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quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Ministros do STF desmoralizam a Justiça - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

O Brasil está vivendo o que talvez fique conhecido, em algum momento do futuro, como a época do ilusionismo, ou, em linguagem mais direta, a época da falsificação pura e simples – falsificação como prática corrente e diária do exercício da atividade política. É como nos teatros tipo “lanterna mágica”: o público vê uma coisa, através do jogo de luz e de sombras, e da dificuldade do olho humano para enxergar no escuro, mas logo em seguida, quando o palco se ilumina, todos descobrem que a realidade é outra. Essa ilusão, nas artes cênicas, é um divertimento. Na política é uma contrafação.

O Supremo Tribunal Federal, no momento, é o centro mais ativo do Brasil na aplicação desta trapaça: opera em tempo integral pretendendo sustentar as “instituições”, mas o que faz, na vida real, é anular de forma sistemática os princípios básicos da democracia e do Estado de Direito.

Nas sombras,
o STF aparece como um magistrado que nos defende, a todos nós, das ameaças que os poderes Executivo e Legislativo representam para a Constituição. Quando acende a luz, a realidade que aparece é o contrário: dez pessoas que não receberam um único voto estão ditando o que o Congresso e o governo têm de fazer, sem prestar contas a ninguém e sem ter nenhuma responsabilidade pelas decisões que tomam.

A anulação da lei que estabelece novas regras para o pagamento das emendas parlamentares é o último ato desse espetáculo de prestidigitação com que o STF engana o país. 
 Faz de conta que fiscaliza se a Constituição está sendo cumprida, enquanto, na prática, exerce as funções de governo – naquilo que lhe interessa governar, é claro. 
A lei foi aprovada, de modo indiscutível e legítimo, pela Câmara dos Deputados; deveria, pelo que está escrito na Constituição, entrar em vigor. Mas os ministros não gostaram. Acham que a lei é ruim e, por isso, não pode valer. Façam outra. Essa não pode. 
 
Não interessa se a lei das “emendas do relator” é boa ou ruim ela foi aprovada legalmente pela maioria dos deputados e, segundo está previsto nas “instituições” que o STF diz defender 24 horas por dia, só poderia ser anulada ou modificada por outra lei da mesma Câmara. 
Se o STF dá a si próprio o direito de decidir quais as leis que valem e quais as leis que não valem, a independência de poderes foi para o saco. Não se trata mais de uma exceção; virou a regra.  
O Congresso Nacional não sabe mais se as suas decisões valem ou não. O Executivo sabe menos ainda. As instituições, tão sagradas para o STF, estão indo para o diabo. 
 
O STF não é o filtro pelo qual se aprovam ou se rejeitam as medidas de governo; não cabe a ele decidir o que é o “bem” e o que é o “mal” no país e na sociedade. Também não lhe cabe dar ordens aos outros Poderes, eleitos pelo voto direto do povo brasileiro, e nem governar o Brasil.  Tudo o que conseguem é desmoralizar as noções de Justiça, de democracia e de legalidade. Acham-se o remédio. São a doença.

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Lula e a mulher-aranha - Revista Oeste

Augusto Nunes
 
É mais fácil acreditar num ser humano com oito patas do que na inocência do ex-presidiário  
 
O ex-presidente duas vezes condenado em segunda instância por lavagem de dinheiro e corrupção passiva voltou ao noticiário político policial pendurado na lista dos caloteiros da Receita Federal
Nas declarações de imposto de renda, Lula escondeu uma pequena parte do que ganhou de empreiteiros agradecidos para sonegar R$ 1,2 milhão.  
É mais que os R$ 321 mil tungados pelo sobrinho Taiguara Rodrigues dos Santos. 
É dinheiro de troco perto do que o Fisco está cobrando de José Dirceu: R$ 68 milhões. É sobretudo a confirmação de que Lula se tornou o avesso de Getúlio Vargas, a quem costuma comparar-se
Um deixou a vida para entrar na História. 
Outro saiu da História para cair na vidasempre em companhia de comparsas que reivindicaram o monopólio da honradez até a descoberta de que o templo das vestais camuflava o bordel das messalinas sem remorso.
 
O ex-presidente Lula, agora acusado de sonegar impostos | Foto: Montagem/Shutterstock
O ex-presidente Lula, agora acusado de sonegar impostos | Foto: Montagem/Shutterstock
O advogado Cristiano Zanin, claro, debitou o caso na conta da Operação Lava Jato. “As condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal”, recitou. Zanin merece um zero com louvor em Direito Tributário, informa a curta lição de Everardo Maciel. “Uma coisa nada tem a ver com a outra”, ensina o ex-secretário da Receita Federal. “Se o patrimônio aumentou, paga-se o imposto e ponto final.” Mesmo que o crime praticado por um ladrão esteja prescrito, exemplifica, o produto do roubo tem de ser taxado. 
A imprensa velha não deu importância à aparição da face sonegadora, descoberta pela revista Veja
E os jornalistas devotos trataram de enxergar mais uma fake news, inventada pelo gabinete do ódio. 
 
Quem não consegue enxergar a folha corrida de Lula deveria ser indiciado por miopia conveniente, processado por vigarice voluntária e condenado a prestar serviços gratuitos a um clube dos cafajestes.
Para a tribo dos cretinos fundamentais, não existiram o Mensalão, o Petrolão, as negociatas bilionárias envolvendo empreiteiros, as palestras de US$ 400 mil, as bandalheiras com ditaduras africanas, o maior esquema corrupto desde o Dia da Criação, fora o resto. 
Tudo foi parido por um imaginoso juiz que decidiu ser ministro ainda nos tempos do berçário e por um bando de procuradores especializados em acusar até bebês de colo. 
Mas já não fico perplexo quando vejo na TV alguém reafirmando aos berros a inocência de Lula. 
Limito-me a recordar o que houve com Newton Menino Gonçalves quando passou por Taquaritinga a mulher-aranha. Eu tinha 9 anos quando fui conhecer a singularíssima criatura junto com meu primo Newton, 1 ano mais velho.
 
A mulher-aranha chegara na véspera a bordo de um trailer implorando por reparos, pilotado pelo homem que — soube-se horas mais tarde — acumulava as funções de motorista, marido e vendedor dos ingressos que custavam 2 cruzeiros. 
Por essa módica quantia, podia-se entrar no interior escuro do veículo, contemplar a atração a dois passos de distância e ouvir, contada pela protagonista, a história que explicava por que havia virado aranha da cintura para baixo. 
Ambos com 5 cruzeiros no bolso da calça curta, percorremos os 50 metros que separavam a casa dos meus pais do trailer estacionado num canto da praça principal. 
Nos sete dias seguintes, naquele palco improvisado, o drama incomparável seria exposto ao povo de Taquaritinga. 
Ou às crianças da cidade, corrigia a fila de bom tamanho mas desprovida de adultos.

Multidões de brasileiros engolem sem engasgos o ilusionismo barato de Lula e as mentiras de Dilma

A cada meia hora, um grupo de cinco espectadores substituía o que acabara de sair. Entrei com meu primo e três moleques que não conhecia, e durante alguns minutos examinei a paisagem esquisita. 
O corpo da mulher-aranha era dividido horizontalmente por uma mesa. 
Na metade superior, vi uma mulher normal, gente como a gente, aparentando a idade da minha mãe. 
O espanto emergia na parte de baixo: no lugar de pernas e pés, havia quatro pares de patas com pelos, gordas e longas, como que expropriadas de uma superlativa caranguejeira de filme de ficção científica. 
O exame visual foi interrompido pelo começo do relato: “Eu nasci normal, e cresci com aparência humana, mas me tornei uma pessoa muito má”, disse a voz tristíssima. 
A continuação da narrativa escancarou uma feroz espancadora dos dez mandamentos, uma praticante compulsiva dos sete pecados capitais, uma incansável agressora dos códigos legais, da moral, da ética e dos bons costumes. 
Só poderia dar no que deu: já mulher feita, fora transformada por castigo divino em mulher-aranha, condenada a vagar por cidades, vilas e lugarejos em perpétua penitência.
Já do lado de fora e com cara de velório, Newton avisou que queria ver tudo de novo. Entrou na fila, pagou mais 2 cruzeiros, sumiu no interior do trailer e, meia hora mais tarde, reapareceu chorando convulsivamente. 
 
O ritual repetiu-se pelo menos uma vez nos dois dias seguintes. Inconformado com as dimensões da tragédia, ele derramou cataratas de lágrimas. Só parou de revisitar o palco do drama por falta de dinheiro. Decretado o corte de verba, a mãe e duas tias tentaram inutilmente convencê-lo de que aquilo não passava de tapeação, pura vigarice, coisa para enganar moleques de miolo mole e caipiras que creem até em mula sem cabeça. Ele só começou a convalescer da mais cava depressão com a partida do trailer — e da personagem da saga apavorante. Newton morreu muito cedo. Antes que lhe perguntasse se, casado e pai de duas filhas, continuava acreditando na mulher-aranha.
 
Nada de mais se dissesse que sim.  
Multidões de brasileiros engolem sem engasgos o ilusionismo barato de Lula, as mentiras de Dilma e as sucessivas variações da ópera do malandro encenadas pelos canastrões da “esquerda brasileira”
Se tantos marmanjos juram que o prontuário ambulante não cometeu uma única e escassa delinquência, por que não poderia um homem com coração de menino comover-se com a má sorte de um ser metade gente e metade aracnídeo? 
A mulher do trailer ao menos procurava costurar uma história com começo, meio e fim para que a medonha metamorfose parecesse verossímil. 
O deus da seita da missa negra nem se deu ao trabalho de tentar mascarar parcialmente o vasto acervo de patifarias com álibis menos mambembes. 
Apenas recita que é a alma viva mais pura do Brasil, talvez do mundo, e acha que duvidar de tal verdade devia dar cadeia. Acossado por incontáveis provas materiais, evidências robustas, indícios veementes e pesadas suspeitas, Lula preferiu inventar o faroeste à brasileira: os vilões é que perseguem o mocinho, ladrões fazem o diabo para prender xerifes. Mesmo quando a plateia exige a vitória dos homens da lei, os juízes da capital garantem que os bandidos desfrutem do final feliz.

Os fatos, contudo, sempre acabam prevalecendo. Como aconteceu com aquele trailer, um dia a farsa se vai. E então o Brasil entenderá que foi menos absurdo acreditar na história da mulher-aranha do que na pureza incompreendida de um meliante sem cura.

Leia também “O Circo Brasil Vermelho”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste