nasceu a partir da
omissão do Estado nas comunidades mais carentes do País, cresceu com a
conivência e até cumplicidade do Estado, e atualmente, em muitos casos,
principalmente nas periferias das grandes cidades, exerce o papel do
próprio Estado. No que diz respeito à segurança pública, por exemplo,
não é preciso ser especialista para saber que as facções criminosas são
mais eficientes do que muitos governos estaduais em conter a violência.
Construir novas masmorras e não mudar o que acontece dentro delas não
vai resolver o problema. Tão frios quanto imparciais, os números são
claros. Há um déficit de vagas em nossas prisões que soma 250 mil. Há,
também depositados em nossos presídios, cerca de 250 mil pessoas que
ainda aguardam julgamento. Manter esse contingente nos mesmos corredores
de homicidas qualificados apenas aumenta o poder dos exércitos do PCC,
CV, FDN e outras siglas que atuam dentro e fora das penitenciárias.
Na semana passada, ao procurar encarar o que vem ocorrendo nos
presídios, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen
Lúcia, acabou representando uma luz de esperança no fim dos túneis
dessas masmorras. É uma boa notícia saber que dessa vez o Judiciário
parece assumir parte de sua responsabilidade nesse submundo. Não dá mais
para manter encarcerados durante anos a fio pessoas não condenadas. Não
dá mais para manter, sob o mesmo teto, homicidas e desempregados que
deixaram de pagar pensão alimentícia. A Justiça precisa ser mais célere e
o acompanhamento dos presos sob a guarda do Estado precisa deixar de
ser um instrumento de faz de conta. Isso é muito mais efetivo do que
qualquer muralha, seja ela pública ou privada.
Experiências internacionais mostram que quando o Estado assume seu
papel, o crime organizado perde força. E isso vale para dentro e para
fora das prisões.
Fonte: Editorial - Isto É - Mário Simas Filho, diretor de redação
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