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sexta-feira, 17 de março de 2023

O mais obsceno faroeste à brasileira - Revista Oeste

Augusto Nunes

Vilões se fantasiam de xerifes e tentam provar que os mocinhos é que são bandidos

 Ex-presos na Operação Lava Jato | Foto: Montagem Revista Oeste/Wikimedia Commons

Ex-presos na Operação Lava Jato -  Foto: Montagem Revista Oeste/Wikimedia Commons 

Na maior parte do filme, era dura a vida de herói do velho faroeste americano. Com uma estrela no peito, um coldre duplo abrigando armas de grosso calibre e um assistente bem menos destemido que o chefe, cabia ao xerife enfrentar o bando fora da lei que aterrorizava o lugarejo. Os moradores paralisados pelo medo permaneciam mudos até o desfecho da luta desigual. Em contrapartida, a molecada na plateia da matinê de domingo tomava partido aos berros já no primeiro tiroteio que ensanguentava a tela do Cine São Pedro. Sempre com o destemor confiante de quem sabia que, por mais desigual que fosse o combate, o Bem venceria o Mal. 

No fim do filme, o mocinho invariavelmente triunfava, e os vilões que conseguiam escapar da cova eram condenados a passar o resto da vida numa cela. Era até pouco para tantos e tão torpes pecados cometidos entre a apresentação do elenco e o the end em letras graúdas. A quadrilha tratara a socos, pontapés, facadas e tiros a Justiça, a ética, a moral e os bons costumes, fora o resto. Assaltos a bancos ou trens pagadores, trocas de chumbo no saloon, execuções brutais, assassinatos a sangue frio, emboscadas perversas — não havia limites para repertório criminoso. O consolo era a certeza do final feliz para os respeitadores da lei. E assim foi até o surgimento do faroeste à brasileira.  

No faroeste à brasileira os vilões começam perdendo a briga, recuperam-se na metade do duelo e vencem no final

Até agora, eram três as diferenças essenciais entre o modelo original e a deformação parida pela Era Lula. Primeira: no faroeste à brasileira, a trama não é fruto de ficção; as coisas acontecem no mundo real. Segunda: o elenco é formado não por atores profissionais, mas por gente que, sem nenhuma experiência cinematográfica, esbanja talento no papel de ladrão disfarçado de senador, empreiteiro podre de rico, dirigente de partido político, doleiro analfabeto, ministro poliglota, empresário grávido de gratidão pelos favores prestados por figurões dos Três Poderes, diretor de estatal, até mesmo presidente da República. Terceira: os vilões começam perdendo a briga, recuperam-se na metade do duelo e vencem no final.  

O maior e mais sórdido faroeste à brasileira, inspirado na saga da Operação Lava Jato, fez mais que respeitar exemplarmente esses três diferenciais. O final feliz parecia ter chegado com a libertação do chefe do bando, determinada pelos juízes da capital, e sua transferência da cadeia em Curitiba para o Palácio do Planalto.  
Mas os produtores da obra resolveram prolongá-la com outra bofetada no rosto do Brasil que pensa, debochar ao país que presta e obrigar a plateia a engolir o avesso dos fatos: os verdadeiros vilões são os que se fantasiaram de xerifeSergio Moro, por exemplo. Portanto, os mocinhos são os quadrilheiros injustiçados pela Lava Jato caso de Sérgio Cabral.  

Quem vê as coisas como as coisas são concorda com o parecer emitido pelo Gilmar Mendes modelo 2015. “A Lava Jato estragou tudo”, constatou o ministro do Supremo Tribunal Federal em setembro daquele ano, quando os homens da lei avançavam nas investigações do Petrolão, o maior esquema corrupto da história. “Evidente que a Lava Jato não estava nos planos do PT”, foi em frente. “O plano parecia perfeito, mas esqueceram de combinar com os russos.”  Como outros milhões de profissionais da esperança, também o ministro parecia acreditar que, finalmente, a lei passara a valer para todos, até para a bandidagem da classe executiva. Sem o aparecimento dos juízes e procuradores federais baseados em Curitiba (os “russos”), o PT poderia materializar o sonho da eternização no poder.  

Eduardo Fernando Appio, novo juiz federal da Lava Jato - 
 Foto: Divulgação JF-PR
De acordo com Gilmar, a mais efetiva operação anticorrupção desde a chegada das primeiras caravelas “provou que foi instalada no Brasil uma cleptocracia” (Estado governado por ladrões, avisa o dicionário). Com os bilhões desviados da Petrobras, calculou o ministro, “o PT tem dinheiro suficiente para disputar eleições até 2038”. 
Faltam 15 anos e quatro eleições presidenciais. Lula já confessou que está pronto para disputar a próxima. Se tiver sucesso, será o primeiro octogenário a chefiar o governo federal. Tal hipótese é improvável. Mas já não há “russos” no caminho. Nem ministros do STF capazes de ao menos admitir que a Lava Jato foi condenada à morte não por eventuais defeitos e erros, mas pelas virtudes. A troca de mensagens entre seus integrantes apenas comprovou que um grupo de profissionais do Judiciário e do Ministério Público vibrava com a iminente erradicação da espécie de brasileiro que se julga condenado à perpétua impunidade. 

Abatida por decisões sem pé nem cabeça do STF, que transformaram gatunos em perseguidos políticos e homens decentes em perseguidores cruéis, a operação que condenou dezenas de figurões sem ter castigado um único inocente respirava por instrumentos quando foi enterrada em cova rasa pela escolha do novo titular da 13ª Vara Federal de Curitiba: Eduardo Fernando Appio, que durante a campanha eleitoral assinou documentos com o codinome “LUL22”, doou R$ 13 à campanha do ex-presidente e agora anda redigindo em juridiquês de napoleão de hospício decisões ditadas por uma cabeça em combustão. Uma delas homenageou Sérgio Cabral — o último preso da Lava Jato até ser dispensado pelo Supremo, em fevereiro, de cumprir a condenação a mais de 400 anos de cadeia. Appio autorizou o Marcola da ladroagem vip a passear pelo país por até oito dias. Sem tornozeleira.  
 
O ex-governador do Rio retribuiu a gentileza com duas longas entrevistas em que atribuiu seu calvário à imaginação da extrema direita, deu conselhos a Lula, jurou que a mão de Deus o livrou do vício de roubar e, na vã tentativa de chorar, acabou inventando o pranto convulsivo sem lágrimas. 
Appio animou-se com a ideia de instalar o senador Sergio Moro e o deputado federal Deltan Dallagnol na cela desocupada por Sérgio Cabral. Responsabilizou o ex-juiz da Lava Jato e o ex-chefe da força-tarefa de procuradores “pela tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro”. (Acossado por vírgulas bêbadas, pronomes sem rumo, colisões frontais entre sujeito e verbo, menções bajulatórias a Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, fora o resto, o palavrório que desembarcou na internet deveria ser distribuído entre os jovens que vão enfrentar a prova de Redação do Enem. Com uma advertência indispensável: é assim que não se deve escrever.)  

Acusado de “golpista” por um juiz devoto de Lula, Moro toparia com um pregador da mesma seita ao estrear na tribuna do Senado.  
O sergipano Rogério Carvalho interrompeu o discurso para debitar na conta do orador também a corrupção endêmica. Isso mesmo: um parlamentar a serviço da cleptocracia denunciada por Gilmar Mendes garante, sem ficar ruborizado, que a roubalheira do Petrolão foi coisa do juiz que engaiolou os larápios. 
O consórcio da imprensa tratou todos esses fatos como se não tivesse acontecido nada de mais. 
E manteve escondida no porão dos assuntos inconvenientes a multidão de inocentes que, por determinação de um único e escasso doutor, segue encarcerada em Brasília ou interditada por tornozeleiras eletrônicas
Não há limites para o cinismo no grande clube dos cafajestes cujo estandarte a brisa do Brasil beija e balança. 

Leia também “A alma penada apita na curva”  

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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Um AI-5 de toga - Revista Oeste

Moraes lidera outra reedição da marcha da insensatez. Nenhuma acabou bem 

“Seja mais Andrada e menos Zezinho!”, gritou no plenário o deputado mineiro Celso Passos. Naquele 13 de dezembro de 1968, a exortação pretendia animar o presidente da Câmara José Bonifácio Lafayette de Andrada, o “Zezinho Bonifácio”a resistir à decretação do Ato Institucional nº 5
Em resposta aos parlamentares que haviam rejeitado na véspera o pedido de licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves, o general-presidente Artur da Costa e Silva oficializara o nascimento de uma genuína ditadura
O descendente do Patriarca da Independência foi mais Zezinho do que nunca: cruzando os braços, respondeu ao apelo de Passos com uma histórica “banana”. O Congresso foi fechado horas depois. 
Só muito tempo mais tarde se saberia que naquela mesma sexta-feira 13, junto com o AI-5, nasceu Alexandre de Moraes.

 Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação

 Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação 

O destino pode ser determinado pela data de nascimento, sugerem os capítulos recentes da biografia do advogado que virou promotor público e professor de Direito Constitucional que virou secretário municipal e depois estadual que virou ministro da Justiça e acabou virando ministro do Supremo Tribunal Federal por indicação do presidente Michel Temer. 
Aos 50 anos, Moraes ainda atravessava a infância no Pretório Excelso quando o presidente Dias Toffoli resolveu encarregá-lo, em 2019, de tratar a tiro, porrada e bomba qualquer vivente insatisfeito com o Timão da Toga
Três anos depois da declaração de guerra a fabricantes de fake news e parteiros de “atos antidemocráticos”, o protagonista do mais audacioso faroeste à brasileira juntou dois inquéritos obscenamente ilegais, fez da mistura um AI-5 de toga e, com o autorização dos parceiros hostis ao presidente da República, proclamou a ditadura do Judiciário.
 
Em 12 de dezembro de 1968, 216 deputados federais rejeitaram uma exigência do governo militar que feria mortalmente as imunidades parlamentares e a liberdade de expressão.  
Além dos 12 que se abstiveram, 141 supostos representantes do povo mandaram às favas tais garantias constitucionais. 
Em fevereiro de 2021, quando a prisão do deputado Daniel Silveira foi avalizada por 364 votos contra 130, a bancada suprapartidária dos covardes mostrou-se amplamente majoritária — e deixou claro que a Câmara acompanharia de cócoras o desfile de abusos.  
O balanço de 2022 informa que os zezinhos bonifácios que infestam e dominam o Congresso engoliram sem engasgos o AI-5 de toga.

Embora a Constituição estabeleça a igualdade dos três Poderes, Moraes decidiu que o Judiciário é mais igual que os outros

No Senado, dezenas de pedidos de impeachment sustentados por pilhas de provas contundentes cruzaram o ano ressonando no fundo do baú de iniquidades niveladas pela grife Rodrigo Pacheco.  
No fim de novembro, para que futuros presidentes nem ousem sonhar com a antecipação de supremas aposentadorias, Renan Calheiros concebeu uma proposta de emenda constitucional que torna a demissão de um juiz do STF tão provável quanto a canonização de Frei Betto.  
Faz tempo que o líder perpétuo da bancada do cangaço lidera o ranking dos campeões de processos em tramitação no STF
Como o ministro Edson Fachin acaba de arquivar mais um, tornou-se recordista também na modalidade não olímpica reservada a especialistas no sepultamento de casos de polícia encaminhados ao Egrégio Plenário. No peito do delinquente alagoano bate um coração agradecido a quem o trata como bandido de estimação.
Aos olhos de Moraes, o fim da campanha eleitoral foi a senha para a abertura de uma frente de guerra ainda mais abrangente
Alternando as fantasias de Pai da Democracia e Mãe da Verdade, o ministro que desempenha simultaneamente os papeis de vítima, detetive, delegado, promotor e juiz ampliou o acervo de proezas. Numa única semana, por exemplo, prendeu um empresário, encurtou o mandato de um prefeito, proibiu a entrada na internet de parlamentares eleitos ou no exercício do cargo e suspendeu a censura imposta a dois deputados, fora o resto. Colérico com uma respeitosa mensagem da OAB, que apenas queria saber se o destinatário poderia revelar aos advogados dos perseguidos quais teriam sido os crimes cometidos pelos clientes, Moraes dispensou-se de repassar o pedido a um assessor mais gentil com o idioma
Redigida por ele mesmo, a resposta só serviu para confirmar que, caso fosse submetido a uma prova de redação, o autor não escaparia de um zero com louvor.
 
Embora a Constituição estabeleça a igualdade dos três Poderes, Moraes decidiu que o Judiciário é mais igual que os outros. Sem interromper a sequência de confiscos de atribuições do Executivo, ele deu de invadir territórios do Legislativo com a insolência de quem sabe que não haverá resistência
Os presidentes do Senado e da Câmara fingiram nem ter notado a série de estupros da imunidade parlamentar. 
O deputado Arthur Lira limitou-se a pedir-lhe que fosse suspensa a censura imposta aos representantes do povo. (Até um Zezinho Bonifácio, confrontado com tamanha arrogância, seria mais Andrada e, em vez de pedir, exigiria.) Também por isso, Moraes parece ter esquecido que toda determinação do Supremo se ampara no poder moral da instituição.
As decisões dos juízes são obedecidas graças a essa força invisível, que pode ser reduzida a zero se afrontarem artigos dos códigos em vigor ou normas constitucionais. 
 O que fará Alexandre de Moraes caso um delegado de Polícia Federal se rebele ao receber uma ordem ilegal? 
No Tribunal de Nuremberg, chefes nazistas tentaram driblar o castigo invocando a teoria da obediência devida: quem cumpre ordens vindas de instâncias superiores não pode ser responsabilizado por suas consequências. 
Quem faz o que a lei proíbe é cúmplice, reafirmaram os juízes. 
Todos os réus acabaram no patíbulo ou envelheceram na cadeia.
E o que fará o STF se um general determinar que sejam acomodados no quartel brasileiros acuados por policiais designados para dissolver a manifestação de protesto? [em nossa opinião, ainda que de forma sutil, essa ordem já foi dada e está sendo cumprida - as manifestações em áreas contiguas aos quartéis continuam de forma lega,ordeira e pacífica; também,  ao que  pensamos, uma ordem dessa natureza caiu na vala do conveniente esquecimento, quando o presidente Bolsonaro decidiu ignorar uma determinação do ministro Moraes e não compareceu a uma delegacia da PF para depor. 
Ao que pensamos, se o presidente Bolsonaro tivesse decidido ignorar uma ordem do ministro Moraes que proibia o presidente de nomear um diretor da PF, e efetuado a nomeação,  o nomeado teria sido empossado sem problemas.] 
 
Nessa hipótese, os super doutores vão encarregar a ministra Cármen Lúcia de comunicar aos desobedientes que decisão judicial é para ser cumprida? Eis aí uma ideia perigosa. A emissária poderá ouvir que quem cumpre ordem ilegal é cúmplice de um crime
Alguém provavelmente lembrará que é do povo que emana todo o poder, exercido por representantes eleitos ou diretamente.  
E outra voz anônima haverá de dizer que, como ensinava a antiga Cármen Lúcia, cala a boca já morreu.

Melhor deter enquanto é tempo a ofensiva do ministro municiado com o AI-5 de toga. O que se vê no Brasil é mais uma reedição da marcha da insensatez. Nenhuma acabou bem.

Leia também “Randolph Scott não merecia”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

 

domingo, 13 de novembro de 2022

Essa nota é nota dez - Percival Puggina


Tenho certeza de que a nota assinada pelos três chefes militares sobre os excessos praticados por ministros do TSE, em especial pelo seu presidente, deve ter acendido alertas dentro da Corte. No mínimo, a sirene tocou.

Alexandre de Moraes vinha agindo como se o Brasil fosse um faroeste e ele o gatilho mais rápido, uma espécie de xerife no Arizona, única expressão do poder local.

Não é. Através da nota, os comandantes militares,

- reafirmaram “seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil”;

- lembraram que há uma Constituição e que ela protege “a livre manifestação do pensamento; a pacífica liberdade de reunião, e a liberdade de locomoção no território nacional” (direitos que o TSE vem coibindo);

- assinalaram “não constituir crime [...] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais (idem);

- afirmaram ser igualmente condenáveis excessos de manifestantes e de agentes públicos;

- alertaram caber às autoridades da República, instituídas pelo Povo, nos termos da Constituição e da legislação, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população; (mais claro impossível)

- lembraram ao Legislativo, Casa do Povo, ser ele o destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade;

- posicionaram as Forças Armadas como vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.

Observe o leitor que essa nota não traz assinatura do Ministro da Defesa, não sendo, portanto, um documento do governo. Nas circunstâncias, isso eleva sua gravidade. Com ela, as Forças Armadas fizeram o que o profeta Natã fez com o rei Davi quando lhe apontou seus pecados. Mostraram os gritantes excessos praticados pelo TSE e a insegurança que trazem à nação.

Por fim, deixa claro ser dever das instituições promover um diálogo que viabilize saída institucional para a crise criada agora são palavras minhas: pela leniência do Congresso e a desmedida parcialidade do Supremo.

Obviamente, as Forças Armadas entraram como players nessa que é mais uma de nossas tantas crises. [a tornar mais clara e eloquente a Nota, ontem, 12/11, auditores fiscais tentaram invadir local ocupado por manifestantes para apreender barracas e dispersar, quando de pronto a PE - Polícia do Exército, expulsou os tais auditores, escoltando-os para fora da área, prestando uma única e suficiente explicação: o local que os auditores invadiram é ÁREA MILITAR, portanto a Força Singular a ele contígua é quem manda.
Além de escoltados ostensivamente pela PE os expulsos saíram debaixo de vaias.
Ao que se comentou, os auditores pretendiam cumprir ordem do ministro Moraes - sendo que alguns consideraram até a hipótese do presidente do TSE acionar a Polícia Judiciária (criada pelo ministro Toffoli, via RESOLUÇÃO, quando presidente do TSE. 
Por prudência, as autoridade da Justiça Eleitoral preferiram fazer de conta que nada houve - os manifestantes estão lá e tudo incida permanecerão até que suas demandas sejam analisadas.]

Percival Puggina - Conservadores e Liberais


sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O “Fora Lula!” só começou - Augusto Nunes

Revista Oeste

O partido que nunca soube ser feliz foi surpreendido com o nascimento da oposição que nunca existiu
 
Pronunciamento do presidente eleito, Lula, na Avenida Paulista, em São Paulo, SP, no domingo 31 | Foto: Marcelo Oliveira Março/Futura Press 

Em 28 de outubro de 2002, fui ver o comício da vitória do PT. Seria uma festa e tanto, imaginei. Em campanha desde 1982, quando não passou do quarto lugar da disputa do governo de São Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva havia amargado três derrotas em eleições presidenciais. Em 1989, fora vencido por Fernando Collor no segundo turno. Em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso o atropelara já na rodada inicial. Só no século 21 a seita da estrela vermelha pôde comemorar a concretização do sonho perseguido anos a fio por seu único deus. Cheguei às imediações do palco armado na Paulista convencido de que testemunharia um Carnaval temporão. Dois ou três discursos bastaram para escancarar o estranho defeito de fabricação: o PT não consegue ser feliz nem mesmo nos momentos de triunfo.

Filho de um político que se candidatou a prefeito de Taquaritinga com menos de 30 anos, exerceu quatro mandatos e morreu no cargo dias depois de virar setentão, nasci e cresci entre discurseiras nas carrocerias de caminhão, santinhos, cartazes e faixas, microfones e caixas de som, cédulas e urnas, foguetórios e aplausos, beijos e abraços, choro convulsivo e ranger de dentes — e nada era mais deslumbrante que o comício da vitória. “É o único dia em que um político é completamente feliz”, dizia Adail Nunes da Silva. “A gente esquece adversários, insultos, brigas, qualquer coisa desagradável ocorrida na campanha. Só lembramos dos que nos ajudaram a ganhar. Não se vê ninguém de mau humor. É pura festa.”

Também nos pequenos municípios paulistas a campanha eleitoral frequentemente roçava o ponto de combustão, as trocas de golpes retóricos provocavam hematomas e ferimentos, de vez em quando se consumava um nocaute. Adail Nunes da Silva sempre foi um homem de bem com a vida, mas num embate eleitoral nada tinha de lorde inglês. Mirava preferencialmente o fígado dos adversários com jabs irônicos e ganchos mordazes. Acusava o desafeto pouco risonho de, no cinema, torcer pelo bandido do faroeste e pelos chifres do miúra no filme que mostrava uma tourada. Quando enfrentou pela primeira vez um devoto de Lula, afirmava que nos comícios do PT a plateia era tão diminuta que, terminado o discurso, o próprio candidato descia do palanque para ampliar a salva de palmas.

O ex-presidiário mentiu à vontade, com o desembaraço de quem transformou em boletins do PT veículos de comunicação que perderam a vergonha

Ele batia e levava. Aos 10 anos, pedi ao irmão de 17 que me levasse a um comício do inimigo. Prudente, Flávio repassou a tarefa a um forasteiro amigo que estava de passagem pela cidade. A primeira frase que ouvi foi proferida por um candidato a vereador da tribo ademarista: “O Adail é ladrão, roubou os trilhos da estrada de ferro”. Contei ao meu pai o que ouvira, ele respondeu com uma lição singela: “Quando alguém falar mal da gente, lembre que a gente vive falando mal deles. Isso é coisa de campanha eleitoral”. Terminada a apuração, os derrotados passavam uma semana pescando e os vencedores se esbaldavam no comício da vitória. Essa foi a regra até o nascimento do Partido dos Trabalhadores.

Naquela noite na Paulista, ficou claro que o acervo de exotismos políticos brasileiros incluía a única torcida do mundo que, além de não saber perder, também não sabia ganhar. Em vez de comemorar a vitória do PT, a chamada “militância” prefere festejar a derrota dos outros. 
Em vez de gargalhar ou flutuar sobre as nuvens em estado de graça, um petista padrão arma a carranca e vaga pelas ruas ou pela internet à caça de gente que rejeite a verdade oficial estabelecida pelo sinuelo do rebanho. O ressentimento parece mais prazeroso que a felicidade. E a celebração colérica atinge o clímax quando arruaceiros anexam ao roteiro quebras de vitrines, depredações de imóveis comerciais e saques de lojas. A festa da violência é afrodisíaca para as velhas vestais que caíram na vida.

Neste 30 de outubro em que Lula se elegeu de novo, atiçados pelo palavrório agora permanentemente raivoso do pregador, os participantes da missa negra na Paulista insultaram Jair Bolsonaro, a família Bolsonaro, ministros de Bolsonaro, jornalistas acusados de bolsonaristas, eleitores declarados de Bolsonaro e suspeitos de terem votado em Bolsonaro. Lula foi dispensado de dizer o que pretende fazer no governo: o público preferia ouvir o que Bolsonaro não poderá fazer. As boas notícias na economia foram tratadas como fake news. O ex-presidiário mentiu à vontade, com o desembaraço de quem transformou em boletins do PT veículos de comunicação que perderam a vergonha. Os vencedores não esperavam a brusca mudança na paisagem política do Brasil que conferiu contornos de data histórica ao 2 de novembro de 2022.

Em milhares de cidades, as ruas foram tomadas por manifestantes antilulistas que, pacificamente, formalizaram o nascimento da oposição que o PT nunca teve de enfrentar. Os atos de protestos — alguns portentosos, todos espontâneos — alteraram dramaticamente o jogo. Quando perdia a eleição, o PT nem esperava a posse do adversário vitorioso para tentar despejá-lo do cargo. Entre 1989 e 2022, os intolerantes irredutíveis gritaram “Fora Collor!”, “Fora Itamar!”, “Fora FHC”, “Fora Temer” e “Fora Bolsonaro”. Desta vez, os súditos do chefe do Petrolão ouviram um inesperado e estrepitoso “Fora Lula!”. Sem multidões a mobilizar, tiveram de suportar em casa a barulheira que apenas começou.

Leia também “Moraes roubou a cena”

Augusto Nunes, colunista  - Revista Oeste

 

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Um líder sem povo - Revista Oeste

Augusto Nunes

Os eleitores de Lula atravessaram a campanha acampados nas pesquisas 

Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Shutterstock

Luiz Inácio Lula da Silva - Foto: Shutterstock 

Nos dez últimos dias da campanha, as multidões de eleitores de Lula que transbordam das pesquisas de intenção de voto não deram as caras nas ruas. 
Enquanto partidários de Jair Bolsonaro ocupavam tais espaços, para saudarem a passagem do candidato à reeleição, o favorito das lojinhas de porcentagem gastava a voz crescentemente rouca em entrevistas a emissoras de TV, reuniões com aliados ou empresários, uma aparição na quadra da Portela e duas discurseiras para plateias amestradas. O bisonho desempenho do ex-presidente confirma que, no fim das contas, faz sentido deixá-lo mais tempo em casa do que em público.

Em 22 de setembro, por exemplo, incorporou mais vogais e consoantes ao abarrotado baú de declarações desastradas. Irritado com a evocação de uma crítica feita pelo maior adversário, qualificou-a de “uma estupidez de alguém que é um pouco ignorante, é o que ele é, mesmo, um pouco ignorante”. Poderia ter parado por aí, mas o Lula modelo 2022 sempre vai em frente. “É aquele jeitão bruto dele, de capiau lá do interior de São Paulo, aquele capiau de Registro, bem duro assim, bem ignorante”. (Errou a cidade: Bolsonaro nasceu em Glicério.) Engatou a terceira marcha e completou o insulto a milhões de paulistas do interior.  “Tem gente que acha que ser ignorante é bonito, e não é”, ensinou o setentão que vive espancando o idioma português e as boas maneiras. “O que é bonito é você ser educado, ser um cara refinado como eu”, gabou-se. Dois dias depois, com medo de reprisar o fiasco na Band, escapuliu do debate no SBT para protagonizar em São Luís do Maranhão a colisão frontal entre o Lula real e o refinado imaginário. Zanzando no palco, o orador que vive lastimando a ausência de coisas que poderia ter materializado nos seus oito anos de governo ressuscitou um exotismo inverossímil: a varanda de 2 metros quadrados que tanta falta faz às moradias populares financiadas pela Caixa Econômica Federal.

“Todo mundo sabe como sou e como ajo no governo”, recitou sempre que alguém lhe cobrava a plataforma mantida em segredo

Na capital maranhense, Lula pareceu definitivamente convencido de que nenhum vivente destes trêfegos trópicos será feliz sem esse espaço tão diminuto quanto indispensável. “Eu até falei pro cara da Caixa: vamos fazer a sacadinha do pum!”, declamou o orador no clímax do falatório que agitaria a internet nos dias seguintes. “O sujeito não está bem da barriga, ele não tem que ficar incomodando a mulher dele, vai pra varandinha fazer as suas coisas”, detalhou. Logo atrás, sua mulher, Janja, desmanchou-se no sorriso de aprovação, imediatamente reproduzido por um bando também risonho. Refinamento é isso aí.

Nada disso ameaçou a liderança do ex-presidiário no Datafolha, no Ibope que mudou de nome e em outros institutos engajados na luta para devolver o poder ao grupo que fez do governo federal uma gazua de dimensões siderais. Nada disso pareceu inquietar jornalistas que passam o dia jurando que Lula vencerá no primeiro turno, mas atravessam a noite rezando pelo sucesso do golpe do “voto útil”, que garantiria a presença do chefe no segundo turno. Quem vê as coisas como as coisas são enxerga com nitidez um populista que, a poucas horas dos 77 anos, está claramente fora de forma. 
O tom de voz sempre feroz está em descompasso com o conteúdo do discurso — tão pouco profundo que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiga pode atravessá-lo com água pelas canelas. É difícil imaginar o Lula dos velhos tempos perdendo a calma com o Padre Kelmon durante o debate na Globo, um dos momentos mais patéticos registrados desde o primeiro bate-boca entre homens das cavernas.

Lula atravessou a campanha combatendo em duas frentes. Numa, tentou inutilmente reescrever o passado, que inclui a temporada na cadeia imposta por nove juízes de três instâncias ao criminoso enredado em casos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. 
 Os dois debates aos quais compareceu demonstraram o malogro dos truques concebidos para transformar bandido em xerife e mocinho em vilão, terceirizar a roubalheira e reiterar que, no faroeste à brasileira, é o fora da lei quem vence no fim.  
Acuado pelas descobertas da Operação Lava Jato, desprovido de álibis suficientemente criativos para resgatá-lo dos becos sem saída, Lula viu rasgada a fantasia que o tornava portador da alma viva mais pura do Brasil, talvez do mundo. Na segunda frente, aberta para que o candidato chegasse ao duelo de 2 de outubro sem apresentar um programa de governo, a seita que tem num caso de polícia seu único deus foi bem-sucedida.

A rigor, Lula só está comprometido com a exumação do Bolsa Família e a implantação da sacadinha do pum — projeto anunciado na metade de 2010, seu último ano no Palácio do Planalto, e reiterado em dezembro de 2021. “Todo mundo sabe como sou e como ajo no governo”, recitou sempre que alguém lhe cobrava a plataforma mantida em segredo. “O programa sou eu”, poderia ter simplificado. Seja qual for a formulação, eis aí uma informação perturbadora. Em 2003, ele vestiu a faixa presidencial num Brasil libertado do dragão inflacionário e num mundo que seria contemplado com dez anos de bonança na economia. O país e o planeta mudaram. Se Lula continua o mesmo, e pretende agir como agiu, ao eventual regresso ao Planalto se seguiriam crises de proporções sísmicas, como as desencadeadas pelos escândalos do Mensalão e do Petrolão.

A falta de multidões lulistas a fotografar induziu a imprensa camarada a festejar com pompas e fitas a adesão de políticos sem público e artistas sem voto. Colunistas de segundos cadernos têm louvado a bravura da cantora Maria Gadu, no momento em guerra para receber integralmente o cachê reduzido pelo contratante ao saber que a contratada afirmara no palco, aos berros, que Lula é a solução para os problemas do Brasil. 

Aos olhos de um analista da Folha de S.Paulo, por exemplo, o candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin demonstrou seu poder de persuasão ao incorporar à tribo lulista o ex-deputado federal Fábio Feldmann e três ex-prefeitos paulistas desgarrados do PSDB. 
Além de Alckmin, renderam-se ao pajé do PT alguns parteiros do Plano Real, que o PT amaldiçoou, Celso de Mello, o ministro do Supremo Tribunal Federal que viu no Mensalão a prova definitiva de que o bando lulista se orientava por um “projeto criminoso de poder”, e o também ex-juiz do STF Joaquim Barbosa, relator do caso. Os dois juízes aposentados [ZERO + ZERO = ZERO.] talvez tenham encontrado evidências robustas de que o bordel dedetizado em 2012 se tenha transformado no templo das últimas vestais.

O alistamento de ministros enfiados em pijamas pode inflamar o ânimo combatente dos ativistas de toga aquartelados no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral, esse agora onipresente puxadinho do Pretório Excelso. Também por isso Lula pôde dispensar-se de comícios, exonerar outros instrumentos de caça ao voto e reduzir-se a candidato sem programa. 
Com um antigo campeão de votos emudecido em casa, lutam por ele institutos de pesquisa, meios de comunicação que agonizam urrando e o alto comando da Justiça Eleitoral.  
Alexandre de Moraes, presidente do TSE e governador geral do inquérito do fim do mundo, escalou Benedito Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça em missão na Justiça Eleitoral, para o papel de capitão do mato concentrado na perseguição de um inimigo comum. Em dias de festa, Lula afaga Benedito com tapinhas na face. Benedito retribui as carícias do padrinho hostilizando Bolsonaro em dias de festa, dias úteis, sábados, domingos e feriados.

Os sucessivos surtos de arrogância e insolência protagonizados pela dupla erguem um monumento ao abuso por dia. O presidente da República está proibido, por exemplo, de fazer gravações para o horário eleitoral no Palácio da Alvorada. Se o presidente é Jair Bolsonaro, ocupar uma sala do lugar onde mora é uso indevido de patrimônio público. 
Imagens da visita a Londres para o funeral de Elizabeth II? 
De jeito nenhum: mais respeito com a falecida. 
Fotos de Bolsonaro discursando na sessão de abertura da Assembleia Geral da ONU? Nem pensar: no exterior, o chefe de Estado deve esquecer que a eleição vem aí. 
A última do Alexandre é coisa de delinquente: ao ordenar aos delegados e agentes da Polícia Federal transformados em guarda particular que grampeassem o telefone do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, o ministro do STF estuprou a privacidade do chefe do Executivo, que usa frequentemente o mesmo celular.

Solto por uma obscena chicana do ministro Edson Fachin, absolvido pelo capinha William Bonner com o aval de Gilmar Mendes, Lula sonha sem vigilância com a censura à imprensa, o restabelecimento da política externa da canalhice e a imediata retomada da parceria promíscua com a Venezuela, a Nicarágua, a Bolívia, Cuba e ditaduras africanas de estimação, a volta das mesadas que engordam o MST, a reestatização dos cofres de estatais hoje em mãos da iniciativa privada, a ladroagem institucionalizada, a derrota política, econômica e moral do Brasil que pensa e presta.  

O problema é que ainda não foi revogado o artigo 1° da Constituição, e ali fica claro de onde emana todo o poder. 
As multidões atraídas por Bolsonaro, que apresentou seu plano de governo, podem ser vistas a olho nu e são tangíveis. 
A campanha eleitoral atestou que Lula esconde o passado, tenta ocultar o futuro e virou um líder sem povo.

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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


 


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Bolsonaro, Moraes e militares armam um faroeste eleitoral às vésperas da eleição - Malu Gaspar

Os gabinetes de Brasília andam agitados com a possibilidade de uma trégua na guerra pública entre Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes em torno da segurança das urnas eletrônicas
Os líderes do Centrão dizem que a negociação é promissora. 
Moraes colocou assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ele passará a presidir na semana que vem, para avaliar como atender a um ou outro pedido das Forças Armadas e tentar desanuviar o ambiente.

Os militares já cantam vitória nos bastidores. “Quando um não quer, dois não brigam”, me disse ontem um empolgado auxiliar militar do presidente a quem questionei sobre o assunto. Na superfície, a situação parece bem encaminhada. Nas internas, porém, é como se estivéssemos assistindo a uma cena de duelo em filme de caubói.

Só que, neste caso, os protagonistas mantêm uma das mãos com a arma engatilhada, enquanto a outra fica desimpedida, para o caso de um acordo. O desfecho ninguém é capaz de prever, mas nem o contexto e nem o histórico dos envolvidos autorizam otimismo. Um dos políticos que mais conhecem Jair Bolsonaro, o filho e senador Flávio (PL-RJ), já disse aos mais chegados que não acredita em acordo porque não confia em Moraes. [COMENTÁRIO: entendemos ser bom ter em conta que o ministro Moraes está assumindo a presidência do TSE - um órgão colegiado - e não a função e os poderes de  Kim Jong-un.]

Versado em análises de pesquisas, ele sabe que o eleitor médio não quer saber de ataques às urnas e ameaças golpistas, e sim de ter mais emprego, pagar as dívidas e colocar comida na mesa da família.     Mas acha coincidência demais que o sorteio do TSE tenha delegado o processo de registro da candidatura do presidente justamente a Moraes, que também comanda o inquérito das fake news e das milícias digitais no Supremo Tribunal Federal (STF).

É como se Flávio e outros bolsonaristas vissem nesse movimento um sinal de que, em vez de acordo, os “surdos de capa preta” estão na verdade preparando uma cilada para o presidente da República.

Também existe no núcleo ideológico do governo um profundo incômodo com a ideia do armistício com seu inimigo público número um. Não tanto pela possível reação dos seguidores do presidente, que já aceitaram outras guinadas igualmente estranhas no passado. O que eles não querem é desmobilizar a tração golpista que alimenta o bolsonarismo e certas alas das Forças Armadas às vésperas dos atos de 7 de setembro. [a última leva mais jeito de 'narrativa', quando cogita de algo inexistente: "ameaça golpista".]

A esta altura, não dá mais para comprar sem um belo desconto o repisado discurso de que os militares são majoritariamente antigolpe e, se necessário, conteriam os impulsos autoritários de Bolsonaro. Não é desprezível a parcela dos fardados que realmente acredita que as urnas eletrônicas estão sujeitas a fraudes e considera que Supremo e TSE fazem parte de um grande conluio para facilitar a volta de Lula ao poder. [se apenas os fardados acreditassem ..., quanto ao citado grande conluio é pacífico que as instituição, da mesma forma que as pessoas, são julgadas pelos seus atos, comportamentos, decisões.]

O coronel que integrava o grupo do Exército que fiscalizou o código-fonte das urnas, ao mesmo tempo que disseminava fake news grosseiras contra o sistema, representa o arquétipo desse tipo de militar.É por isso que, há algumas semanas, quando Moraes topou conversar com os emissários de Bolsonaro incluindo o ministro da Defesa —, a apreensão maior do Centrão e de figurões do meio jurídico já nem era só que o presidente da República arquitetasse um golpe.

Para defender a necessidade de buscar um consenso, falou-se muito naqueles dias no risco de que os próprios militares tentassem assumir o poder por conta própria, deixando Bolsonaro para trás, a pretexto de “limpar” um processo eleitoral contaminado por fraudes. Pode ser que o pessoal esteja vendo assombração demais no Planalto, mas o fato de esse argumento ter se repetido várias vezes em jantares e conversas reservadas já mostra com que tipo de situação estamos lidando.

Tudo isso só complica ainda mais o cálculo de Moraes. Primeiro, porque não há garantia de que fazer novas concessões realmente desanuviará o clima político. Afinal, foi uma concessão feita lá atrás — o convite às Forças Armadas para participar da comissão sobre a segurança do sistema — que fez com que eles se sentissem empoderados para levantar infindáveis questionamentos e firulas técnicas que não levam a lugar algum, mas alimentam a narrativa do golpe.

Entre os interlocutores de Moraes, prospera a versão de que ele atenderia a um ou outro pedido banal para não parecer inflexível e conceder argumento para um recuo dos militares. Mas quem pode afiançar que, mesmo depois de seus pedidos serem atendidos, eles não encontrarão novos motivos para questionar o sistema eleitoral?

Até agora, o TSE informou publicamente que todos os pleitos que poderiam ter sido atendidos já o foram. Sendo assim, não haveria mais o que ceder. É por isso que também há quem esteja soprando aos ouvidos de Moraes que abrir novos flancos agora seria cometer a distração que falta para o adversário sacar a arma e puxar o gatilho.

Malu Gaspar, colunista - O Globo


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Lula e a mulher-aranha - Revista Oeste

Augusto Nunes
 
É mais fácil acreditar num ser humano com oito patas do que na inocência do ex-presidiário  
 
O ex-presidente duas vezes condenado em segunda instância por lavagem de dinheiro e corrupção passiva voltou ao noticiário político policial pendurado na lista dos caloteiros da Receita Federal
Nas declarações de imposto de renda, Lula escondeu uma pequena parte do que ganhou de empreiteiros agradecidos para sonegar R$ 1,2 milhão.  
É mais que os R$ 321 mil tungados pelo sobrinho Taiguara Rodrigues dos Santos. 
É dinheiro de troco perto do que o Fisco está cobrando de José Dirceu: R$ 68 milhões. É sobretudo a confirmação de que Lula se tornou o avesso de Getúlio Vargas, a quem costuma comparar-se
Um deixou a vida para entrar na História. 
Outro saiu da História para cair na vidasempre em companhia de comparsas que reivindicaram o monopólio da honradez até a descoberta de que o templo das vestais camuflava o bordel das messalinas sem remorso.
 
O ex-presidente Lula, agora acusado de sonegar impostos | Foto: Montagem/Shutterstock
O ex-presidente Lula, agora acusado de sonegar impostos | Foto: Montagem/Shutterstock
O advogado Cristiano Zanin, claro, debitou o caso na conta da Operação Lava Jato. “As condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal”, recitou. Zanin merece um zero com louvor em Direito Tributário, informa a curta lição de Everardo Maciel. “Uma coisa nada tem a ver com a outra”, ensina o ex-secretário da Receita Federal. “Se o patrimônio aumentou, paga-se o imposto e ponto final.” Mesmo que o crime praticado por um ladrão esteja prescrito, exemplifica, o produto do roubo tem de ser taxado. 
A imprensa velha não deu importância à aparição da face sonegadora, descoberta pela revista Veja
E os jornalistas devotos trataram de enxergar mais uma fake news, inventada pelo gabinete do ódio. 
 
Quem não consegue enxergar a folha corrida de Lula deveria ser indiciado por miopia conveniente, processado por vigarice voluntária e condenado a prestar serviços gratuitos a um clube dos cafajestes.
Para a tribo dos cretinos fundamentais, não existiram o Mensalão, o Petrolão, as negociatas bilionárias envolvendo empreiteiros, as palestras de US$ 400 mil, as bandalheiras com ditaduras africanas, o maior esquema corrupto desde o Dia da Criação, fora o resto. 
Tudo foi parido por um imaginoso juiz que decidiu ser ministro ainda nos tempos do berçário e por um bando de procuradores especializados em acusar até bebês de colo. 
Mas já não fico perplexo quando vejo na TV alguém reafirmando aos berros a inocência de Lula. 
Limito-me a recordar o que houve com Newton Menino Gonçalves quando passou por Taquaritinga a mulher-aranha. Eu tinha 9 anos quando fui conhecer a singularíssima criatura junto com meu primo Newton, 1 ano mais velho.
 
A mulher-aranha chegara na véspera a bordo de um trailer implorando por reparos, pilotado pelo homem que — soube-se horas mais tarde — acumulava as funções de motorista, marido e vendedor dos ingressos que custavam 2 cruzeiros. 
Por essa módica quantia, podia-se entrar no interior escuro do veículo, contemplar a atração a dois passos de distância e ouvir, contada pela protagonista, a história que explicava por que havia virado aranha da cintura para baixo. 
Ambos com 5 cruzeiros no bolso da calça curta, percorremos os 50 metros que separavam a casa dos meus pais do trailer estacionado num canto da praça principal. 
Nos sete dias seguintes, naquele palco improvisado, o drama incomparável seria exposto ao povo de Taquaritinga. 
Ou às crianças da cidade, corrigia a fila de bom tamanho mas desprovida de adultos.

Multidões de brasileiros engolem sem engasgos o ilusionismo barato de Lula e as mentiras de Dilma

A cada meia hora, um grupo de cinco espectadores substituía o que acabara de sair. Entrei com meu primo e três moleques que não conhecia, e durante alguns minutos examinei a paisagem esquisita. 
O corpo da mulher-aranha era dividido horizontalmente por uma mesa. 
Na metade superior, vi uma mulher normal, gente como a gente, aparentando a idade da minha mãe. 
O espanto emergia na parte de baixo: no lugar de pernas e pés, havia quatro pares de patas com pelos, gordas e longas, como que expropriadas de uma superlativa caranguejeira de filme de ficção científica. 
O exame visual foi interrompido pelo começo do relato: “Eu nasci normal, e cresci com aparência humana, mas me tornei uma pessoa muito má”, disse a voz tristíssima. 
A continuação da narrativa escancarou uma feroz espancadora dos dez mandamentos, uma praticante compulsiva dos sete pecados capitais, uma incansável agressora dos códigos legais, da moral, da ética e dos bons costumes. 
Só poderia dar no que deu: já mulher feita, fora transformada por castigo divino em mulher-aranha, condenada a vagar por cidades, vilas e lugarejos em perpétua penitência.
Já do lado de fora e com cara de velório, Newton avisou que queria ver tudo de novo. Entrou na fila, pagou mais 2 cruzeiros, sumiu no interior do trailer e, meia hora mais tarde, reapareceu chorando convulsivamente. 
 
O ritual repetiu-se pelo menos uma vez nos dois dias seguintes. Inconformado com as dimensões da tragédia, ele derramou cataratas de lágrimas. Só parou de revisitar o palco do drama por falta de dinheiro. Decretado o corte de verba, a mãe e duas tias tentaram inutilmente convencê-lo de que aquilo não passava de tapeação, pura vigarice, coisa para enganar moleques de miolo mole e caipiras que creem até em mula sem cabeça. Ele só começou a convalescer da mais cava depressão com a partida do trailer — e da personagem da saga apavorante. Newton morreu muito cedo. Antes que lhe perguntasse se, casado e pai de duas filhas, continuava acreditando na mulher-aranha.
 
Nada de mais se dissesse que sim.  
Multidões de brasileiros engolem sem engasgos o ilusionismo barato de Lula, as mentiras de Dilma e as sucessivas variações da ópera do malandro encenadas pelos canastrões da “esquerda brasileira”
Se tantos marmanjos juram que o prontuário ambulante não cometeu uma única e escassa delinquência, por que não poderia um homem com coração de menino comover-se com a má sorte de um ser metade gente e metade aracnídeo? 
A mulher do trailer ao menos procurava costurar uma história com começo, meio e fim para que a medonha metamorfose parecesse verossímil. 
O deus da seita da missa negra nem se deu ao trabalho de tentar mascarar parcialmente o vasto acervo de patifarias com álibis menos mambembes. 
Apenas recita que é a alma viva mais pura do Brasil, talvez do mundo, e acha que duvidar de tal verdade devia dar cadeia. Acossado por incontáveis provas materiais, evidências robustas, indícios veementes e pesadas suspeitas, Lula preferiu inventar o faroeste à brasileira: os vilões é que perseguem o mocinho, ladrões fazem o diabo para prender xerifes. Mesmo quando a plateia exige a vitória dos homens da lei, os juízes da capital garantem que os bandidos desfrutem do final feliz.

Os fatos, contudo, sempre acabam prevalecendo. Como aconteceu com aquele trailer, um dia a farsa se vai. E então o Brasil entenderá que foi menos absurdo acreditar na história da mulher-aranha do que na pureza incompreendida de um meliante sem cura.

Leia também “O Circo Brasil Vermelho”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste 

 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Gilmar não enganaria Tom Jobim - Revista Oeste

Augusto Nunes 

O especialista em olhares não compraria um carro usado do Juiz dos Juízes

Paulo Francis dizia que o grande ator não é gente. “É outra coisa, muito acima de gente comum”, garantia. E apresentava a prova definitiva. “Por exemplo: nem o mais infeliz viúvo do mundo vai chorar como Marlon Brando no túmulo da mulher, na cena de O Último Tango em Paris. E ele só foi viúvo no cinema”. Se ainda estivesse por aqui, creio que encamparia a complementação da tese que esbocei faz tempo: o grande canastrão também não é gente. É outra coisa, muito abaixo de gente comum. 

Interpretando o papel do Juiz dos Juízes na versão data venia da Ópera dos Malandros, encenada na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes provou que nem o mais desqualificado juiz de futebol conseguiria superar em canastrice vigarista o ministro que faz o que pode — e, com frequência crescente, o que não deve — para elevar o cinismo a uma forma de arte.

O Maritaca de Diamantino festejou nesta semana o parto de outro Dia da Infâmia, em gestação desde que o ministro Edson Fachin resolveu anular as condenações impostas a Lula nos processos que nasceram e cresceram em Curitiba. O lugar certo era Brasília, mudou de ideia o relator dos casos da Lava Jato, depois de cinco anos afirmando o contrário. Fachin ressalvou que a decisão não transforma Lula em inocente. Continua culpado, mas nada deve à Justiça e os processos terão de recomeçar do zero. A ficha não está limpa, mas o dono do gordo prontuário está liberado para disputar até a Presidência da República. 

Animadíssimo com a absolvição do bandido, Gilmar tentou já no dia seguinte punir o mocinho. 
Era só fazer de conta que Sergio Moro ainda usava fraldas quando descobriu que viraria ministro de Estado se prendesse um ex-presidente da República. 
Por isso, o juiz não foi imparcial ao julgar o mundaréu de bandalheiras envolvendo um tríplex no Guarujá. Por isso, bastava oficializar a suspeição de Moro, sepultar a maracutaia e apressar o velório da Lava Jato.
A cada cinco anos, Gilmar esquece o que disse nos cinco anteriores. Em 19 de agosto de 2015, por exemplo, parecia enxergar as coisas como as coisas eram. “O que se instalou no país nos últimos anos e está sendo revelado na Lava Jato é um modelo de governança corrupta, algo que merece um nome claro: cleptocracia”, constatou. (Cleptocracia, aliás, não é um nome claro para muitos brasileiros. Sua Excelência poderia ter substituído o palavrão pelo seu significado: um lugar governado por ladrões.) “A Lava Jato estragou tudo”, prosseguiu. “O plano era perfeito, mas esqueceram de combinar com os russos.” Agora, “a operação que salvou a Petrobras” tornou-se “o maior escândalo judicial da nossa história”
E Gilmar age como inimigo juramentado do juiz que liderou a mais destemida e produtiva operação anticorrupção da História. 
(Tente entender: Gilmar, desafeto de Moro, considerou-se insuspeito para participar do julgamento do juiz da Lava Jato. 
E Moro foi colocado sob suspeição porque seria inimigo de Lula e, portanto, incapaz de portar-se imparcialmente. Difícil entender? 
Não se incomode. Se alguém entendeu, não contou a mais ninguém — talvez para não receber à meia-noite um mandado de prisão em flagrante assinado com um X por Alexandre de Moraes.)
Um pedido de vista do ministro Nunes Marques adiou por uma semana o final infeliz do faroeste à brasileira que teve Gilmar como produtor, diretor, roteirista e astro do elenco de canastrões. 
Irritado com o voto favorável a Moro, assustou Nunes Marques sublinhando com um medonho sobe e desce do beiço o palavrório amalucado: o bom ladrão se salvou, mas não há salvação para um juiz covarde. (O Brasil que presta acha que o ladrão é Lula, e nada tem de bom. Acha também que covardes são juízes que agem como padroeiros de bandidos.) 
Como sempre acontece com atores de picadeiro, as lágrimas continuaram longe dos olhos quando o orador tentou chorar em homenagem ao advogado Cristiano Zanin, pelo esforço que fez para resgatar da cadeia um corrupto duas vezes condenado em segunda instância. Não é pouca coisa. Mas não é tudo. Gilmar também fingiu ignorar que a vitória da obscenidade estava assegurada. Faz muito tempo que convenceu Carmen Lúcia a piorar a biografia para reduzir-se a Carmendes. Haja cinismo.
Comecei com Paulo Francis, termino com Tom Jobim. Numa noite no Rio, minutos antes do início da entrevista para um programa de TV, ouvi a pergunta inesperada. “Você sabia que sou especialista em olhares?”. Não, não sabia. Tom foi em frente: “É muito útil. Os olhos escancaram a alma e o caráter, descubro como a pessoa é em um segundo. Tem o olhar honesto, o esquivo, o sincero, o dissimulado, o arrogante, o confiante, o medroso, o perverso, e por aí vai. Um grande ator consegue mudar o modo de andar, o penteado, o figurino. Pode engordar ou emagrecer, pode usar maquiagem para ficar mais jovem ou mais velho, pode mudar quase tudo. Menos o olhar. Ninguém me engana. Nem o Marlon Brando”. Marlon Brando, de novo. Nesta semana, lembrei-me dessas conversas e lamentei de novo a partida da grande dupla. 
O que Francis estaria escrevendo sobre Gilmar Mendes? 
E como Tom Jobim definiria o olhar do gerentão do Supremo?
Eis aí uma mirada que conheço bem. Já vi esse olhar inconfundível nas brigas no portão do grupo escolar e do colégio, nos tensos barulhos de 1968, nos tumultos que encerraram antes da hora o jogo de futebol na várzea, a bordo do avião forçado ao pouso de emergência, num país assombrado pelo fantasma da guerra civil, em dois arranha-céus lambidos pelo fogo — enfim, já vi esse olhar em rostos alheios confrontados com perigos reais e imediatos. 
É o mesmo exibido por Gilmar Mendes nos vídeos que o mostram em alguma rua de Portugal, tentando afastar-se de dois ou três brasileiros indignados com o que fez, faz e pretende fazer depois de cobrir-se com a toga negra, fantasia que o transforma em Gilmar, o Supremo. 
É o olhar de quem esbanja valentia em duelos retóricos e bate-bocas em sessões do tribunal, mas sabe desde a infância que será sitiado pelo pânico quando a situação exigir a coragem física que sempre lhe faltou. Sublinhado pela palidez e pelo sorriso bestificado do pugilista no momento do nocaute, o olhar do ministro é o desenhado pelo medo.

Leia também “Gilmar Mendes e os 40 bandidos soltos”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste